Um tributo histórico ao solo mágico da Ilha da Pascoa (Rapa Nui)
Basso, J & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 26(02), 2018
Em janeiro de 1965, amostras de solo obtidas na Ilha da Páscoa (Rapa Nui) conduziram a identificação da rapamicina (sirolimus), o que inaugurou uma nova era no tratamento imunossupressor de pacientes submetidos a transplantes de órgãos. O everolimus é um derivado da rapamicina e compartilha seu mecanismo de ação ao inibir m-TOR (mammalian target of rapamycin), conduzindo ao bloqueio da cadeia de transdução de sinal e impedindo a progressão das células tumorais da fase G1 para a fase S, induzindo apoptose. Adicionalmente, o everolimus reduz a angiogênese e a captação de glicose. Ao contrário da rapamicina, o everolimus liga-se, especificamente, a proteína m-TORC1. Sua ação independente de m-TORC2 configura menor índice de efeitos adversos, quando comparado aqueles observados com a rapamicina.
Na pós-menopausa, a expressão de câncer de mama RE+ é bastante frequente. Estas pacientes respondem bem aos inibidores da aromatase (letrozol e anastrazol), porém a resistência primária ou adquirida, eventualmente, irá ocorrer. Embora, neste cenário existam opções de tratamento, há importante espaço para investigação de novas drogas e/ou combinações. Recentemente, foi observado um novo mecanismo de resistência endócrina relacionado com uma interface nas cadeias de transdução de sinal mediadas por RE e m-TOR. O complexo m-TORC1 promove fosforilação do domínio-1 do RE, o que é responsável por sua ativação-independente do ligante estrogênico. Esta constatação conduziu a hipótese de um potencial benefício obtido com a associação de everolimus + exemestano no tratamento de pacientes pós-menopausa RE+ resistentes a primeira linha de intervenção hormonal. O everolimus agindo por uma ligação alostérica ao complexo m-TORC1, bloquearia a ativação-independente de ligante do RE e teria sua ação potencializada pelo exemestano, que por ser um inibidor esteroide irreversível da aromatase, iria promover redução adicional de estrógeno circulante.
Em fevereiro de 2012 o New England Journal of Medicine publica os resultados de um estudo prospectivo aleatório de fase III (BOLERO-2 TRIAL), comparando everolimus + exemestano versus exemestano + placebo em pacientes com câncer de mama RE+ refratárias a primeira linha de tratamento hormonal. O desfecho primário foi a sobrevida livre de progressão (SLP). Na revisão conduzida pelo investigador a SLP mediana foi de 7,8 meses no grupo teste versus 3,2 meses no grupo placebo (HR=0,45, p<0,001). A análise de sobrevida global (SG) não demonstrou ganho significativo com SG mediana de 31 meses versus 26 meses, respectivamente nos grupos teste e controle (HR=0,89 P 0.14). O grupo com everolimus apresentou mais efeitos adversos (55% de eventos grau 3/4 no grupo teste versus 29% no grupo placebo). Ocorreram oito mortes no grupo com everolimus versus uma morte no grupo placebo, todas relacionadas a efeitos adversos. Embora o BOLERO-2 esteja sustentado em uma racionalidade elegante, a toxicidade parece ser um fator muito limitante.
Neste mesmo cenário, o New England Journal of Medicine publica em julho de 2015 o PALOMA TRIAL. Trata-se de uma outra opção terapêutica associada as ciclinas tipo D que ao ativarem CDK4 e CDK6 (respectivamente, Cyclin-dependent kinases 4 e 6) promovem o ingresso das células tumorais no ciclo proliferativo mediante fosforilação RB1 (proteína do retinoblastoma). O palbociclib é uma droga com biodisponibilidade oral que ao inibir CDK4 e CDK6 impede a fosforilação RB1, bloqueando a proliferação celular. O fulvestranto é um SARD (selective androgen receptor degrader) que ao ligar-se ao RE promove mudança estrutural e consequente degradação do receptor. A associação de palbociclib + fulvestranto também tem se mostrada sinérgica no tratamento de pacientes com carcinoma de mama RE+ refratárias a primeira linha de intervenção hormonal e com um perfil de toxicidade mais aceitável.
Embora o BOLERO-2 esteja sustentado em uma racionalidade elegante, a toxicidade parece ser um fator muito limitante. Mas, assim é a Medicina que mesmo seduzida pela estética do conhecimento, rende-se as evidências traduzidas no benefício auferido por nossos pacientes.
Referências:
Bacelga, J; Campone, M; Piccard, M; et al: Everolimus in Postmenopausal Hormone- Receptor–Positive Advanced Breast Cancer. N Engl j Med 366, February 9, 2012
Piccart, M et al: Everolimus plus exemestane for hormone- receptor-positive, human epidermal growth factor receptor-2-negative advanced breast cancer: overall survival results from BOLERO-2. Annals of Oncology 25: 2357–2362, 2014
The Cancer Genome Atlas Network: Comprehensive molecular portraits of human breast tumors. Nature, 4 October 2012
Turner, NC; Ro, J; Andre, F et al.: Palbociclib in Hormone-Receptor–Positive Advanced Breast Cancer. N Engl J Med 2015; 373:209-219
Neste resumo, falamos de câncer de mama pós-menopausa. De acordo com o INCA, foram 59.700 novos casos de câncer de mama em 2018, dos quais as mulheres pós-menopausa representam 70% dos casos. Estudos como os citados são fundamentais, uma vez que buscam uma forma de tratamento mais eficaz para uma doença tão prevalente. Falamos de dois estudos: o BOLERO-2 e o PALOMA. Ambos mostram bons resultados de sobrevida livre de progressão (SLP), porém o primeiro mostra que a sobrevida global, ou seja, quando falamos de tempo de vida absoluto, não há diferença. Na leitura crítica do estudo PALOMA, não se cita diretamente sobrevida global, porém há uma preocupação com a qualidade de vida - avaliada pelo questionário padronizado QLQ-C30 em ambos os grupos - e mostra uma melhora tanto física quanto psicológica dos pacientes em uso de palbociclibe em associação com fulvestrant. É necessária ainda maiores evidências, porém essas nos mostram que esse tratamento pode ser uma opção para pacientes resistentes a inibidores da aromatase.
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