Risco de câncer em paciente com transplante renal

Cuidando de um paciente suscetível

James Fleck, MD, PhD: Conexão Anticâncer 8 (01), 2022

O câncer e as doenças cardiovasculares são as principais causas de morte em pacientes transplantados. Os médicos estão bem informados sobre o aumento do risco de doenças cardiovasculares e já possuem um programa estruturado de recomendações preventivas. Embora existam diretrizes bem elaboradas para a prevenção do câncer na população em geral, elas não se aplicam necessariamente aos pacientes submetidos a transplante renal, cujo risco se encontra aumentado devido à imunossupressão. Quando ocorre insuficiência renal, o transplante renal é a intervenção mais custo-efetiva, melhorando a qualidade de vida e a sobrevida global dos pacientes, quando comparada aos mantidos em diálise. No entanto, os receptores de transplante renal devem permanecer imunossuprimidos por toda a vida para manter a função do aloenxerto. Infelizmente, a imunossupressão é um dos principais mecanismos relacionados à oncogênese. Estudos retrospectivos mostraram um risco aumentado de câncer renal e urotelial na doença renal crônica (DRC), especialmente com TFGe <30. Pacientes com DRC grave têm um aumento de mais de 2 vezes no risco de câncer renal, especialmente com a morfologia de células claras. A DRC também está associada a um aumento de 48% na taxa ajustada de câncer urotelial. A duração da diálise antes do transplante também está associada a um risco aumentado de câncer. Receptores de transplante renal altamente sensibilizados devem ser identificados e monitorados de perto, pois altos níveis de um painel de anticorpos reativos (PAR), acima de 80%, indicam risco aumentado de rejeição, falha do enxerto, câncer e morte, independentemente do tempo de diálise. Debilitar o sistema imunológico pode criar um microambiente favorável para a replicação viral e, eventualmente, novas vias oncogênicas à jusante, favorecendo o aparecimento de sarcoma de Kaposi (HHV8), doenças linfoproliferativas (EBV), carcinoma hepatocelular (HBV), câncer de lábio e anal (HPV). Outro mecanismo é através do acúmulo de mutações induzidas por radiação que favorecem o aparecimento do câncer de pele. A maior parte da imunossupressão usada atualmente é carcinogênica, exceto aquela obtida com os inibidores de mTOR, que podem ter efeitos antitumorais potenciais por meio da interrupção do ciclo celular e inibição da apoptose. Existem evidências baseadas em ensaios clínicos que suportam a conversão da imunossupressão para um inibidor de mTOR (everolimus) em pacientes transplantados que são diagnosticados com carcinoma de células escamosas na pele. Essa prática também tem sido usada em pacientes que desenvolvem sarcoma de Kaposi e melanoma. A redução criteriosa da carga total de imunossupressão é a recomendação mais utilizada para pacientes com tumores em estágios inicial e moderado. Embora o tratamento do carcinoma renal, câncer de pulmão não de pequenas células e melanoma com inibidores de checkpoint imunológico (anti-PD1, anti-PDL1, anti-CTLA4) tenha mostrado resultados excelentes na população em geral, esses resultados não podem ser extrapolados para o câncer secundário ao transplante de órgãos.

Alguns pacientes com DRC mantidos apenas em diálise podem ter pior prognóstico, com menor expectativa de sobrevida, o que não justifica um programa de rastreamento do câncer. No entanto, para pacientes transplantados renais com melhor prognóstico, o rastreamento do câncer deve ser conduzido, combinado à decisão compartilhada com o paciente. O nível de evidência ainda é baixo, uma vez que não se baseia em estudos prospectivos randomizados. No entanto, a sobrevida em longo prazo, observada após o transplante renal, incentiva algumas diretrizes sobre o rastreamento do câncer. Historicamente, sociedades americanas e europeias de transplante têm sugerido algumas recomendações gerais, resumidas na tabela abaixo. A relação custo-efetividade também é fornecida para alguns tumores específicos.



Referências:

 

1.     David Al-Adra, Talal Al-Qaoud, Kevin Fowler and Germaine Wong: De Novo Malignancies after Kidney Transplantation, Clinical Journal of the American Society of Nephrology, March 29th, 2021

2.     Wong, G; Chapman, J; Craig, J: Cancer Screening in Renal Transplant Recipients: What Is the Evidence? Clinical Journal of the American Society of Nephrology 3(2): S87-S100, 2008
3.     Lim, Wai H; Chapman, Jeremy R; Wong, Germaine: Peak Panel Reactive Antibody, Cancer, Graft, and Patient Outcomes in Kidney Transplant Recipients, Transplantation 99(5): 1043 – 1050, 2015
4.     William T. Lowrance, Juan Ordoñez, Natalia Udaltsova, Paul Russo and Alan S. Go: CKD and the Risk of Incident Cancer. Journal of the American Society of Nephrology 25 (10): 2327 – 2334, 2014
5.     Photo by Robina Weermeijer on Unsplash (modified)
6.     Photo by National Cancer Institute on Unsplash (modified)

 

TFGe = Taxa de Filtração Glomerular estimada, HHV8 = Human Herpes Virus 8, EBV = Epstein- Barr Virus, HBV = Chronic Hepatitis B Virus, HPV = Human Papilloma Virus, mTOR = Mammalian Target of Rapamycin