A Teogonia atual
James Fleck, MD, PhD: Conexão Anticâncer 13 (09), 2021
Na Teogonia de Hesíodo, Esculápio era o semideus relacionado à medicina. Ele era filho do divino Apolo e Koronis, uma mãe mortal. Hoje, o bastão de Esculápio ainda é considerado o símbolo da medicina. A cobra em volta do bastão costumava esconder segredos no subsolo, usando-os para expressar poder profético. Atualmente, lembra o DNA, o código da vida, disponibilizado por um avanço biotecnológico. Os segredos foram revelados pelo Projeto Genoma Humano, lançado em 1988. Foi um programa de pesquisa colaborativa que buscou um mapeamento completo da sequência de todas as bases encontradas no DNA humano. O Consórcio de Sequenciamento do Genoma Humano reuniu mais de 2.800 pesquisadores. Toda a sequência foi concluída e publicada em 2003. O segredo foi desvendado mais de dois mil e quinhentos anos após o suposto e mítico poder de cura ter sido atribuído ao bastão de Esculápio. Coincidentemente, um bastão mágico, denominado caduceu, também é carregado por Hermes, o mensageiro dos deuses. Desde o século XVI ele também tem sido usado como um símbolo da medicina. Hermes introduziu um bastão entre duas cobras agressivas, acalmando-as, criando serenidade e cura. Na Grécia antiga, o caduceu também era associado a mensageiros e arautos, indicando seu poder mágico no relacionamento interpessoal. A semelhança simbólica compartilhada pelo bastão de Esculápio e o caduceu de Hermes já previa uma integração natural entre as habilidades médicas e de comunicação.
Medicina, mídia e tecnologia criam uma combinação poderosa, pronta para atender às demandas pessoais e de saúde pública no mundo de hoje. Os gregos já sabiam, mas embora ocultassem o desenvolvimento tecnológico, incentivavam a integração da medicina e da comunicação em um nível subconsciente e mítico. Os símbolos descritos acima apontam para uma associação central. Os valores foram armazenados no inconsciente humano por séculos. Hoje, a medicina é uma linguagem internacional. Apesar das diferentes crenças e culturas ao redor do mundo, a medicina é a mesma, apoiada por ferramentas de comunicação eficientes. A integração começa na relação médico-paciente e amplia-se na divulgação do conhecimento científico e tecnológico. A Teogonia de Hesíodo explicava o mundo por meio do comportamento excêntrico de seus deuses. O impulso criativo era representado por um humor divino instável e suas reações imprevisíveis. Os eventos mágicos referiam-se a avanços tecnológicos ainda não disponíveis, mas alegoricamente antecipados. Trata-se de um quebra-cabeça ou patchwork que gradualmente aprendemos a compor. Hoje, muitas vezes combinamos medicina, mídia e tecnologia sem perceber que essa integração proposta foi um presente dos deuses.
Narrativa multimidiática acomodando as relações atuais entre a fúria dos deuses (tecnologia) e a medicina
Toda ação no atendimento médico pessoal começa com o histórico do paciente, que é apoiado pelas habilidades de comunicação do médico. Qualquer ação de saúde pública começa com um programa educacional bem elaborado, amplamente divulgado por meios multimidiáticos. A medicina sempre foi apoiada por fortes recursos de comunicação. No nível pessoal, o cuidado multidimensional que envolve intervenções físicas, emocionais, cognitivas e sociais é baseado em uma relação médico-paciente qualificada. Na saúde pública, o uso da imprensa e da mídia online melhora o resultado de qualquer programa proposto. Revistas médicas e seus sites correspondentes, outdoors, indústria cinematográfica, rádio, televisão, smartphones e mídias sociais compõem a narrativa multimídia. Reuniões médicas em todas as especialidades também estão ampliando o uso da narrativa multimidiática para promover o conhecimento e obter feedback. Hoje, qualquer instituição médica deve incluir um centro de multimídia interativa, transmitindo informações médicas em uma linguagem abrangente e simples. Atualmente, os avanços tecnológicos aplicados à medicina estão crescendo muito rapidamente. Os padrões de diagnóstico e tratamento estão mudando ainda mais rapidamente. A capacidade humana de acompanhar o avanço tecnológico global está chegando ao limite. Sistemas de recomendação clínica, utilizando big data, estão sendo desenvolvidos e combinados com o arbítrio humano, buscando melhores resultados nas intervenções propostas. Inteligência artificial, aprendizado de máquina e aprendizado profundo são os novos desafios para a habilidade de comunicação planetária. Uma conexão harmônica entre medicina, mídia e tecnologia será crítica para orientar diretrizes na área de saúde. A mídia será essencial para promover o desenvolvimento paralelo da medicina e da tecnologia. Hermes e Esculápio terão que unir forças para acomodar a fúria dos deuses.
Referências:
1. Collins FS, Lander ES, Rogers J, Waterson RH: Finishing the euchromatic sequence of the human genome, Nature 431 (7011): 931-45, 2004
Pessoalmente, sempre é um prazer encontrar um texto que faça referência ao legado da cultura grega. Dizia meu professor de filosofia que os gregos pensaram todos os temas. E que depois deles a humanidade só escreve o rodapé. Como diz um ditado popular, não vou entrar no mérito da questão, pois o que quero agora sublinhar é a sugerente relação do trinômio mídia, tecnologia e medicina que traça este artigo. Tudo parece apontar que os benefícios do referido trinômio para a sociedade humana serão imensos nas próximas décadas. Quem sabe, os tão esperados serviços de saúde poderão estar disponíveis, em qualidade e preço, tanto para um camponês do sertão como para um morador de bairro rico. Entretanto, as perguntas que brotam quase imediatamente estão em relação sobre o que terão que fazer as sociedades para aproveitar essa oportunidade e sobre como se terá que formar um profissional da saúde para lidar no cenário da narrativa multimidiática.
Tudo parece apontar que os benefícios para a sociedade humana da relação do trinômio mídia-tecnologia-medicina serão imensos nas próximas décadas. Então, quem sabe, os tão esperados serviços de saúde poderão estar disponíveis, em qualidade e preço, tanto para um camponês do sertão como para um morador de bairro rico. Entretanto, as perguntas que brotam quase imediatamente estão em relação sobre o que terão que fazer as sociedades para aproveitar essa oportunidade e como terá que formar-se um profissional da saúde para lidar no cenário da narrativa multimidiática.
Achei muito interessante a relação realizada entre bastão de Esculápio (da época da medicina grega pré-hipocrática) com o genoma humano (publicado em 2003). A medicina é dinâmica, e seus símbolos, por mais antigos que sejam, podem ter novos significados atribuídos a eles. Conhecia o Caduceu de Hermes apenas como símbolo das Ciências Contábeis (já tendo notado semelhança estética com o bastão de Esculápio); entretanto, tendo em vista que Hermes é o mensageiro dos deuses gregos, é de extrema importância que ele traga o lado da comunicação para a medicina, promovendo essa integração natural e essencial entre as habilidades médicas e de comunicação.
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