Tratamento ótimo para o câncer de testículo estádio I

A fork in the road

Fleck, JF & Cardoso, P: Conexão Anticâncer 11(02), 2019

O câncer de testículo é o tumor sólido mais frequente no homem jovem. O alto índice de curabilidade é responsável por cerca de 300,000 sobreviventes no mundo. O mérito é sustentado pelo trabalho visionário de Lawrence Einhorn da Indiana University (IU). Foram 40 anos dedicados ao desenvolvimento continuado de um modelo experimental bem-sucedido visando a cura de um tumor sólido agressivo. Larry, dotado de extraordinária inteligência e sensibilidade, completou seu fellowship em clinical oncology no MD Anderson Cancer Center no início da década de 70. Na ocasião, sentia-se inconformado com o baixo índice de curabilidade do tumor de testículo, o qual ficava restrito aos pacientes com diagnóstico precoce. Em 1973, Larry juntou esforços com John Donohue, cuja habilidade cirúrgica curava 20% dos pacientes com extensão do tumor de testículo para os linfonodos retroperitoneais. Larry desenvolveu a combinação de cisplatina + vimblastina + bleomicina (PVB) e passou a resgatar pacientes com doença metastática e/ou progressiva. Seu modelo foi adicionalmente aperfeiçoado pela combinação de cisplatina + etoposide + bleomicina (BEP), promovendo redução de toxicidade e atingindo o desejado índice geral de 95% de curabilidade. Na doença avançada, o tratamento dos tumores de células germinativas (TCG) passou a ser sustentado em 9 a 12 semanas de quimioterapia com BEP, baseado em critérios de risco. Para pacientes com baixo-risco, 3 ciclos de BEP conduziram a índices de curabilidade acima de 90%. Nos pacientes com risco-intermediário e alto-risco, os respectivos índices de cura de 80% e 50%, ainda sustentam investigação adicional.

Os ganhos prognósticos obtidos com a quimioterapia (BEP) na doença avançada, vem sendo extrapolados para a doença limitada ao testículo (estádio I) em sua expressão morfológica não-seminomatosa (NS). Aproximadamente, 75% destes pacientes são curados exclusivamente com orquiectomia inguinal. Os 25% restantes são curados na sua quase totalidade (99%) com tratamento de resgate, todavia agregando toxicidade. A identificação de risco permitiu antecipar o tratamento curativo com redução da toxicidade. Os principais fatores de risco para recidiva de TCG-NS estádio I são a invasão linfovascular, a identificação de carcinoma embrionário e a presença de tumor T3/T4. A presença de qualquer um destes indicadores prognósticos aumenta o risco de recidiva para aproximadamente 50%. Não existe uma recomendação standard para esta situação, dando margem a decisão compartilhada (a fork in the road). A vigilância ativa é dependente da acessibilidade ao sistema de saúde e aderência do paciente ao critério de acompanhamento proposto. Outra alternativa é a cirurgia de dissecção linfática do retroperitônio (DLRP) com preservação neural proposta por Donohue, cuja complexidade técnica dificulta sua replicação na maior parte dos centros internacionais. A terceira alternativa consiste na administração de apenas um ciclo de BEP, cuja eficiência e segurança já são de domínio planetário. 

Um elegante estudo, publicado no Journal of Clinical Oncology em 2008, recrutou pacientes com TCG-NS estádio I em 61 centros alemães. Um total de 382 pacientes tratados com orquiectomia foram distribuídos aleatoriamente para DLRP ou um curso de quimioterapia com BEP. Após seguimento mediano de 4,7 anos, foram relatadas duas recidivas no braço de pacientes tratados com um ciclo de BEP adjuvante versus 13 recidivas no braço da DLRP (HR 7,937 P = 0.0033). A dificuldade em reproduzir a técnica de Donohue foi o principal fator limitante para a DLRP e a incorporação de um ciclo de BEP expõe 50% da população a um tratamento desnecessário. Embora um NNT=2 seja considerado muito favorável, seguimento de mais longo prazo deverá afastar toxicidade tardia associada a um ciclo adjuvante de BEP. O modelo de investigação com intensão curativa consagrado nos trabalhos do Dr. Einhorn propunha a melhora do desfecho seguida de redução na toxicidade.

 

Referência:

Peter Albers, Roswitha Siener, Susanne Krege, et al: Randomized Phase III Trial Comparing Retroperitoneal Lymph Node Dissection with One Course of Bleomycin and Etoposide Plus Cisplatin Chemotherapy in the Adjuvant Treatment of Clinical Stage I Nonseminomatous Testicular Germ Cell Tumors: AUO Trial AH 01/94 by the German Testicular Cancer Study Group, J Clin Oncol26: 2966 – 2972, 2008