Progressos sustentados por uma história heroica
Souza, F & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 06(11), 2018
A IARC (International Agency for Cancer Research) acaba de lançar no GLOBOCAN (Global Cancer Observatory) a atualização para 2018 dos dados epidemiológicos internacionais, obtidos em informações provenientes de 185 países. A despeito da heterogeneidade nos registros populacionais, o uso de recursos de parametrização (ASR = Age Standardized Rate) permitiram identificar o câncer de mama como a neoplasia maligna líder em incidência (ASR = 46.3) e em mortalidade (ASR = 13,0) no mundo. Embora, ainda exista subnotificação, os dados brasileiros não diferem, significativamente, da estatística internacional, indicando em 2017 (INCA) uma incidência em números absolutos de 57000 casos. No Brasil, a classificação molecular do câncer de mama, também reproduz o perfil internacional com 70% dos casos classificados como luminal (A e B), 20% Her-2 positivos e 10% triplo negativos.
Na virada do século XXI, o Dr. Dennis Slamon inicia a era do tratamento oncológico customizado do câncer de mama, identificando o receptor Her-2 como alvo biológico para tratamento com um anticorpo monoclonal (trastuzumab). Na ocasião, o Dr. Slamon não tinha ideia da magnitude de seu trabalho, imortalizado no filme "Living Proof”. O uso de trastuzumab passou a impactar no tratamento paliativo e curativo do câncer de mama, repercutindo quantitativamente e qualitativamente na vida de milhares de mulheres. Mais recentemente, foi desenvolvido outro anticorpo monoclonal denominado pertuzumab. Este ao impedir a dimerização do receptor Her-2, interfere na transdução de sinal via PI3K e MAPK, promovendo efeito sinérgico com o trastuzumab no tratamento paliativo do câncer de mama Her-2 positivo, com impacto adicional em sobrevida livre de progressão. Em 2015, o New England Journal of Medicine publica a análise final do estudo “Clinical Evaluation of Pertuzumab and Trastuzumab” (CLEOPATRA) após um tempo de seguimento mediano de 50 meses. Nele foram recrutados 808 pacientes com carcinoma de mama Her-2 positivos irressecáveis, recidivados localmente ou metastáticos. As pacientes foram distribuídas aleatoriamente para um braço teste contendo a combinação pertuzumab+ trastuzumab+ docetaxel ou um braço controle composto pela combinação placebo+ trastuzumab+ docetaxel. Consistiu em um estudo ITT (intention-to-treat) de fase III cegado. O desfecho primário foi sobrevida global, sendo observado uma mediana de 56 meses no braço teste e de 40,8 meses no braço controle (HR 0.68 p < 0.001). Houve cross over em 48 pacientes do braço controle, o que fortaleceu a diferença. O aumento de 15,7 meses em sobrevida global sustenta um novo standard, no entanto permanecem indefinidos o espectro de potenciais fatores preditivos. A ciência continua fazendo história na busca pela cronificação do câncer de mama metastático com sofisticados tratamentos customizados.
Referência:
Sandra M. Swain, José Baselga, Sung-Bae Kim, et al: Pertuzumab, Trastuzumab, and Docetaxel in HER2-Positive Metastatic Breast Cancer, New Engl J Med 372: 724 – 734, 2015
É incrível estudar o artigo original do Dr. Slamon, de 1987, em que este descrevia a identificação de um protoncogene que até então serviria apenas como teste preditivo para a evolução tumoral, ou seja, teria somente valor prognóstico, e então observar como, com o passar do tempo e aprofundamento dos estudos, o conhecimento acerca do HER-2 e das consequências de sua amplificação e sobrexpressão possibilitaram o desenvolvimento de novas terapias, como os anticorpos monoclonais trastuzumab e pertuzumab, como o Dr. Slamon já havia previsto: “if HER-2/neu gene product functions as a growth factor receptor that plays a role in pathogenesis of breast cancer, identification of its ligand and development of specific antagonists could have important therapeutic implications”.
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