É possível aumentar a taxa de cura do câncer de pulmão?

TKI adjuvante e imunoterapia neoadjuvante sopram ventos favoráveis

James Fleck: Conexão Anticâncer 11 (01), 2021

A classificação molecular do câncer de pulmão permitiu desenvolver um novo modelo clínico experimental para testar o uso adjuvante de inibidores de tirosina quinase (TKIs) na melhora da taxa de cura de câncer do pulmão não de células pequenas (CPNPC) EGFR+. Além disso, os resultados promissores da imunoterapia em cuidados paliativos para um espectro molecular mais amplo de CPNPC têm estimulado sua administração precoce como estratégia curativa neoadjuvante. A quimioterapia adjuvante à base de cisplatina está associada a um aumento inexpressivo de 5% na sobrevida global em 5 anos do CPNPC completamente ressecado, um resultado que infelizmente permanece inalterado por mais de 25 anos. É hora de produzir resultados melhores. No tratamento curativo do CPNPC, o uso de quimioterapia adjuvante ou neoadjuvante isolada definitivamente não é suficiente. Os dados históricos também mostraram que a radioterapia causa pouca ou nenhuma melhora no tratamento adjuvante ou neoadjuvante do CPNPC. É hora de testar a inibição das vias moleculares de sinalização tumoral e interferir com os pontos de reconhecimento imunológicos em estágios iniciais do CPNPC. Atualmente, cerca de 30% dos pacientes com CPNPC são diagnosticados como doença ressecável, mas esse percentual tende a melhorar com o aumento do rastreamento populacional de alto risco, usando tomografia computadorizada de baixa dose (LDCT). No entanto, mesmo com este diagnóstico, inadequadamente chamado de precoce, a taxa de cura permanece vergonhosamente abaixo de 50%. Portanto, uma maior e mais ampla triagem com LDCT não é suficiente. A cirurgia continua sendo o tratamento primário mais importante, mas já atingiu seu melhor custo-benefício. O CPNPC é uma doença sistêmica e o conhecimento de seu comportamento biológico microambiental é a melhor forma de melhorar sua taxa de cura. É um quebra-cabeça com número de peças ainda imprevisível. A classificação molecular precisa e a identificação de novos fármacos capazes de interromper a via de sinalização do tumor ou modificar a resposta imunológica do tumor são os dois pilares da esperança por dias melhores. Felizmente, alguns componentes importantes deste universo já foram descritos.  

Duas mutações oncogênicas driver de EGFR (deleção do exon 19 e mutação pontual do exon 21 L856R) têm sido amplamente descritas. Uma metanálise conduzida em pacientes com CPNPC EGFR+ e localmente avançados revelou maior sobrevida livre de doença (SLD) em pacientes tratados, em caráter adjuvante, com inibidores de EGFR-TKI, quando comparados aqueles que receberam quimioterapia adjuvante. O osimertinib, um EGFR-TKI de terceira geração, inibe tanto as mutações de sensibilização quanto a mutação de resistência T790M, também apresentando alta eficácia contra metástases no SNC. Em cuidados paliativos de CPNPC,osimertinib revelou-se superior ao erlotinib ou gefitinib, mostrando maior SLD e sobrevida global, tornando-se o padrão de tratamento em primeira linha para CPNPC EGFR + metastático. Atualmente, o osimertinib parece ser o EGFR-TKI ideal a ser testado como tratamento adjuvante do CPNPC EGFR+ ressecável. Outra abordagem interessante para aumentar a taxa de cura de CPNPC em seu espectro molecular mais amplo é adicionar inibidores de checkpoints imunológicos, visando PD1 ou PD-L1 e melhorando a resposta patológica do CPNPC localmente avançado à quimioterapia neoadjuvante. A justificativa envolve tanto a quimioterapia citotóxica contra o tumor quanto uma melhor resposta imune do hospedeiro.

