Estudo observacional conduzido pela Harvard School of Medicine mostra correlação positiva entre desfechos de progressão e sobrevida global
Basso, J & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 11(12), 2017
Tumores neuroendócrinos (Neuroendocrine tumors - NETs) de baixo grau são neoplasias de crescimento indolente, mais frequentemente diagnosticadas no trato gastrintestinal e no pâncreas. Segundo levantamento norte-americano do Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER), os NETs vem apresentado incidência e prevalência crescente nos últimos 40 anos. Os sintomas mais característicos dos NETs ocorrem nos tumores funcionalmente ativos, consequente a secreção tumoral de serotonina e outras moléculas bioativas. Uma característica manifestação clínica é a síndrome carcinóide, manifestada por flushing, diarreia e fibrose de válvulas cardíacas. O tratamento da doença irressecável e/ou metastática busca fundamentalmente controlar os sintomas. As drogas mais utilizadas são os análogos da somatostatina (AS) octreotide / lanreotide, o everolimus (inibidor m-TOR) e o TKI sunitinib. Nos NETs de baixo grau, o impacto do tratamento é evidenciado utilizando desfechos substitutivos como a sobrevida livre de progressão (SLP). O comportamento biológico indolente dificulta a tradução deste benefício no desfecho duro de sobrevida global (SG). Por esta razão, as novas drogas vem sendo aprovadas pelo US Food and Drug Administration (FDA) com base apenas no benefício obtido em desfecho substitutivo.
Em fevereiro de 2017 foi publicado na revista The Oncologist um estudo observacional conduzido pela Harvard School of Medicine evidenciando a relação entre SLP e SG. Foi realizada um análise retrospectiva de 549 pacientes com NETs, tratados com análogos da somatostatina ou everolimus, recrutados do banco de dados do Dana-Farber Cancer Institute no período compreendido entre 1995 e 2013. A progressão de doença era definida por avaliação clínica, exames radiológicos ou pela troca de tratamento. Foram identificados 440 pacientes tratados com AS nos quais a SLP (mediana = 17 meses) guardou correlação positiva com a SG (mediana = 6,4 anos). Foram também analisados 109 pacientes que receberam everolimus revelando correlação positiva entre SLP (mediana = 0,8 anos) e SG (mediana = 3,1 anos). O estudo apresenta vieses que devem ser reconhecidos. Trata-se de uma análise retrospectiva de um único centro, consequentemente não apresentando braço controle e com critérios de progressão não bem definidos. A despeito da limitação metodológica, o estudo sustenta a manutenção do desfecho substitutivo (SLP) como critério para a aprovação e inclusão de novas drogas no cenário dos NETs.
Referências:
1.Ter-Minassian M, et al: Association Between Tumor Progression Endpoints and Overall Survival in Patients with Advanced Neuroendocrine Tumors. The Oncologist, Feb;22(2):165-172, 2017
2.Yao JC, Hassan M, Phan A, et al: One hundred years after “carcinoid”: Epidemiology of and prognostic factors for neuroendocrine tumors in 35,825 cases in the United States. J Clin Oncol 26:3063-3072, 2008
3.Anja Rinke, et al: Placebo-Controlled, Double-Blind, Prospective, Randomized Study on the Effect of Octreotide LAR in the control of Tumor Growth in Patients With Metastatic Neuroendocrine Midgut Tumors: A Report From the PROMID Study Group. J Clin Oncol 27:4656-4663. © 2009
Faz sentido que os NETs de baixo grau utilizem desfechos substitutivos, pois, assim como já foi falado acima, apresentam uma evolução clínica lenta e indolente, portanto desfechos como cura, piora clínica e/ou mortalidade não seriam adequados por questões de orçamento e duração de estudo. Entretanto, eles podem levar a falsas interpretações da eficácia da intervenção se o substituto não for um bom preditor do desfecho clínico, portanto, seria importante a realização de estudos com menos vieses agregados, que tivessem um nível de evidência alto, níveis I e II, para menores chances de erro quanto a decisão de se usar ou não desfechos substitutivos neste tipo de neoplasia.
Uma vez que esses tumores tem uma evolução indolente, o uso de desfechos substitutivo faz-se necessário para tornar o estudo factível do ponto de vista orçamentário e de colocação da droga no mercado. Achei muito interessante a ideia deles de tentarem correlacionar a SLP com a SG, que apesar de ter sido feita em um único centro, sem um grupo controle e com critérios não muito bem definidos mostrou associação positiva. Isso abre precedente para outros estudos nessa linha, que são muito necessários, uma vez que não faz sentido usar a SLP como desfecho primário (como acontece em muitos trials) se essa sobrevida m não se correlaciona com uma redução da mortalidade.
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