Tratamento do carcinoma do colo uterino localmente avançado

Melhora de desfecho com a combinação estratégica de velhas armas

Gössling, G & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 20(08), 2017

Na mulher brasileira, o câncer de colo uterino é o terceiro em incidência e o quarto em mortalidade. Sua associação ao HPV tem promovido interferência preventiva e detecção precoce. Todavia, muitas pacientes ainda são diagnosticadas em fase localmente avançada, caracterizada por extensão tumoral para os 2/3 superiores da vagina (estádio II), terço inferior da vagina, parede pélvica com ou sem obstrução ureteral (estádio III) e invasão da bexiga e/ou reto (estádio IVA). Na doença localmente avançada (DLA), a cirurgia exclusiva é insuficiente pois convive com inaceitáveis índices de recidiva local e mortalidade. Estudos meta-analíticos têm revelado benefício no uso de tratamento combinado primário com quimioterapia + radioterapia (RT). A droga de escolha costuma ser a cisplatina em periodicidade semanal na dose de 40 mg/m2, durante todo o curso de RT. Embora algumas vezes negligenciada, a braquiterapia (BT) deve fazer parte do tratamento da DLA, pois propicia a integralização da dose ideal de RT sem grande toxicidade adicional.  Estudos históricos têm explorado a adição de uma segunda droga (fluorouracil ou gemcitabina) ao tratamento primário radio-sensibilizante, visando resposta patológica completa. Outro questionamento é o papel do tratamento adjuvante. Um estudo publicado no Journal of Clinical Oncology em maio de 2011 incluiu 515 pacientes com DLA para tratamento com RT externa (50.4 Gy / 28 frações) + BT ( 30 a 35 Gy / 96 h) combinadas no braço controle com cisplatina em monoterapia radiossensibilizante e combinadas no braço teste com duplo esquema de radiossensibilização (cisplatina + gemcitabina) seguido de dois ciclos de tratamento adjuvante com as mesmas drogas em doses escalonadas. Observou-se um aumento na sobrevida livre de progressão em três anos de acompanhamento (74.4% no braço teste versus 65% no braço controle, P = 0.029), bem como aumento na sobrevida global (HR 0.68; 95%CI, 0.49 - 0.95, P =0 .022). Contudo, este benefício veio com um custo elevado, pois houve duas mortes relacionáveis ao tratamento no grupo experimental. Adicionalmente, toxicidades de grau 3 ou 4 também foram mais frequentes no grupo teste (86.5% v 46.3%). O estudo apresenta limitações como tempo de seguimento imaturo na publicação e a heterogeneidade na população de pacientes que têm expectativa de sobrevida mediana variável em 5 anos de 58% no estádio IIB a 16% no estádio IVA. Também se tornou muito difícil ou até impossível determinar qual das duas interferências adotadas no braço teste foi responsável pela melhora nos desfechos (uso adicional de gemcitabina no tratamento primário radiossensibilizante ou o acréscimo de dois ciclos de quimioterapia adjuvante). Outro aspecto relevante não contemplado no estudo é a indicação da irradiação estendida para-aórtica em pacientes com evidência de comprometimento por imagem (TC ou PET-TC). Mesmo utilizando-se recursos de IMRT (intensity-modulated radiation therapy) existe aumento da toxicidade ao estender o campo de RT externa até T12/L1, especialmente na combinação com drogas radiossensibilizantes. É sem dúvida um exercício de “coração valente”.


Referência:

Alfonso Duenas-González, Juan J. Zarbá, Firuza Patel, et al: Phase III, Open-Label, Randomized Study Comparing Concurrent Gemcitabine Plus Cisplatin and Radiation Followed by Adjuvant Gemcitabine and Cisplatin Versus Concurrent Cisplatin and Radiation in Patients with Stage IIB to IVA Carcinoma of the Cervix, J. Clin Oncol 29: 1678 – 1685, 2011