Controle biológico na virada para o século XXI
Gössling,G & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 19 (06), 2018
Mais de 5000 espécies de coccinelídeos exercem um importante papel no controle biológico de pragas agrícolas, evitando agrotóxicos e gerando, na virada do século XXI, um novo paradigma ecológico, econômico e social. No cenário molecular das neoplasias malignas um fenômeno semelhante vem ocorrendo, manifesto por uma tendência a progressiva redução no uso de drogas citotóxicas, dominantes no tratamento paliativo e curativo do câncer até o final do século XX. Um bom exemplo é o GIST, uma neoplasia mesenquimal rara, que corresponde a menos de 1% dos tumores do tubo digestivo. É encontrada, predominantemente, no estômago e intestino delgado e sua importância está relacionada ao perfil de suas mutações. Cerca de 80% dos pacientes com GIST apresentam mutação no gene que codifica o receptor KIT, enquanto 5 a 10% revelam mutação no gene que codifica PDGFRA (Platelet-derived Growth Factor Receptor Alfa). Ambas as mutações resultam em aumento na atividade da tirosina quinase (TK), uma proteína reguladora da transdução de sinal proliferativo na célula tumoral.
O início do século XXI testemunhou o surgimento dos primeiros estudos utilizando análise genética tumoral com identificação de sítios específicos de mutação nos genes KIT (exon 9 e 11) e PDGFRA capazes de antecipar resposta a uma droga de alvo-biológico inibidora da tirosina quinase (TKI). Surgia o primeiro tratamento medicamentoso eficaz para GIST com imatinib no cenário paliativo. Uma publicação recente no Journal of Clinical Oncology em 2017 mostra resultados maduros, promovendo consistente aumento de sobrevida em 10 anos de acompanhamento médio.
Uma tendência natural em oncologia clínica é explorar a reprodução do benefício paliativo em um cenário adjuvante. O tratamento do GIST localizado é essencialmente cirúrgico. No final do século XX, um alto índice de recidiva pós-operatória costumava ocorrer pela falta de um tratamento adjuvante eficaz para uma neoplasia comprovadamente resistente a quimioterapia. Os resultados favoráveis do uso paliativo de imatinib em GIST, conduziram o American College of Surgeons Oncology Group a desenhar um estudo aleatório, prospectivo de fase III visando avaliar o impacto de imatinib no cenário adjuvante.Após avaliação de segurança e possível benefício de tratamento em fase II, o estudo Z9001 randomizou 713 pacientes para uso de imatinib ou placebo, por um ano após ressecção, em uma proporção 1:1. Após 19 meses de seguimento, 8% dos pacientes que utilizaram imatinib e 20% dos pacientes que utilizaram placebo tiveram recorrência da doença ou morreram. Houve significativo benefício na sobrevida livre de doença em um ano, favorecendo o grupo imatinib (98% versus 83%; HR = 0.35; p < 0.001). O estudo foi interrompido precocemente em análise interina, reiterando um potencial benefício no uso de imatinib adjuvante. Além deste estudo, outros foram posteriormente realizados corroborando o benefício e inclusive demonstrando superioridade no uso de imatinib por um período de tratamento mais longo (3 anos). Desde então, também foi melhor compreendida a relação entre mutações específicas, dose de imatinib e resposta. O estudo Z9001 representa um marco histórico. Trata-se do primeiro estudo de fase III a oferecer uma prova de conceito da viabilidade de uso de terapias-alvo no contexto adjuvante.Todavia, é o estudo escandinavo SSG XVIII quem melhor demonstrou o beneficio na sobrevida (5a) no GIST de alto risco, obtido com a utilização por três anos de imatinib adjuvante.
Referências:
Casali, PG; Zalcberg, J; Cesne, AL: Ten-Year Progression-Free and Overall Survival in Patients with Unresectable or Metastatic GI Stromal Tumors: Long-Term Analysis of the European Organization for Research and Treatment of Cancer, Italian Sarcoma Group, and Australasian Gastrointestinal Trials Group Intergroup Phase III Randomized Trial on Imatinib at Two Dose Levels, J. Clin Oncol 35(15): 1713-1720, 2017
Ronald P DeMatteo, Karla V Ballman, Cristina R Antonescu, et al.: Adjuvant imatinib mesylate after resection of localized, primary gastrointestinal stromal tumor: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial,Lancet 373: 1097–104, 2009
Joensuu H, Eriksson M, Sundby Hall K, Hartmann, et al: One vs three years of adjuvant imatinib for operable gastrointestinal stromal tumor: a randomized trial, JAMA307 (12): 1265-72, 2012
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