O enfrentamento do adenocarcinoma do pâncreas metastático

Um modelo de “curva gorda”

Peixoto, J & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 16(07), 2018

O adenocarcinoma do pâncreas não figura entre as dez neoplasias mais incidentes no mundo, segundo dados da International Agency for Research on Cancer (IARC). Sua importância epidemiológica está associada ao alto índice de letalidade. Mesmo em centros de alta qualificação europeus e norte-americanos a sobrevida em 5 anos é de apenas 6%. A maior parte dos pacientes são diagnosticados já com doença avançada e são candidatos a tratamento exclusivamente paliativo. Historicamente, a quimioterapia standard migrou de fluorouracil bolus para gemcitabina, após um estudo prospectivo e aleatório mostrar um aumento de sobrevida mediana, respectivamente de 4,4 meses para 5,6 meses (p=0.002). Todavia, mesmo em um cenário paliativo, o prognóstico permanecia muito ruim, impondo a necessidade de explorar novas alternativas terapêuticas. Na virada do século, estudos pré-clínicos demonstravam atividade sinérgica no uso conjunto de irinotecan, oxaliplatina fluorouracil modulado por leucovorin. A associação destas drogas gerou o acrônimo FOLFIRINOX, que testado em fase II para pacientes com adenocarcinoma de pâncreas avançado e bom PS revelou-se eficaz, a despeito de neutropenia grau 3 e 4 em 50% dos casos.

Em maio de 2011, o New England Journal of Medicine publica um estudo conduzido pelo Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), no qual 342 pacientes com adenocarcinoma metastático de pâncreas com bom PS (ECOG 0 ou 1) são distribuídos aleatoriamente para receber FOLFIRINOX ou gemcitabina na proporção de 1:1 e estratificados pelo PS (0 versus 1), localização do tumor no pâncreas (cabeça, corpo ou cauda) e centro de tratamento. A mediana da sobrevida global foi de 11,1 meses no grupo FOLFIRINOX em comparação com 6,8 meses no grupo gemcitabina (HR 0,57; IC 95%, 0,45 a 0,73; P <0,001). A mediana da sobrevida livre de progressão foi de 6,4 meses no grupo FOLFIRINOX e 3,3 meses no grupo gemcitabina (HR 0,47; IC 95%, 0,37 a 0,59; P <0,001). A taxa de resposta objetiva foi de 31,6% no grupo FOLFIRINOX versus 9,4% no grupo gemcitabina (P <0,001). Entretanto, a maioria dos eventos adversos foram observados no grupo FOLFIRINOX,  onde 5,4% dos pacientes tiveram neutropenia febril. A despeito da maior toxicidade observada no braço tratado com FOLFIRINOX,  a degradação definitiva da qualidade de vida observada aos 6 meses de acompanhamento, foi maior no braço tratado com gemcitabina (66%) do que naquele com FOLFIRINOX (31%) (HR 0,47; IC 95%, 0,30-0,70; P <0,001). Em conclusão, FOLFIRINOX passou a ser a opção terapêutica para adenocarcinoma de pâncreas metastático em pacientes com bom desempenho clínico (PS 0 e 1). Paralelamente, outros estudos não tão restritivos no critério de elegibilidade demostraram pequeno benefício prognóstico no adenocarcinoma avançado de pâncreas com a associação de gemcitabina a uma segunda droga (erlotinib, capecitabina. nab-paclitaxel), todavia com magnitude de resultados menor do que o observado no estudo ECOG

O estudo ECOG tornou-se um landmark em oncologia clínica ao obter resultados positivos na mediana da sobrevida livre de progressão e sobrevida global em uma neoplasia de prognóstico muito desfavorável. No entanto, este estudo ilustra bem a “curva gorda” em que o maior benefício ocorre no meio da curva e o ganho prognóstico vai progressivamente sendo desfeito após 12 meses de acompanhamento. A curva gorda e os critérios restritivos de elegibilidade são os dois principais argumentos a serem discutidos na decisão compartilhada com o paciente ao ser diagnosticado com adenocarcinoma de pâncreas metastático.

 

Referência:

Thierry Conroy, Françoise Desseigne, Marc Ychou, et al: FOLFIRINOX versus Gemcitabine for Metastatic Pancreatic Cancer, N Engl J Med364:1817-25, 2011