Tratamento combinado do cancer de esôfago

Fundamentos históricos ainda vigentes sustentam a prática clínica    


Gössling, GCL &  Fleck, JF: Conexão Anticâncer 05(03), 2018

Duas variantes histológicas distintas convivem no diagnóstico de câncer de esôfago: o carcinoma epidermóide e o adenocarcinoma. Precedendo a virada para o século XXI, o adenocarcinoma de esôfago surpreendeu a epidemiologia norte-americana ao apresentar um aumento de incidência que superou todas as demais neoplasias malignas. Desafortunadamente, esta constatação vinha acompanhada de um prognóstico muito desfavorável. Havia um comportamento biológico agressivo locoregional com rápida progressão axial no órgão e precoce disseminação linfonodal. Dados históricos mostram que por ocasião da cirurgia 85 a 95% dos pacientes tinham comprometimento linfonodal e menos de 10% atingiam uma sobrevida de 5 anos. Adicionalmente, os resultados com radioterapia exclusiva mostravam-se igualmente frustrantes, com sobrevida em 5 anos na casa dos 6%. O uso de quimioterapia neoadjuvante convivia com um baixo percentual de respostas histológicas completas e cirurgias mais radicais eram marcadas por índices de mortalidade inaceitáveis.

Em 1985 diversos estudos clínicos de fase II orientavam para um potencial benefício clínico de tratamentos combinados. Um estudo prospectivo aleatório de fase III (RTOG 85-01), posteriormente convertido em um Intergroup Trial já demostrava em análise interina publicada em 1990, um benefício em aumento de sobrevida mediana do carcinoma de esôfago obtido com o tratamento combinado (quimioterapia + radioterapia) versus radioterapia exclusiva. Posteriormente, resultados maduros com acompanhamento prolongado foram publicados na revista JAMA, revelando que 26% dos pacientes em tratamento combinado estavam vivos após 5 anos, enquanto nenhum paciente submetido ao tratamento radioterápico exclusivo havia sobrevivido além do terceiro ano. Houve um inquestionável benefício estatístico (P < 0.001) ratificando os dados da análise interina prévia. Contudo, a estratégia combinada não foi isenta de riscos. O tratamento combinado esteve associado a 8% de eventos agudos ameaçadores à vida, bem como 2% de mortes presumivelmente relacionadas ao tratamento. Já a radioterapia exclusiva não apresentou mortes que pudessem ser atribuíveis ao tratamento e apenas 2% dos pacientes tiveram toxicidade aguda ameaçadora à vida.

Ainda que em termos puramente numéricos o RTOG 85-01 não tenha sido um estudo de grandes proporções (n pequeno), o esforço conjunto de múltiplos grupos cooperativos (RTOG, SWOG e NCCTG) gerando um Intergroup Trial foi de extrema importância para a oncologia moderna, demonstrando como prova de conceito a viabilidade de cura no câncer de esôfago, mesmo quando a ressecção cirúrgica não é mais factível. Todavia, a importante toxicidade relacionada à terapia concomitante reforça a necessidade de uma avaliação clínica completa para uma efetiva orientação do tratamento. Notavelmente, este estudo também foi um marco histórico para o início das investigações sobre terapias multimodais, combinando quimioterapia, radioterapia e cirurgia na busca de melhores taxas de cura para o cancer de esôfago localizado. Um estudo multi-institucional conduzido em Dublin e publicado no New England Journal of Medicine em 1996 revelou que 32% dos pacientes estavam vivos três anos após o tratamento multimodal e com toxicidade aceitável. Todavia, a demostrada inflexão favorável na curabilidade de cancer de esôfago convive com uma velocidade de resultados positivos desproporcional a sua importância epidemiológica, reforçando a crescente busca por novas alternativas terapêuticas.

 

Referência:

Jay S. Cooper, 
Matthew D. Guo, Arnold Herskovic, et al: Chemoradiotherapy of locally advanced esophageal cancer: Long-term follow-up of a prospective randomized trial (RTOG 85-01). Radiation Therapy Oncology Group. JAMA 1999.

Thomas N. Walsh, Noirin Noonan, Donal Hollywood, et al: A Comparison of Multimodal Therapy and Surgery for Esophageal Adenocarcinoma, N Engl J Med 335:462-467, 1996