Dinâmica atemporal do câncer de próstata

Convivendo com vieses e desfechos

James Fleck, MD, PhD: Conexão Anticâncer 21 (11), 2021


O câncer de próstata compete com o câncer de pulmão pela posição de liderança em incidência global das doenças malignas. Dados do Global Cancer Observatory em 2020 mostram uma taxa de incidência bruta de 36,5 e 36,0, respectivamente, para câncer de pulmão e próstata. A assinatura epidemiológica do câncer de próstata nos Estados Unidos é uma questão intrigante, marcada por múltiplas influências. Tomando o ano de 1975 como linha de base, a incidência do câncer de próstata aumenta acentuadamente, especialmente por volta do final dos anos 80 e início dos anos 90, quando a taxa bruta de incidência mais que dobrou (perto de 2,5 vezes, em comparação com a linha de base). O início generalizado do rastreamento com PSA foi o principal responsável por este pico. Na sequência, a mortalidade por câncer de próstata mostrou um ligeiro aumento seguido por uma diminuição consistente (quase metade em comparação com a linha de base). Curiosamente, a incidência de câncer de próstata metastático (CP-m) no momento do diagnóstico apresentou uma esperada queda após o início do rastreamento com PSA, seguida, mais recentemente, por um aumento paradoxal. No entanto, o recente aumento no diagnóstico de CP-m pode não ser um verdadeiro paradoxo, pois esteve associado a uma recomendação de grau D no rastreamento com PSA emitida em 2012 pela US Preventive Service Task Force (USPSTF). Esta recomendação foi associada a uma diminuição adicional na incidência de câncer de próstata, mas também a um ligeiro aumento no diagnóstico de doença metastática. Um grau D significa que a USPSTF foi contra a recomendação do rastreamento com PSA, argumentando que havia um grau de certeza moderado ou alto de que o método não tinha benefício final ou que os danos poderiam superar as vantagens potenciais. Felizmente, em 2018, a USPSTF emitiu uma nova recomendação de grau C, afirmando que o rastreamento do câncer de próstata deveria ser uma decisão individualizada, com base na preferência pessoal, ao ponderar os benefícios e danos do método, apontando para a tomada de decisão compartilhada. Uma análise futura, mais abrangente, da assinatura epidemiológica do câncer de próstata irá avaliar o impacto desta recente revisão de recomendação pelo órgão regulador norte-americano.



Dois terços dos pacientes com câncer de próstata são diagnosticados como doença localizada, seguida por doença regional (11%), metastática (5%) e desconhecida (6%). Essa distribuição é responsável pelos elevados índices de sobrevida relativa total aos 5 anos (97,5%) e aos 10 anos (97,2%). Curiosamente, a taxa de sobrevivência relativa de 10 anos de doença localizada (100%) cai para cerca de 30% quando o paciente é diagnosticado como CP-m, a despeito dos novos avanços no tratamento hormonal e uso de anticorpos monoclonais. Este é o principal motivo para dar atenção especial à dinâmica populacional de incidência do CP-m. A análise regular da incidência do CP-m em sua assinatura epidemiológica é a ação mais importante para avaliar o impacto das intervenções voltadas para a detecção precoce. Trata-se de um indicador melhor que a taxa de incidência bruta de câncer de próstata, pois evita o viés provocado pelo sobrediagnóstico. Também é melhor que a mortalidade específica por câncer de próstata, uma vez que a taxa de mortalidade pode também está associada a avanços nas intervenções terapêuticas, gerando viés de interpretação.

 

Referências:

1.     Global Cancer Observatory: International Agency for Research on Cancer: World Health Organization, 2020

2.     H. Gilbert Welch, Barnett S. Kramer and William C. Black: Epidemiologic Signatures in Cancer, N Engl J Med 381 (14), October 3rd, 2019

3.     Centers for Disease Control and Prevention: Morbidity and Mortality Weekly Report 69 (41), October 16th, 2020

4.     Jason M. Broderick: Incidence of Metastatic Prostate Cancer on the Rise, Oncology 460, November 2020

5.     Virginia A. Moyer: Screening for Prostate Cancer: U.S. Preventive Services Task Force Recommendation Statement, Ann Intern Med 157:120-134, 2012