Histórico e importância crescente da classificação molecular
Fleck, JF: Conexão Anticâncer 10 (09), 2019
O uso de drogas com mecanismos de ação complementares tem sido responsável por um histórico favorável de progressivo aumento da sobrevida mediana no câncer colorretal metastático (CCRm) e irressecável. Fluoropirimidinas (FP), inibindo a enzima timidilato sintase (TS), têm sido usadas há cerca de 40 anos. Avanços na modulação com ácido folínico (AF) permitiram a formação de um complexo ternário, prolongando a inibição da enzima TS e proporcionando ganho histórico no percentual de sobrevida mediana em 12 meses (FP = 37% versus FP + AF = 47%). Estudos farmacocinéticos revelaram benefício em sobrevida mediana com o uso infusional da combinação FP + AF (15.5 meses) versus seu uso em administração bolus (14.25 meses). O uso de capecitabina, uma fluoropirimidina oral, mostrou menor toxicidade e resultado em sobrevida mediana muito semelhante (13.3 meses), passando a representar uma alternativa terapêutica para pacientes idosos ou com baixo performance. O acréscimo de uma terceira droga (irinotecan ou oxaliplatina) ao dublet FP + AF promoveu ganho adicional em percentual de resposta objetiva e sobrevida livre de progressão. A sobrevida mediana com a adição de oxaliplatina (FOLFOX) atingiu 16.2 meses e chegou a 17.4 meses quando a droga associada ao dublet foi o irinotecan (FOLFIRI). Em estudos de comparação direta entre FOLFOX e FOLFIRI com crossing-over na progressão, houve equivalência em sobrevida mediana (respectivamente 20.6 versus 21.5 meses). O acréscimo de bevacizumab (um anticorpo monoclonal humanizado anti-VEGF) ao tratamento de primeira linha do CCRm tem produzido discutível melhora em desfecho, parcialmente neutralizada por complicações incluindo hipertensão arterial, sangramento, perfuração intestinal e tromboembolismo. Todavia, uma recente releitura do estudo multicêntrico italiano (TRIBE2) apresentada no ASCO meeting de 2019 mostra um benefício no uso upfront em primeira linha das cinco drogas (FOLFOXIRI + bevacizumab), atingindo uma sobrevida mediana de 27.6 meses.
Os desfechos descritos no histórico de tratamento do CCRm são sustentados em populações heterogêneas. Mais recentemente, diversos fatores prognósticos e preditivos passaram a direcionar o planejamento terapêutico do CCRm. Análises exploratórias do estudo TRIBE mostram a importância das mutações RAS e BRAF. Em pacientes com CCRm tratados com FOLFOXIRI + bevacizumab a sobrevida mediana foi de 37.1 meses na expressão fenotípica RAS wild-type + BRAF wild-type, 25.6 meses em pacientes com expressão de mutação RAS e de 13.4 meses para pacientes com mutação BRAF. Inibidores de EGFR (cetuximab e panitumumab) tem seu benefício terapêutico restrito a pacientes RAS wild-type. Mutações presentes em genes de DNA-mismatch repair (MMR) estão presentes em 15 a 20% do câncer de cólon esporádico. A assinatura genética de tumores com deficiência em MMR (dMMR) é caracterizada por um elevado número de erros de replicação no DNA (RER+) e alto nível de instabilidade de microssatélites (MSI). No CCRm a expressão de dMMR orienta o uso de bloqueadores de checkpoint imunológicos. Outra variável molecular é expressa no estudo BEACON, desenhado para avaliar o tratamento de CCRm ao expressar mutação BRAF V600E. O estudo teve sua análise preliminar de segurança recentemente publicada no Journal of Clinical Oncology. A mutação BRAF V600E costuma ser mutuamente exclusiva em relação a mutação RAS e é um marcador de mau prognóstico. O BEACON é um estudo prospectivo, aleatório de fase III. Pacientes com CCRm com mutação BRAF V600E e que sofreram progressão após uma ou duas linhas de tratamento prévio são avaliados para tratamento tríplice com encorafenib (inibidor BRAF) + cetuximab com ou sem binimetinib (inibidor MEK). A complexidade na orientação de decisões terapêuticas para o CCRm é maximizada por diferenças no desenvolvimento embrionário, microambiente celular e potencial imunogênico que conferem pior prognóstico para o CCRm originado no cólon direito.
EGFR = Epidermal Growth Factor Receptor
Referências:
Cremolini C, Antoniotti C, Lonardi S, et al. Updated results of TRIBE2, a phase III, randomized strategy study by GONO in the first- and second-line treatment of unresectable mCRC. J Clin Oncol37, abs 3508, 2019
Eric Van Cutsem, Sanne Huijberts, Axel Grothey, et al: Binimetinib, Encorafenib, and Cetuximab Triplet Therapy for Patients with BRAF V600E–Mutant Metastatic Colorectal Cancer: Safety Lead-In Results from the Phase III BEACON Colorectal Cancer Study, J Clin Oncol37: 1460 – 1469, 2019
O CCRm certamente está inserido em um contexto mais otimista com desenvolvimento de drogas modernas, especialmente considerando o fato de os estudos citados se basearem em populações heterogêneas, o que traz validade externa aos estudos relacionados e universaliza essas perspectivas. Além disso, o futuro dessa terapêutica deve estar centrada no desenvolvimento da biologia molecular e as informações supracitadas permanecerão pertinentes por muito tempo.
O advento da análise genética das mutações dos tipos distintos de neoplasias vem permitindo o desenvolvimento de terapias curativas específicas para cada tipo de alteração de conformação gênica. Essa evolução da ciência médica, muito bem exemplificada pelos tratamentos com FOLFOXIRI + bevacizumab - em pacientes com expressão fenotípica RAS wild-type + BRAF wild-type - que levam a até 37.1 meses de sobrevida, melhoram a capacidade dos médicos em dar maior expectativa de vida, além de prognósticos mais acurados e personalizados aos seus pacientes. Dessa forma, os estudos em análise neste editoral são de grande relevância para a comunidade.
A classificação molecular dos cânceres no geral, e especialmente no câncer de colorretal metastático, tem sido uma grande revolução no meio da Oncologia - e vários outros com os quais mantém interdisciplinaridade. Mesmo ainda se tratando da "velha" medicina baseada em evidências, cada vez mais está se tornando possível pegar essas informações obtidas através de grandes estudos populacionais para, a partir disso, elaborar uma medicina personalizada para o manejo dos pacientes, reconhecendo a singularidade de cada indivíduo, evoluindo-se, assim, muito na eficácia dos tratamentos.
O câncer colorretal metastático (CCm) assim como o câncer de mama vem trazendo novas perspectivas em relação ao conhecimento de sua fisiopatologia para melhorarmos o tratamento cada vez mais causando o menor dano possível. Terapias-alvo como FOLFOXIRI + bevacizumab - em pacientes com expressão fenotípica RAS wild-type + BRAF wild-type são mais efetivas e menos danosas. Também temos que prezar pela qualidade de vida além da sobrevida. Sendo assim, o texto traz à luz um um assunto capaz de despertar um debate tão importante na oncologia e quiçá em toda medicina.
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