PROCLAIM Trial o exercício da não-futilidade
Fleck, JF: Conexão Anticâncer 07(05), 2019
No mundo, o carcinoma brônquico não de pequenas células (CBNPC) engloba 85% da expressão histopatológica do câncer de pulmão. Infelizmente, seu índice de curabilidade geral ainda é baixo, variando entre 15 a 20%. Por ocasião do diagnóstico, cerca de metade dos pacientes já apresentam doença metastática (M1) e aproximadamente um quarto dos casos encontram-se em situação de doença localmente avançada e irressecável (DLA-I), distribuída nos estádios IIIA e IIIB. A condição de DLA-I é tratada de forma standard com a combinação de radioterapia (60 a 66 Gy) concomitante com quimioterapia (cisplatina + etoposide ou carboplatina + paclitaxel), historicamente, seguida de consolidação com quimioterapia baseada em platina. Embora o tratamento da DLA-I tenha intenção curativa, 50% dos pacientes tratados evoluem para doença metastática (M1) e cerca de 40% apresentam recidiva local. A alta taxa de disseminação sistêmica aponta para a ineficiência da quimioterapia e o alto índice de recidiva local fragiliza o seu efeito radiossensibilizante. O rendimento desta abordagem terapêutica está estagnado há pelo menos vinte anos. Uma expectativa inicialmente promissora de melhora de desfecho observada em estudo de fase II com uso de docetaxel na consolidação, não foi confirmada em fase III e metanálise. Havia a necessidade de evoluir no conhecimento da expressão fenotípica molecular do câncer de pulmão. O modelo experimental concentrou-se na histologia dominante (adenocarcinoma), que trouxe consigo o carcinoma de grandes células por sua indefinição na histogênese. Estas histologias, no cenário da doença metastática, apresentaram melhor desfecho ao serem tratadas com quatro ciclos da associação de um antifolato (pemetrexede) à cisplatina. A sobrevida global, adicionalmente, aumentou com pemetrexede usado como tratamento de manutenção. Abriu-se uma pequena expectativa de melhora no controle sistêmico da doença, gerando a hipótese alternativa de transferência de ganho para o cenário da DLA-I.
Um estudo de fase III, conhecido pelo acrônimo PROCLAIM distribuiu, aleatoriamente, pacientes com adenocarcinoma ou carcinoma de grandes células para dois braços: Um braço teste composto por (pemetrexede + cisplatina + radioterapia concomitante), seguido de pemetrexede em manutenção versus um braço controle composto por (etoposide + cisplatina + radioterapia concomitante), seguido de consolidação sem pemetrexede. Os efeitos radiossensibilizantes da combinação pemetrexede + cisplatina já eram conhecidos e bem tolerados. O estudo foi desenhado para mostrar a superioridade do braço teste, apoiada no racional de sucesso obtido na doença metastática. Adicionalmente, diminuiu-se o risco de subestadiamento de doença metastática (M1 oculto) pelo uso de PET-CT em mais de 80% dos pacientes tratados, o que elevou a sobrevida mediana em ambos os braços do estudo. Todavia, o estudo foi negativo. Na análise de subgrupos, apenas pacientes de pior prognóstico caracterizados pelo estádio IIIB e alto volume no planejamento terapêutico da radioterapia (>700 mL) apresentaram benefício de uso combinado com pemetrexede. O estudo sofreu interrupção precoce, baseado na não-futilidade, o que impediu a obtenção de resultados maduros. A recente incorporação da consolidação com imunoterapia (durvalumab) no tratamento do CBNPC com DLA-I pode tornar os dados do estudo PROCLAIM obsoletos. Os desfechos ainda são substitutivos, sendo muito precoce a proclamação da vitória.
Referências:
Suresh Senan, Anthony Brade, Lu-hua Wang, et al: PROCLAIM: Randomized Phase III Trial of Pemetrexed- Cisplatin or Etoposide-Cisplatin Plus Thoracic Radiation Therapy Followed by Consolidation Chemotherapy in Locally Advanced Nonsquamous Non–Small-Cell Lung Cancer, J Clin Oncol34, Jan 2016
O câncer de pulmão de não pequenas células (CPNPC) representa 80-85% dos cânceres de pulmão no mundo. Dada a sua importância é fundamental encontrar um meio de tratá-lo que ofereça um aumento de sobrevida aos pacientes. O artigo é importante por dois motivos: 1) não achou superioridade em termos de sobrevida geral do tratamento novo em relação ao padrão e 2) foi interrompido precocemente para não submeter os pacientes a possíveis danos desnecessários, sendo eticamente respeitável por isso. Novos fármacos, como os imunobiológicos, estão surgindo com a esperança de aumentar a sobrevida e a qualidade de vida desses pacientes. Esse é o futuro que queremos.
O fato de o carcinoma brônquico não de pequenas células ser, frequentemente, diagnosticado em estágios avançados, dificulta seu tratamento. O estudo trata exatamente dessa realidade ao ter em seus grupos pacientes com doença em estágio IIIA e IIIB. Como não demonstrou benefício em seu desfecho primário, que era sobrevida global, foi interrompido por futilidade após análise interina. Apesar do resultado ser desanimador, outras possibilidades surgem com o uso da imunoterapia para o tratamento neoplasias.
Devido a grande relevância clínica do tema câncer de pulmão, e dos constantes pontos de parada encontrados nas evoluções dos pacientes, é de extrema importância o desenvolvimento de estudos na área, como o PROCLAIM. Acima de tudo, é de mais alta relevância entender as falhas e aceitá-las, como realizado pelos autores, pois, num mundo onde interesses econômicos, muitas vezes, são postos a frente de vidas, o reconhecimento do fracasso é um grande passo para o desenvolvimento de uma ciência estruturada e consciente. Criticar os autores pela ideia não deve ser estimulado, pois, talvez, a grande epifania da percepção da falha exija mais coragem e fibra do que o impulso inicial do início da jornada. Além do mais, um estudo que demonstre piora de um tratamento (mesmo que este seja a intervenção), também deve ser valorizado, pois promove, por meios desagradáveis, um saber de necessidade e de relevância na sua área. Sinteticamente, observa-se, também, outra parte fundamental da falha: permitir uma retomada consciente ao nível anterior, proporcionando, assim, uma nova alternativa de se tomar um norte quanto aos objetivos, procurando outros caminhos (como no caso, da Imunoterapia), de modo a construir firmes e consolidadas evidências clínicas de benefício ao pacientes.
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