A capecitabina é uma droga com excelente biodisponibilidade oral mas não exclui o risco de toxicidade em maus metabolizadores de fluoropirimidinas
Souza, F & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 12(03), 2018
O câncer do reto é uma doença relevante em ambos os sexos. Infelizmente, os dados epidemiológicos são publicados associados ao câncer do cólon sob a denominação de câncer colorretal (CCR). Devido a alta prevalência em países ocidentais, o CCR representa a segunda causa de morte por câncer nos homens e a terceira nas mulheres. Aproximadamente, 1/3 dos casos descritos como CCR é representado pelo câncer do reto. Predomina no sexo masculino e tem um índice geral de curabilidade de 65% nos EUA. Seu comportamento biológico está tipicamente associado ao risco de recidiva local e regional. Técnicas cirúrgicas ampliadas, incluindo a ressecção do mesorreto, bem como a evolução no tratamento combinado com quimioterapia + radioterapia (QRT) reduziram o risco de recidiva local em 10 anos para apenas 5%. Em 2004, o German Trial define o timing, revelando que a QRT administrada no pré-operatório do câncer retal diminuía o índice de recidiva local com menor toxicidade do que aquela observada com a QRT pós-operatória. Em 2006, a European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC) ratifica a indicação de QRT na maximização do controle local da doença e evidencia uma melhora aderência à quimioterapia (QT) pré-operatória (82%) quando comparada a aderência observada na QT pós-operatória (43%). A otimização do controle local, passou a colocar mais ênfase no tratamento adjuvante sistêmico como fator determinante da melhora prognóstica adicional. Em 1994, um estudo do North Central Cancer Treatment Group (NCCTG) liderado pela Mayo Clinic já havia demostrado um aumento em sobrevida global obtido com a incorporação de 5FU em infusão prolongada (5FUIP) ao programa de multimodalidade terapêutica do câncer retal. Em 2012 o New England Journal of Medicine publica os resultados de um estudo multicêntrico de não-inferioridade, onde 35 instituições alemãs apontam para a possibilidade de substituir a 5FUIP por capecitabina como parte do tratamento QRT perioperatório do câncer retal localmente avançado, conduzindo a um tratamento com maior comodidade. A conversão metodológica para um estudo de superioridade da capecitabina sobre 5FUIP gera um certo desconforto na análise estatística. Trabalho de empilhadeiras, sem espelho retrovisor. O uso da capecitabina gera maior comodidade, porém com risco mantido, pois não deixa de ser uma fluoropirimidina.
A capecitabina é uma droga antimetabólita oral precursora do 5-fluorouacil (5FU). A conversão de capecitabina para 5FU é dependente da enzima timidina fosforilase que tem localização predominantemente intratumoral. Esta peculiaridade, teoricamente, confere maior especificidade de ação à capecitabina e sua boa biodisponibilidade oral mimetiza os efeitos obtidos com a administração de 5FU Infusional. Patenteada em 1992 e aprovada para uso clínico em 1996, a capecitabina está presente na World Health Organization’s List of Essential Medicines que inclui os medicamentos mais efetivos e seguros na assistência à saúde. Todavia, um cuidado especial deve ser tomado com os maus metabolizadores de fluoropirimidinas. O término de sua ação antimetabólita é dependente de uma enzima denominada diidropirimidina desidrogenase (DPD) cuja síntese é dependente da expressão do gene DPYD com expressão polimórfica, podendo estar ausente em 0,2% da população. A deficiência completa de DPD pode ter consequência letal em um cenário de tratamento com intensão curativa. A maior comodidade no uso da medicação oral não exclui o risco de expressão polimórfica para DPD. A genotipagem para o gene DPYD apresenta poder preditivo limitado, pois é capaz de rastrear somente as mutações já conhecidas, que apresentam baixa frequência populacional. Por esta razão, ensaios funcionais baseados na avaliação da redução fisiológica do uracil (U) para diidrouracil (UH2), igualmente mediada pela DPD, têm sido propostos na identificação de pacientes predispostos à toxicidade. Como o valor preditivo destes testes ainda não está completamente documentado, recomenda-se vigilância clínica, especialmente nos primeiros dias de uso da capecitabina.
Referências:
Sauer R, Becker H, Höhenberger W, et al:Preoperative versus postoperative chemoradiotherapy for rectal cancer, N Engl J Med 351(17): 1731-40, 2004
Jean-François Bosset, Laurence Collette, Gilles Calais, et al: Chemotherapy with Preoperative Radiotherapy in Rectal Cancer, N Engl J Med 355: 1114-23, 2006
O’Connel M, Martenson JA, Wieand HS, et al: Improving adjuvant therapy for rectal cancer by combining protracted-infusion fluorouracil with radiation therapy after curative surgery, N Engl J Med 331: 502-7, 1994
Hoeinz R-D, Wenz F, Post S, et al: Chemoradiotherapy with capecitabine versus fluorouracil for locally advanced rectal cancer: a randomised, multicentre, non-inferiority, phase 3 trial, Lancet Oncol 13: 579–88, 2012
Galarza, Andrés Fernando Andrade: Avaliação genotípica e fenotípica da enzima diidropirimidina desidrogenase (DPD) e risco de toxicidade com o uso de fluoropirimidinas, Tese Doutorado UFRGS, 2016
O estudo do câncer colorretal é de extrema relevância visto que é um dos mais prevalentes e com baixo índice de curabilidade quando avançado. O câncer retal merece atenção ainda maior visto que é uma área com pouca aderência ao peritônio e muitos órgãos vizinhos, o que facilita a invasão de órgãos adjacentes e formação de fístulas. É animador ver que existem novas opções de tratamento surgindo com promessa de facilitar a experiência do paciente, ainda mais em uma era de avanços substanciais da oncogenética.
Cada vez mais a Oncologia e seus tratamentos apresentam conhecimentos tem se pautado em estudos genéticos sejam das mutações que favorecem o surgimento do câncer quanto de perfis de metabolização de fármacos, como nesse caso. Caracterizar o perfil de metabolização se torna de extrema importância ao lidar com drogas com potencial altamente tóxicos como os da quimioterapia, e na falta de tal caracterização ter atenção redobrada aos efeitos do fármaco no paciente. Assim a oncologia se encontra na vanguarda do manejo de pacientes de forma mais personalizada e especifica que um dia irá ser incorporada a toda medicina.
A comodidade da capecitabina se resume pela via de administração: oral. Foi maravilhoso presenciar a felicidade de um paciente, que consultou na zona 11 do HCPA, portador de câncer retal, ao saber que não precisaria fazer a quimioterapia intravenosa. Ainda assim, há muito o que evoluir em relação aos efeitos adversos do tratamento. Relatou-se diarreia, vômitos e neutropenia. Em um estudo, os efeitos tóxicos agudos foram observados em 38,4% dos pacientes que realizaram quimioradio no pré-operatório e em 57,8% dos pacientes que realizaram quimio no pós-operatório (Bosset et al., 2006). Embora haja alguns desafios a serem enfrentados, o tratamento do câncer retal evoluiu bastante, o que é muito animador.
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