Promessas e limitações no tratamento do câncer de ovário

O risco de tornar-se uma doença órfã

James Fleck: Conexão Anticâncer 22(08), 2021

Considerando a totalidade dos tumores malignos na mulher, o câncer de ovário ocupa a oitava posição em incidência (ASR = 6,6) e mortalidade (ASR = 4.2) mundiais, de acordo com o Global Cancer Observatory. Entre os tumores ginecológicos, o câncer de ovário assume a terceira posição em incidência e a segunda na mortalidade. O câncer cervical, seguido pelo câncer endometrial, toma a posição de liderança em incidência. Porém, a alta taxa internacional de letalidade aparente do câncer de ovário (66%) em comparação com a do câncer de endométrio (23,3%) transforma o câncer de ovário no segundo tumor com maior mortalidade, entre todas as malignidades ginecológicas. Dados da American Cancer Society no ano de 2021, estimam que nos EUA 21.410 mulheres terão um novo diagnóstico de câncer de ovário, e 13.770 mulheres morrerão desta doença. Infelizmente, nos EUA a taxa de letalidade aparente para o câncer de ovário (64,3%) não é diferente dos dados internacionais. Além disso, devido a uma menor incidência de câncer cervical nos EUA, quando comparada a do cenário internacional, o câncer de ovário será responsável por mais mortes de mulheres do que qualquer outro câncer do sistema reprodutivo feminino. Apesar de ser um fato epidemiológico muito preocupante, o câncer de ovário está muito próximo de ser considerado uma doença rara. Dados da American Cancer Society indicaram, em 2018, uma prevalência para o câncer de ovário de 235.081 mulheres nos EUA. Uma doença é classificada como rara quando afeta menos de 200.000 americanos. Vejam que os números estão muito próximos! É precisamente neste ponto que os riscos mais importantes são encontrados, comprometendo a investigação básica e clínica. Consequentemente, uma baixa taxa de melhoria foi observada no diagnóstico precoce e tratamento do câncer de ovário. As doenças raras tendem a ser transformadas em doenças órfãs, com o risco de serem negligenciadas. O desenvolvimento de novas intervenções diagnósticas ou terapêuticas não é considerado lucrativo, considerando que o alto custo de pesquisa laboratorial e clínica poderá não ser suportado por um número limitado de pacientes potenciais. A figura abaixo representa a linha do tempo de eventos relevantes que contribuíram para o tratamento do câncer de ovário nos últimos 85 anos.



MGH = Massachusetts General Hospital, NCI = national Cancer Institute, CFM = Ciclofosfamida, Bev = Bevacizumab, PARP = poly (ADP-ribose) polymerase


Infelizmente, não há métodos de triagem eficazes para o rastreamento populacional do câncer de ovário, o que conduz a um diagnóstico precoce em apenas 25% dos casos. A maioria das pacientes (75%) é diagnosticada como doença localmente avançada (III) ou metastática (IV). Embora a histerectomia total + salpingo-ooforectomia bilateral seja o tratamento primário padrão para o câncer de ovário em estágio inicial, o benefício da cirurgia de citorredução secundária permanece controverso. A quimioterapia adjuvante baseada em platina (frequentemente, carboplatina + paclitaxel) é benéfica somente para os tumores confinados ao ovário com lavagem peritoneal positiva (estágio IC), histologia de células claras ou grau tumoral elevado. Uma recente revisão sistemática da Cochrane, explorando a melhor abordagem para o câncer epitelial avançado de ovário (Estágios III e IV) sugeriu haver pouco ou nenhum benefício em sobrevida, quando comparada a cirurgia de debulking primário + quimioterapia versus quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia de intervalo. A tomada de decisão deve ser sustentada em índices prognósticos individuais. Um estudo multicêntrico holandês, aberto e de fase III incluiu 245 pacientes com câncer de ovário que atingiram pelo menos doença estável após a quimioterapia neoadjuvante, as quais foram distribuídas aleatoriamente para receber quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) adicional ou cirurgia de intervalo sozinha. A adição da HIPEC foi associada à maior sobrevida livre de recorrência e sobrevida global. No entanto, uma sobrevida global mediana decepcionante de 45,7 meses ainda está sendo observada mesmo no melhor braço (cirurgia + HIPEC).

Quase 20 anos se passaram antes que novas drogas fossem introduzidas no tratamento do câncer de ovário avançado. Mutações germinativas e somáticas BRCA 1/2 passaram a ser identificadas em 15 a 20% dos pacientes com câncer de ovário e apoiaram o uso de inibidores PARP como terapia de manutenção na população de pacientes sensíveis à platina. A terapia de manutenção com olaparib proporcionou um benefício geral de 12,9 meses em sobrevida mediana ao ser comparada com placebo em pacientes com câncer de ovário BRCA 1/2 mutado e recidivado sensíveis à platina. Para alguns pacientes com câncer avançado de ovário e sem mutação BRCA 1/2, a manutenção com bevacizumab com ou sem uso de inibidor da PARP parece ser uma alternativa razoável. A manutenção com bevacizumab foi associada a uma maior sobrevida livre de progressão. O benefício geral em sobrevida global não pôde ser demonstrado, provavelmente devido a permissão de crossover após a progressão no braço controle. Apesar de pequenas melhorias recentes, o câncer de ovário avançado continua sendo uma doença incurável e todas as partes interessadas devem unir forças na busca de um futuro melhor para uma doença que está quase órfã.


Referências:

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