CLEOPATRA tem final feliz no ASCO Meeting 2019
Na virada para o século XXI, o Dr. Dennis Slamon, chefe da Divisão de Oncologia-Hematologia da UCLA, inaugurou o tratamento customizado para o câncer de mama ao identificar um aumento na expressão do receptor Her-2 (human epidermal growth factor receptor-2) em 20% das pacientes. Tratava-se de um receptor transmembrana associado à tirosina quinase, cuja expressão fenotípica traduziria piora prognóstica. Não tardou para que a expressão Her-2 também se tornasse um fator preditivo. Sequencialmente, foram desenvolvidos dois anticorpos monoclonais (AcMo) atuando sobre a transdução de sinal mediada pelo Her2 e com mecanismos de ação complementares. Primeiro surgiu o trastuzumab, que ao se ligar ao subdomínio IV do domínio extracelular do receptor Her-2, promovia citotoxicidade e adicional bloqueio independente da sinalização proliferativa. Posteriormente, foi identificado o pertuzumab que ao se ligar a um epítopo distinto (subdomínio II) do domínio extracelular Her-2, impedia a dimerização do receptor e consequente citotoxicidade. Naturalmente, surgiu a hipótese alternativa admitindo que a combinação dos dois AcMo poderia promover maior abrangência no bloqueio da sinalização, tendo seu efeitos antitumorais potencializados. Efetivamente, esta associação mostrou-se benéfica em estudos de fase II tanto na doença metastática, como em cenário adjuvante.
Visando maior rigor metodológico, surge o estudo prospectivo e aleatório de fase III denominado Clinical Evaluation of Pertuzumab and Trastuzumab (CLEOPATRA) que reuniu em tratamento de primeira linha 808 pacientes com câncer metastático de mama Her-2 positivos e as distribuiu na proporção 1:1 para um braço teste (Pertuzumab+ Trastuzumab+ Docetaxel) ou para um braço controle (Placebo + Trastuzumab+ Docetaxel). Foram admitidas pacientes previamente tratadas com trastuzumab em cenário adjuvante ou neoadjuvante, desde que concluídos 12 meses antes da randomização. Os grupos mostraram-se adequadamente pareados para uma população composta por mulheres na idade mediana de 54 anos, com predomínio de doença visceral (78%) e expressão positiva de Her-2 confirmado por FISH em 95% dos casos. Aproximadamente metade das pacientes eram receptores hormonais positivas e apenas 10% do grupo havia recebido trastuzumab adjuvante. O desfecho primário foi a sobrevida livre de progressão (SLP) cuja publicação ocorreu no New England Journal of Medicine em janeiro de 2012. A SLP mediana foi de 18.5 meses no grupo teste e de 12.4 meses no grupo controle (HR = 0.62 P < 0.001). Em uma segunda análise interina, publicada no Lancet Oncology em 2013 confirmou-se o benefício em sobrevida global (SG) favorável ao duplo bloqueio. Adicionalmente, a análise se segurança não evidenciou aumento no perfil de cardiotoxicidade associada à adição de Pertuzumab. Em fevereiro de 2015, o New England Journal of Medicine publica os resultados após follow-up mediano de 50 meses. Na população ITT, a mediana de SG foi de 56.5 meses no grupo teste e 40.8 meses no grupo controle (HR = 0.68 P < 0.001). Prévio à progressão, foi permitido o cross over de 50 pacientes que optaram pelo uso de Pertuzumab. A análise de sensibilidade que excluiu as pacientes em cross over do grupo controle acentuou a diferença entre os braços para uma SG mediana de 56.5 meses no grupo com duplo bloqueio e 39.6 meses no grupo controle (HR = 0.55 P < 0.001). Embora os subgrupos fossem pré-definidos, a análise exploratória ficou fragilizada em seu poder estatístico. Em maio de 2019, foram apresentados no ASCO meeting em Chicago, os resultados do término do estudo CLEOPATRA após um follow-up mediano de 99 meses, mantendo-se o benefício tanto em SLP como em SG. A diferença na SG mediana favorável ao duplo bloqueio atingiu 16.3 meses. Houve dois eventos adversos cardíacos, ambos com resolução satisfatória no período de 34 dias, mantendo-se perfil de segurança.
Referências:
Baselga J, Cortés J, Kim SB, et al. Pertuzumab plus trastuzumab plus docetaxel for metastatic breast cancer, N Engl J Med366:109-19, 2012
Swain SM, Kim SB, Cortés J, et al. Pertuzumab, trastuzumab, and docetaxel for HER2-positive metastatic breast cancer (CLEOPATRA study): Overall survival results from a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 3 study. Lancet Oncol14:461-71, 2013
Sandra M. Swain, M.D., José Baselga, M.D., Sung-Bae Kim, et al: Pertuzumab, Trastuzumab, and Docetaxel in HER2-Positive Metastatic Breast Cancer, N Engl J Med372: 724 - 734, 2015
Sandra M. Swain, David Miles, Sung-Bae Kim, et al: End-of-study analysis from the phase III, randomized, double-blind, placebo-controlled CLEOPATRA study of first-line pertuzumab, trastuzumab, and docetaxel in patients with HER2-positive metastatic breast cancer, J Clin Oncol37, 2019 (abstract number 1020)
Sandra Swain, MD: VJoncology.com
Como já é sabido, estadiamento e características moleculares são importantes fatores prognósticos em diversas neoplasias, incluindo a de mama. Nesse sentido, o estudo CLEOPATRA abrange uma população de prognóstico reservado, abordando pacientes com câncer de mama metastático com mutação positiva para Her2. Torna-se mais interessante ao adicionar à terapia de Trastuzumab e Docetaxel o fármaco Pertuzumab, bloqueando mais abrangentemente a via do Her2. O resultado foi um aumento de 16 meses de sobrevida global, mesmo com a entrada de pacientes do grupo controle para o grupo intervenção após primeira análise. CLEOPATRA traz um resultado robusto para uma doença delicada.
O trabalho multidisciplinar entre oncologia, cirurgia, radiologia, patologia e cuidados paliativos é essencial para manter os mais altos padrões de tratamento para todos os pacientes com câncer de mama ao longo de sua jornada. O estudo CLEOPATRA mostra um resultado importante para o avanço no tratamento do câncer de mama, que já é bastante eficiente, tendo um índice de cura de 90%. O aumento de 16 meses de sobrevida global é sem dúvida um resultado a ser comemorado.
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