Já existe quebra de paradigma no tratamento dos sarcomas de partes moles?

Primeiros passos no bloqueio da sinalização PDGFR-alfa com olaratumab

Franzoi, MA & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 04(02), 2018

Os sarcomas de partes moles correspondem a apenas 1% das neoplasias malignas do adulto. Todavia, a despeito da raridade, este grupo heterogêneo de tumores está historicamente associado a um mau prognóstico, tanto na doença localmente avançada como metastática. Desde 1980, nenhum estudo clínico prospectivo e aleatório conseguiu superar a marca dos 12 a 16 meses de sobrevida mediana global obtida com  quimioterapia paliativa. O fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) e a interação com o seu receptor (PDGFR) está associado com a diferenciação de células tronco mesenquimais, proliferação e angiogênese. Curiosamente a ativação dos sinais de transdução mediada por PDGFR ocorrem tanto nas células tumorais como no estroma microambiental, potencialmente favorecendo a progressão do tumor por mecanismos autócrinos e parácrinos. O olaratumab é um anticorpo monoclonal IgG1 recombinante que se liga especificamente ao receptor PDGFR-alfa, bloqueando a ligação com PDGF e impedindo a ativação do receptor.

Em junho de 2016, a revista Lancet publica um estudo prospectivo de fase 1b e fase 2 aleatório avaliando a adição de olaratumab a doxorubicina no tratamento paliativo de sarcomas de partes moles com doença irressecável ou metastática. A fase 1b evidenciou, em 15 pacientes, a segurança das doses empregadas. Na fase 2, um total de 133 pacientes foram aleatoriamente distribuídos para um braço controle com doxorubicina isolada e um braço experimental composto pela combinação doxorubicina + olaratumab. Consistiu em uma amostra heterogênea, composta por cerca de 25 variantes histológicas, com predomínio de leiomiossarcoma (38%). Embora o desfecho primário fosse a sobrevida livre de progressão, o maior impacto observado foi o aumento em 11,8 meses na mediana de sobrevida global (HR 0,46 p = 0.0003) favorável ao tratamento combinado. Este resultado inédito em sarcoma de partes moles, levou a aprovação, em caráter de urgência, do olaratumab pelo FDA americano em outubro de 2016, seguido pela ANVISA no Brasil em dezembro de 2017. Este resultado terá que ser validado por estudo de fase III. A aprovação acelerada do uso de olaratumab após estudo de fase 1b e 2 foi devida ao inesperado impacto na sobrevida global de pacientes com sarcoma de partes moles, levando a desconsiderar a limitação metodológica. O estudo também não permitiu mostrar o caráter preditivo da expressão imuno-histoquímica (IHQ) de PDGFR-alfa, pois o teste original apresentava baixa especificidade e as amostras eram compostas por um misto de expressão IHQ no tumor primário e na doença metastática. Uma hipótese interessante para a fase III é a avaliação da expressão de PDGFR-alfa nas células do estroma. O salto sobre as limitações metodológicas traduz a exteriorização de uma angustia internacional reprimida por cerca de 40 anos provocada pela inércia na obtenção de melhores desfechos em sarcomas de partes moles irressecáveis e metastáticos. As vezes a esperança fala mais forte do que a verdade metodológica inquestionável.

 

Referência:

William D Tap, Robin L Jones, Brian A Van Tine, et al: Olaratumab and doxorubicin versus doxorubicin alone for treatment of soft-tissue sarcoma: an open-label phase 1b and randomised phase 2 trial, Lancet Jun 9th, 2016