Tratamento de primeira linha no câncer de rim metastático

Rápida metamorfose terapêutica

Fleck, JF & Albaneze, L: Conexão Anticâncer 25(03), 2019

 O carcinoma renal de células claras representa a histologia dominante, ocorrendo em 70% dos casos. Trata-se de um tumor pouco sintomático, o que conduz a um alto índice (30%) de doença avançada por ocasião do diagnóstico, limitando a expectativa de ressecção com intenção curativa. Destes, cerca de 50% já apresentam metástases. A história das interferências terapêuticas sobre o carcinoma de células renais metastático (CCRm) tem revelado baixa sensibilidade à radioterapia e/ou quimioterapia citotóxica. Paralelamente, tem sido descrito como um tumor imunogênico. O Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER) norte-americano, atualizado em 2017, mostrou uma sobrevida em 5 anos de 12% na doença metastática. Na virada do século, os estudos com imunoterapia celular adotiva, incluindo o uso de interleucina-2 interferon-alfa produziram algumas respostas completas duradouras na doença disseminada, gerando uma expectativa de melhora no plateau de sobrevida. Todavia, a metanálise dos estudos com follow-up prolongado revelou resultados contraditórios. 

Mais recentemente, duas interferências terapêuticas têm dominado o cenário no manejo do CCRm: A inibição da cadeia de transdução de sinal associada ao fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) e a inibição de checkpoints imunológicos. Houve dois marcos históricos importantes. O primeiro, liderado por Motzer do Sloan Kettering Cancer Center, NY mostrando que pacientes tratados com sunitinib apresentavam maior índice de resposta objetiva e sobrevida livre de progressão ao serem comparados com pacientes tratados com interferon-alfa. A despeito de desfechos substitutivos, em 2007 o FDA aprovou o sunitinib como standard no tratamento de primeira linha do CCRm. Estudos posteriores com sunitinib revelaram um potencial efeito sobre a histologia não-células claras e a possibilidade de uso intermitente. Em 2015, observou-se nova escalada da imunoterapia. Nivolumab mostrou-se superior ao everolimus no tratamento de segunda linha do CCRm. Em 2018, o bloqueio duplo de checkpoints imunológicos (anti-PD1 e anti-CTLA-4), respectivamente com nivolumab + ipilimumab revelou-se mais eficaz do que sunitinib, tornando-se o novo standard de tratamento do CCRm em primeira linha. Em 2019, surgem estudos exploratórios sobre o potencial benefício da associação de um inibidor VEGF mais potente, de segunda geração (axitinib) com inibidores de checkpoints imunológicos (anti-PD1) no tratamento de primeira linha do CCRm. O axitinib foi conduzido para o cenário de primeira-linha terapêutica do CCRm por ter-se mostrado superior ao sorafenib.Todavia, tanto em segunda-linha como em primeira linha a vantagem do axitinib sobre o sorafenib baseou-se em desfechos substitutivos, não tendo ocorrido melhora na sobrevida global. Adicionalmente, o axitinib mostrou-se mais tóxico. A despeito destas limitações, a droga foi incorporada no braço teste nos dois mais recentes trials que avaliaram sua associação com imunoterapia (bloqueio anti-PD1). No KEYNOTE-426 o braço teste foi composto por axitinib + pembrolizumab, enquanto no estudo novamente liderado por Motzer do Sloan Kettering Cancer Center, NY o braço teste foi composto pela associação axitinib + avelumab. Em ambos os trials o braço controle consistiu em sunitinib. Em ambos os trials a maioria dos pacientes eram PD-L1 positivos (acima de 60%). Em ambos os trials predominaram pacientes com risco prognóstico IMDC intermediário ou pobre (68,8% no KEYNOTE-426 e cerca de 80% no estudo de Motzer). Ambos foram consistentes em demonstrar aumento significativo em sobrevida livre de progressão favorável ao braço de tratamento combinado. No KEYNOTE-426 houve uma redução de 47% no risco de morte favorável ao braço teste (HR = 0.53) com uma sobrevida mediana ainda não alcançada em ambos os braços do estudo.

O século XXI tem testemunhado uma rápida metamorfose no tratamento do CCRm. Seu caráter imunogênico tem sido responsável por interferências com imunoterapia adotiva e mais recentemente inibidores de checkpoints imunológicos. Bloqueios nas rotas de transdução de sinal associadas a VEGF paralelamente compõem o cenário terapêutico. Para um tumor com poucas possibilidades de tratamento sistêmico na virada do século, o surgimento de duas linhas promissoras de investigação gerou entusiasmo, mas também ambivalência. Os estudos mais recentes tentam combinar as duas linhas, porém com limitações metodológicas históricas na avaliação de potencial sinergia. Adicionalmente, a velocidade na aquisição do conhecimento dificultou a identificação do braço standard de tratamento. Apesar das publicações estarem sendo aceleradas às custas de análises interinas e desfechos substitutivos, no momento da divulgação dos resultados o braço controle dos estudos já não é mais o vigente. A manutenção do controle histórico também conduz a uma desigualdade entre os braços nos dois estudos mais recentes, pois o axitinib aparece no braço teste e o sunitinib aparece no braço controle. O próprio perfil de elegibilidade é heterogêneo, pois incluem um expressivo percentual de pacientes com risco prognóstico IMDC favorável, variando nos dois estudos de 21.4 a 31.2%. Considerando que o objetivo das intervenções em CCRm é um desnivelamento ascensor no plateau de sobrevida global, os estudos mostram-se, ainda, imaturos e voo da borboleta pode continuar sendo curto.

 

 

Referências:

Motzer RJ, Hutson TE, Tomczak P, et al: Sunitinib versus interferon alfa in metastatic renal-cell carcinoma, N Engl J Med356:115-24, 2007

Motzer RJ, Penkov K, Haanen J, et al: Avelumab plus axitinib versus sunitinib for advanced renal-cell carcinoma, N Engl J MedDOI: 10.1056/NEJMoa1816047, 2019

Rini BI, Plimack ER, Stus V, et al:  Pembrolizumab plus axitinib versus sunitinib for advanced renal-cell carcinoma, N Engl J MedDOI: 10.1056/NEJMoa1816714, 2019

Bernard Escudier:Combination Therapy as First-Line Treatment in Metastatic Renal-Cell Carcinoma, N Engl J MedDOI: 10.1056/NEJMe1900887 Editorial, 2019