Molecular Tumor Board: Utilizando inteligência coletiva no diagnóstico e tratamento do câncer

Quebrando paradigmas oncológicos

James Fleck1 & Gabriel Macedo2: Conexão Anticâncer 28(10), 2020

No início, a Medicina de Precisão parecia ficcional, mas aos poucos foi se tornando clinicamente útil ao lidar com alguns tipos de tumor para os quais não havia tratamento padrão ou no resgate de pacientes que apresentavam progressão de doença após dois ou mais tratamentos malsucedidos. A pedra angular foi a identificação de mutações (germinativas ou somáticas) que pudessem se tornar alvos biológicos ou ainda biomarcadores preditivos para uma nova ação farmacológica (acionabilidade) em um tipo específico de tumor. Houve alguma decepção inicial devido ao baixo percentual de mutações acionáveis ​​identificadas em tumores raros ou em doenças refratárias. Mais recentemente, algumas drogas inovadoras focadas na presença de um determinado biomarcador, não obstante a histologia do tumor, mudaram a maneira de diagnosticar e tratar doenças oncológicas, originando o novo cenário de tratamento do câncer tumor-agnóstico. Atualmente, um número crescente de ensaios clínicos está utilizando plataformas de sequenciamento de nova geração (NGS, do inglês Next Generation Sequencing) para recrutar pacientes elegíveis, o que resultou em importantes avanços no entendimento da biologia molecular do tumor, ajudando também no desenvolvimento de novos medicamentos anticâncer. As novas opções terapêuticas necessitam ser consideradas sob supervisão multidisciplinar altamente qualificada, a qual tem sido responsável pelo desenvolvimento do conceito Molecular Tumor Board (MTB) em centros oncológicos internacionais altamente qualificados.

Um Molecular Tumor Board deve seguir algumas regras básicas: A equipe multidisciplinar deve se reunir regularmente, preferencialmente por meio de videoconferências, o que economiza tempo e permite a participação de especialistas de várias instituições. Um perfil administrativo bem projetado deve ser implementado para otimizar custos. A transposição do conhecimento deve ser buscada não apenas para aumentar a disponibilidade de dados, mas também para melhorar a educação técnica. Os cirurgiões devem ser informados sobre a quantidade, qualidade e manuseio do material no momento da biópsia diagnóstica. Um relatório ad hocdeve ser fornecido incluindo os resultados do NGS contextualizado com a avaliação clínica de cada paciente. A equipe multidisciplinar deve categorizar o resultado da análise molecular de acordo com os níveis de evidência, de preferência apoiados por estudos prospectivos aleatórios e aprovação do FDA. Diversos critérios  internacionais de classificação e interpretação clínica das alterações moleculares (https://search.cancervariants.org/#*) já estão disponíveis e o relatório ad hoc deve especificar claramente qual foi a classificação utilizada. O MTB geralmente promove questões muito específicas e sensíveis, necessitando avaliação abrangente, que deve incluir várias especialidades, como oncologistas clínicos, cirurgiões de câncer, patologistas, biólogos moleculares, geneticistas, profissionais de bioética, bioinformatas, coordenadores de pesquisa, farmacêuticos, gerentes de dados, entre outras. A crescente disponibilidade de dados exigirá, muito em breve, melhorias na bioinformática e, eventualmente, o uso de inteligência artificial. Uma análise ICER / QALY de longo prazo indicará a melhor maneira de enfrentar a repercussão no custo global da saúde. O MTB pode vir a desempenhar um papel essencial na avaliação clínica personalizada de pacientes com câncer, melhorando índices como NNT (number needed to treat) e NNH (number needed to harm). A participação de todos os setores da sociedade deve ser incentivada, gerando inteligência coletiva. A metodologia será padronizada em breve e as indicações ampliadas, tornando a medicina de precisão acessível a todos.

 

1.      James Fleck, MD, PhD é Professor Titular de Oncologia Clínica no Departamento de Medicina Interna FAMED – UFRGS

2.      Gabriel Macedo, MSc, PhD é Coordenador do Programa de Medicina Personalizada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre

 

Referências:

1.     Xuaniy Li & Jeremy Warner: A review of precision oncology knowledgebases for determining the clinical actionability of genetic variants, Front Cell Dev Biol 8: Article 48, Feb 11th, 2020

2.     Luchini C, Lawlor R, Milella M and Scarpa A: Molecular Tumor Boards in Clinical Practice, Tends in Cancer 6 (9):738 – 44, 2020

3.     Liberati A, Altman D, Tetzlaff J, et al: The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate healthcare interventions: explanation and elaboration. BMJ 339, July 21st, 2009

4.     Roychowdhury S, Iyer M, Robinson D, et al: Personalized oncology through integrative high-throughput sequencing: a pilot study, Sci Transl Med 3: 111–121, 2011

5.     Mateo J, Chakravarty D, Dienstmann R, et al: A framework to rank genomic alterations as targets for cancer precision medicine: the ESMO scale for clinical actionability of molecular targets (ESCAT). Ann Oncol 29: 1895–1902, 2018 

6.     Li M, Datto M, Duncavage E, et al: Standards and guidelines for the interpretation and reporting of sequence variants in cancer: a joint consensus recommendation of the Association for Molecular Pathology, American Society of Clinical Oncology, and College of American Pathologists, J Mol Diagn 19: 4–23, 2017

7.     Chakravarty D, Gao J, Phillips S, et al: OncoKB: A precision oncology knowledge base, JCO Precis Onco. 1: 1–16, 2017

8.     Photo by National Cancer Institute on Unsplash