Múltiplas faces do câncer de pulmão de pequenas células

Heterogeneidade tumoral e plasticidade fenotípica

James Fleck, MD, PhD: Conexão Anticâncer 30 (07), 2021

O câncer de pulmão de pequenas células (CPPC) tem desafiado uma abordagem racional há mais de 40 anos. Apesar de uma alta taxa de resposta inicial à quimioterapia (QT) e radioterapia (RT), apenas alguns pacientes alcançam sobrevida em longo prazo. É um tumor neuroendócrino do pulmão e a concordância no diagnóstico aumenta com o uso combinado da coloração clássica de Hematoxilina-Eosina (HE) com um painel de marcadores tumorais, incluindo TTF-1, sinaptofisina, cromogranina, enolase neurônio-específica (ENE) e CD56. Embora seja uma doença rara, representando cerca de 15% de todos os tipos de tumores malignos do pulmão, o CPPC merece atenção especial devido ao seu comportamento biológico agressivo e, por vezes, imprevisível. A maioria dos pacientes (70%) é diagnosticada como estágio extenso (EE), o que significa que o tumor não pode ser incluído no portal de RT e/ou já disseminou para um ou mais sítios metastáticos. O CPPC tem um alto índice proliferativo e, infelizmente, não é adequado para o rastreamento por TC helicoidal de baixa dose. É um tumor de intervalo, pois surge entre os exames de imagem programados. A maioria dos pacientes com CPPC é fumante, o que pode estar associado a uma alta carga mutacional. Além disso, o CPPC mostra plasticidade fenotípica, expressando diferentes subtipos, que podem ser intercambiáveis. Recentemente, um grupo de cientistas predominantemente relacionados ao MD Anderson Cancer Center da Universidade do Texas descreveu quatro subtipos principais de CPPC, que foram definidos por fatores de transcrição distintos e ativação imunológica, levando a uma série de vulnerabilidades terapêuticas. Além disso, múltiplos subtipos podem existir em um único tumor e plasticidade transcricional tem sido observada, especialmente após resistência à platina. Dois subtipos de CPPC são tumores neuroendócrinos com alta expressão do fator de transcrição ASCL1 (CPPC-A) ou do fator de transcrição NEUROD1 (CPPC-N). Ambos compartilham marcadores neuroendócrinos clássicos (cromogranina A e sinaptofisina). O terceiro subtipo traz a assinatura do fator de transcrição POU2F3 (CPPC-P), promovendo o silenciamento de RE1 (REST), um repressor de genes neuroendócrinos. Um quarto subtipo biologicamente distinto (CPPC-I) mostra uma expressão baixa dos três fatores de transcrição mencionados anteriormente. A figura descreve as características mais importantes dos quatro subtipos de CPPC.



CPPC = carcinoma de pulmão de pequenas células, EE = estágio extenso, SVm = sobrevida mediana, TEM = transição epitelial-mesenquimal, QT = quimioterapia, AT = atezolizumab, P = placebo, PARPi = inibidores da poly (ADP-ribose) polimerase


Curiosamente, pode existir uma forma dinâmica de heterogeneidade intratumoral, gerando a hipótese de um espectro definido pela evolução temporal dos fatores de transcrição, apoiando o comportamento biológico peculiar do CPPC. A transição epitelial-mesenquimal (TEM) é observada principalmente no subtipo CPPC-I, expressando níveis elevados de marcadores mesenquimais (vimentina e AXL). O CPPC-I aparentemente deriva do CPPC-A que converte o subtipo devido a flutuações na ativação da via NOTCH. O CPPC-I é um subtipo resistente à platina, mostrando melhor resposta aos bloqueadores de checkpoints imunológicos quando comparados os quatro subtipos descritos anteriormente. Uma análise retrospectiva do estudo IMPower133 apoiou essa tendência. O IMPower133 é um estudo de fase III, duplo-cego e controlado por placebo, no qual pacientes com CPPC-EE e previamente não tratados foram aleatoriamente distribuídos para receber quimioterapia (carboplatina + etoposide) mais atezolizumab ou placebo. Adicionar atezolizumab à quimioterapia melhorou a sobrevida geral (SG), independente da expressão de PD-L1 ou da carga mutacional do tumor. A sobrevida mediana foi de 12,3 meses para o braço do atezolizumab versus 10,3 meses para o braço do placebo (P = 0,015). Após 18 meses, 34% e 21% dos pacientes estavam vivos nos braços do atezolizumab e do placebo, respectivamente. Atezolizumab + quimioterapia é o novo padrão de tratamento para CPPC-EE. Uma análise retrospectiva estratificada pelo subtipo de CPPC mostrou uma sobrevida mediana de 18 meses no CPPC-I, que se comparou favoravelmente com a sobrevida mediana do CPPC-I (10 meses) observada no braço do placebo (HR = 0,57). Esta análise exploratória indica a identificação do subtipo CPPC-I como um marcador preditivo de resposta a imunoterapia (BCI). É apenas o começo de uma nova era para descobrir as múltiplas faces do câncer de pulmão de pequenas células antecipando tratamentos mais precisos e personalizados.

 

Referências:

1.     Carl M. Gay, C. Allison Stewart, Elizabeth M. Park, et al: Patterns of transcription factor programs and immune pathway activation define four major subtypes of SCLC with distinct therapeutic vulnerabilities, Cancer Cell 39: 346–360, March 8th, 2021

2.     Stephen V. Liu, Martin Reck, Aaron S. Mansfield, et al: Updated Overall Survival and PD-L1 Subgroup Analysis of Patients with Extensive-Stage Small-Cell Lung Cancer Treated with Atezolizumab, Carboplatin, and Etoposide (IMpower133), J Clin Oncol 39: 619-630, 2021

3.     Photo by Robina Weermeijer on Unsplash, modified