O Alasca pode ser mais agressivo
Fleck, JF & Souza, F: Conexão Anticâncer 26 (11), 2018
Dados da International Agency for Research on Cancer (IARC) apontam o câncer de próstata como a neoplasia maligna mais prevalente no homem. Este dado reflete sua alta incidência mundial (ASR = 29.3), associada a um menor índice de mortalidade (ASR = 7.6) causado pelo predomínio de um comportamento biológico indolente. Trata-se de um tumor da terceira idade, pois três quartos dos casos são diagnosticados acima dos 65 anos. A despeito do comportamento indolente, um expressivo número de pacientes abre o diagnóstico de câncer de próstata expressando comprometimento linfonodal (12%) ou doença metastática (5%), circunstância que lhe confere uma expectativa de sobrevida mediana em 5 anos de 30%.
Até recentemente, o tratamento do câncer de próstata metastático era exclusivamente sistêmico, composto primariamente por deprivação androgênica associada à quimioterapia com docetaxel. A radioterapia ficava reservada para eventual paliação de sintomas. Todavia, modelos experimentais suportavam um racional para o uso de irradiação dirigida ao tumor primário. Visando impactar em sobrevida global, foi desenhado o braço H do estudo multicêntrico britânico STAMPEDE. Um total de 2061 pacientes diagnosticados com carcinoma de próstata metastático foram distribuídos aleatoriamente para tratamento sistêmico exclusivo (grupo controle) ou tratamento sistêmico + radioterapia dirigida ao tumor primário (RT-TP). Foram utilizados dois programas de radioterapia: Frações semanais de 6 Gy / 6 semanas, totalizando 36 Gy ou 20 frações diárias de 2.75 Gy / 4 semanas, totalizando 55 Gy. Contrário a hipótese alternativa, a RT-TP não alterou a sobrevida global (HR 0.92 p=0.266). Todavia, em análise exploratória, foi possível identificar que o subgrupo de baixa carga metastática (< 4 metástases ósseas restritas ao esqueleto axilar e/ou comprometimento linfonodal), correspondente a 40% da amostra, apresentava benefício em sobrevida global com o uso de RT-TP (HR 0.68 p = 0.007). O benefício incluía ambos os programas de RT-TP, cuja baixa toxicidade aguda e tardia, permitiu estabelecer um novo standard de tratamento, restrito a este subgrupo específico. Persiste a dúvida sobre a dose de RT-TP utilizada, que fica bem aquém do programa com intensão curativa usualmente utilizado (60 Gy em 20 frações / 4 semanas). A decisão pelo uso de menor intensidade de dose foi arbitrária e sustentada na suposta melhor tolerância.
O STAMPEDE TRIAL segue na contramão da Stampede Trail, uma pequena rota localizada próxima ao Denali National Park no Alasca, imortalizada no filme Into the Wild com seu desfecho trágico relatado no artigo de Jon Krakauer intitulado Death of an Innocent. Nele o jovem aventureiro americano Christopher McCandless tentou sobreviver dentro do ônibus 142, isolado no Alasca durante o verão de 1992. Christopher morreu de inanição após quatro meses de isolamento. Ironicamente, no STAMPEDE TRIAL 81% dos pacientes com carcinoma de próstata e baixa carga metastática estavam vivos após três anos de acompanhamento.
ASR = Age Standardized Rate
Reference:
Christopher C Parker, Nicholas D James, Christopher D Brawley, et al: Radiotherapy to the primary tumour for newly diagnosed, metastatic prostate cancer (STAMPEDE): a randomized controlled phase 3 trial, Lancet, Oct 21st, 2018
O STAMPEDE TRIAL traz consigo um dos elementos essenciais para o manejo do Câncer de Próstata: uma atenção especial à doença metastática. Ao discutirmos sobre o prognóstico dos pacientes com Câncer de Próstata, as perspectivas de tratamento costumam ser animadoras, e a expectativa de sobrevida traz números superiores a maioria das outras neoplasias. No entanto, quando há presença de comprometimento linfondonal ou presença de metástases, a sobrevida declina substancialmente. Com os resultados positivos do estudo STAMPEDE, conseguimos vislumbrar um novo panorama no tratamento da doença metastática. Mesmo que a radioterapia dirigida ao tumor primário somada ao tratamento sistêmico não tenha alterado a sobrevida global em todos os grupos, o subgrupo de baixa carga metastática mostrou ter sido beneficiado nesse quesito, o que é um resultado muito expressivo, visto que esse subgrupo representa 40% da amostra total. Esse estudo é mais uma ponte para que, cada vez mais, cheguemos o mais perto possível de proporcionar mais tempo e qualidade de vida a nossos pacientes.
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