Câncer de testículo avançado

A escolha da melhor interferência curativa

Fleck, JF & Albaneze, L: Conexão Anticâncer 15(04), 2017

No homem adulto jovem, o câncer de testículo é o tumor sólido mais frequente, apresentando elevado índice de curabilidade, mesmo na doença avançada. Classificações internacionais têm sido utilizadas para estratificação de risco. As mais empregadas são as desenvolvidas pela Indiana University (IU )e pelo Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC). A primeira utiliza critérios clínicos e de imagem e a segunda incorpora marcadores tumorais em um algoritmo recursivo. Em 1997, o International Germ Cell Cancer Collaborative Group, utilizando uma base de dados composta por mais de 5000 casos de tumores de células germinativas, desenvolveu um novo sistema de classificação representado na tabela abaixo:


Prognóstico

não-seminoma

seminoma

 

 

 

Bom

TP testículo / retroperitônio, sem metástases extrapulmonares + marcadores tumorais: 

AFP (< 1000 ng/mL)

HCG (< 5,000 UI/L)  

LDH (< 1.5 x LS)

Qualquer TP, sem metástases extrapulmonares + marcadores tumorais:

 

AFP (normal)

 

Qualquer HCG

 

Qualquer LDH

 

 

 

Intermediário

TP testículo / retroperitônio, sem metástases extrapulmonares + marcadores tumorais: 

AFP (≥ 1000 ng/mL ≤ 10000 ng/mL) 

HCG (≥ 5,000 UI/L ≤ 50000 UI/L) 

LDH (≥ 1.5 x LS ≤ 10 x LS)

Qualquer TP, com metástases extrapulmonares + marcadores tumorais:

 

AFP (normal)

 

Qualquer HCG

 

Qualquer LDH

 

 

 

Pobre

TP mediastinal, com metástases extrapulmonares ou marcadores tumorais:

AFP (> 10000 ng/mL) 

HCG (> 50000 UI/L)  

LDH (> 10 x LS)

 

 

 

 

SC


TP = Tumor Primário, AFP = Alfafetoproteína, LDH = Desidrogenase Láctica, SC = Sem Classificação

 

A nova classificação proporcionou um downstaging, pois na estratificação proposta pela IU cerca de 27 a 37% dos pacientes integrantes da base de dados seriam considerados de alto risco, enquanto que no novo critério de estadiamento internacional apenas 16% dos pacientes foram enquadrados na categoria de prognóstico pobre.

Em modelos experimentais com intenção curativa magnifica-se a importância da avaliação na relação risco/benefício. Uma das landmarks na escolha da melhor interferência curativa no tratamento do tumor de testículo avançado foi o estudo E3887. Originalmente coordenado pelo Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), o estudo contou com a participação do Southwest Oncology Group (SWOG) e do Cancer and Leukemia Group B (CALGB) tornando-se um Intergroup Trial. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente para receberem 4 ciclos de BEP (Bleomicina + Etoposide + Cisplatina) ou 4 ciclos de VIP (Etoposide + Ifosfamida + Cisplatina). No período de outubro de 1987 a abril de 1992, foram recrutados 304 pacientes classificados com câncer de testículo avançado pelo critério da Indiana University. Subsequentemente, 283 pacientes foram reclassificados conforme parâmetros estabelecidos pela classificação internacional. Em 1998, foi publicado pelo Journal of Clinical Oncology a sobrevida livre de progressão (SLP) e a sobrevida global (SG) em 2 anos para os braços BEP (SLP = 60% e SG = 71%) e VIP (SLP = 64% e SG=74%), as quais não diferiram significativamente. Em 2003, a revista Cancer publica dados maduros de SG em 5 anos nos diferentes subgrupos prognósticos da classificação internacional obtidos com as duas intervenções testadas e conforme expresso na tabela abaixo:

 

Prognóstico/Desfecho

SG – BEP (%)

SG – VIP (%)

SLP – BEP (%)

SLP – VIP (%)

Bom (n = 37)

88

92

75

92

Intermediário (n = 65)

84

77

73

72

Pobre (n = 181)

57

62

49

56


Após seguimento mediano de 7,3 anos e analisando a totalidade da amostra, não houve diferença significativa nos desfechos SLP (BEP = 58% e VIP = 64%) e SG (BEP = 67% e VIP = 69%). Pacientes tratados com VIP apresentaram maior toxicidade hematológica, a despeito do uso recomendado de G-CSF profilático. O esquema BEP continua sendo o standard internacional no tratamento do tumor de testículo avançado. 

Voltando para decisões sustentadas na relação risco/benefício, duas questões devem ser consideradas: A primeira é a toxicidade pulmonar relacionada à bleomicina. A utilização da cintilografia pulmonar com 99Tc-DTPA revelou injuria alveolocapilar após doses acumulativas de bleomicina na ordem de 256 mg, o que corresponderia, aproximadamente, ao término do terceiro ciclo de BEP. Estudos adicionais serão necessários para correlacionar os achados da cintilografia com a expressão clínica de doença pulmonar. No entanto, até o momento, em presença de comorbidades pulmonares, a bleomicina deve ser evitada e, portanto, este grupo específico de pacientes é candidato ao esquema VIP como primeira opção terapêutica. A segunda questão relevante consiste em um grupo infrequente de pacientes cujo decréscimo do marcador tumoral não corresponde ao esperado após o primeiro ciclo de quimioterapia. Sendo fator preditivo de pior prognóstico, a quimioterapia com dose-densa poderia ser uma alternativa de tratamento para este perfil desfavorável. Os resultados do estudo GETUC-13 são promissores, embora, ainda sustentados em desfecho substitutivo (SLP). 

 

Referencias:

International Germ Cell Consensus Classification. A prognostic factor-based staging system for metastatic germ cell cancers. International Germ Cell Cancer Collaborative Group. J Clin Oncol. 15: 594–603, 1997 

Nichols CR, Catalano PJ, Crawford ED, et al. Randomized comparison of cisplatin and etoposide and either bleomycin or ifosfamide in treatment of advanced disseminated germ cell tumors: An Eastern Cooperative Oncology Group, Southwest Oncology Group, and Cancer and Leukemia Group B Study, J Clin Oncol. 16:1287–1293, 1998

Evandro de Azambuja, James Freitas Fleck, Sérgio Saldanha Menna Barreto and Renato Duarte Cunha: Pulmonary epithelial permeability in patients treated with bleomycin containing chemotherapy detected by technetium-99m diethylene triamine penta-acetic acid aerosol (99m Tc-DTPA) scintigraphy, Annals of Nuclear Medicine19 (2): 131–135, 2005 

Azambuja E; Fleck, JF; Batista, RG and Menna Barreto, S: Bleomycin lung toxicity: who are the patients with increased risk? Pulmonary, Pharmacology and Therapeutics18(5):363 – 366, 2005

Fizazi K, Flechon A, Le Teuff G, et al. Mature results of the GETUG 13 phase III trial in poor-prognosis germ-cell    tumors (GCT). Abstract 4504, American Society of Clinical Oncology meeting, 2016