Câncer de ovário recidivado

Timing ideal para tratamento

Fleck, JF: Conexão Anticâncer 1(9), 2019

Em países desenvolvidos, o câncer de ovário lidera a mortalidade por neoplasias malignas ginecológicas. Em escala planetária sua relevância epidemiológica fica evidenciada nos dados publicados em 2018 pela International Agency for Research on Cancer (IARC), ocupando a terceira posição em incidência (ASR = 6.6) e a segunda posição em mortalidade (ASR = 3.9) no ranking dos tumores ginecológicos malignos. A precariedade no diagnóstico precoce tem sido responsável por um índice geral de sobrevida em 5 anos de apenas 45%, o qual vem sendo mantido quase inalterado nos últimos 30 anos. Infelizmente, cerca de 75% dos casos são ainda diagnosticados em estádios que extrapolam os limites do órgão. Esta situação vem acompanhada de elevação nos níveis séricos de CA125, que representa um importante critério de monitoração no tratamento primário do câncer epitelial do ovário, trompa de falópio e peritoneal (COTP). Após remissão completa e normalização dos níveis séricos de CA125, um aumento no marcador permite antecipar a recidiva clínica. A elevação do nível sérico de CA125 precede a expressão de sinais e sintomas por um período variável de meses. Surge, naturalmente, o questionamento sobre o uso do CA125 como critério único para a indicação mais precoce de tratamento do COTP recidivado.

Em outubro de 2010, a revista Lancet publica o trial MRC OV05 / EORTC 55955. Trata-se um elegante estudo prospectivo e aleatório comparando tratamento imediato após elevação sérica de CA125 (2x acima do limite superior da normalidade) com tratamento protelado até o início das manifestações clínicas de recidiva. O critério de elegibilidade foi representado por mulheres com COTP que se encontravam em remissão completa após tratamento de primeira linha com quimioterapia baseada em platina. Após consentimento informado e registro, as pacientes eram monitoradas com CA125 sérico, avaliação clínica e por imagem com periodicidade trimestral. Pacientes e médicos foram cegados quanto aos valores de CA125, os quais eram regularmente encaminhados a um centro coordenador. Se a concentração sérica de CA125 expressasse um valor correspondente a 2x o limite superior da normalidade, as pacientes eram aleatoriamente distribuída na proporção 1:1 para tratamento imediato ou tratamento protelado, seguindo critérios pré-definidos de estratificação. Os dois braços mostraram-se adequadamente pareados e a demografia predominante era de mulheres com tumores epiteliais serosos, compreendidas na faixa etária de 30 a 65 anos, FIGO estádio III, bom PS (0-1), tratadas com combinação de platina + taxano e com duplicação do nível sérico de CA-125 ocorrida após 6 meses de acompanhamento. O tempo médio decorrido entre o registro e a randomização foi de 9.1 meses, a qual ocorreu em intervalo menor do que 28 dias após elevação do CA125. O follow-up mediano foi de 56.9 meses e não houve diferença na sobrevida global (HR 0.98 P = 0.85). A sobrevida mediana após randomização foi de 25.7 meses para pacientes submetidas a tratamento imediato e de 27.1 meses para as que tiveram seu tratamento protelado. Adicionalmente, as mulheres alocadas para tratamento imediato receberam tratamento de terceira-linha em média 4 a 6 meses antes daquelas submetidas a tratamento protelado (HR 0.69 P = 0.0001). O uso da escala QLQ-C30 para avaliar qualidade de vida favoreceu o tratamento protelado. O estudo permite concluir que o uso rotineiro de CA125 após tratamento primário bem sucedido (remissão clínica e laboratorial completa) representa um viés de condução (lead-time bias), apenas antecipando ansiedade e sofrimento.


Referências:

Gordon J S Rustin, Maria E L van der Burg, Clare L Griffin, et al: Early versus delayed treatment of relapsed ovarian cancer (MRC OV05/EORTC 55955): a randomised trial, Lancet376: 1155 – 1163, 2010