Em 19 de setembro de 2020, o New England Journal of Medicine publicou uma análise interina não planejada do estudo ADAURA. Os dados foram revelados dois anos antes devido à evidência de um potencial benefício em eficácia. ADAURA é um estudo prospectivo de fase III randomizado, internacional e duplo-cego, controlado por placebo, onde pacientes com CPNPC EGFR + (estágios IB, II e IIIA) foram distribuídos, aleatoriamente (proporção de 1: 1) para receber osimertinib oral ou placebo após a completa recuperação cirúrgica. Radioterapia ou quimioterapia pré-operatória não foram permitidas; no entanto, os pacientes podiam ser tratados com quimioterapia pós-operatória padrão baseada em platina (≤ 4 ciclos). O desfecho primário foi a SLD. Aos 24 meses de acompanhamento, os pacientes em estágios II e III mostraram uma SLD= 90% no braço do osimertinib contra uma SLD = 44% no braço do placebo (HR = 0,17, P <0,001). Na população geral, 89% dos pacientes no braço do osimertinib e 52% no braço do placebo estavam vivos e livres de doença em 24 meses de acompanhamento (HR = 0,20, P≤0,001). Os dados gerais de sobrevida global ainda são imaturos, mas o desfecho substituto (SLD) sopra ventos favoráveis.

Em 7 de maio de 2020, a Lancet Oncology publicou resultados interessantes de um estudo multicêntrico de fase II usando atezolizumab (anti-PD-L1) neoadjuvante e quimioterapia (nab-paclitaxel + carboplatina) por até quatro ciclos em CPNPC ressecável (estágios IB, II e IIIA). O desfecho primário foi a resposta patológica maior (RPM), definida como a presença de 10% ou menos de tumor residual viável no momento da cirurgia. O acompanhamento mediano foi de 12,9 meses e 17 dos 30 pacientes inscritos (57%) tinham RPM. Em uma análise post-hoc, as respostas objetivas foram alcançadas independentemente da expressão de PD-L1. Os pacientes que não apresentaram RPM tiveram uma SLD mediana de 14,3 meses em comparação com uma SLD mediana de 34 meses relatada em pacientes que alcançaram a RPM. Em 24 de setembro de 2020, a Lancet Oncology também publicou um estudo multicêntrico aberto de fase II usando nivolumab (anti-PD1) neoadjuvante e quimioterapia (paclitaxel + carboplatina) por três ciclos em pacientes com CPNPC ressecável (estágio IIIA). Após a cirurgia, o nivolumab foi mantido em monoterapia adjuvante até completar um ano. O desfecho primário foi SLD. O acompanhamento mediano foi de 24 meses e a SLD=77,1%. Após a cirurgia, RPM foi observada em 83% dos pacientes, dos quais 63% tiveram uma resposta patológica completa. Na análise exploratória, uma expressão proporcional de PD-L1 tumoral de 25% ou mais foi associada à resposta patológica completa (P = 0,015), mas não foi associada a RPM ou SLD. Novamente, marcadores substitutos soprando ventos favoráveis


Referências:

1.     Cheng H, Li X-J, Wang X-J, et al. A meta-analysis of adjuvant EGFR-TKIs for patients with resected non-small cell lung cancer, Lung Cancer 137:7-13, 2019

2.     Yi‑Long Wu, Masahiro Tsuboi, Jie He, et al: Osimertinib in Resected EGFR-Mutated Non–Small-Cell Lung Cancer, N Engl J Med Sep 19th, 2020

3.     Catherine A Shu, Justin F Gainor, Mark M Awad, et al: Neoadjuvant atezolizumab and chemotherapy in patients with resectable non-small-cell lung cancer: an open-label, multicentre, single-arm, phase 2 trial, Lancet Oncology May 7th, 2020

4.     Mariano Provencio, Ernest Nadal, Amelia Insa, et al: Neoadjuvant chemotherapy and nivolumab in resectable non-small-cell lung cancer (NADIM): an open-label, multicentre, single-arm, phase 2 trial, Lancet Oncology Sep 24th, 2020

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