Carcinoma de esôfago e junção esofagogástrica

Benefício da ação multidisciplinar

Fleck, JF: Conexão Anticâncer 01(07), 2019

Dados epidemiológicos internacionais atualizados continuam apontando o câncer de esôfago como uma doença de elevada letalidade. Em 2018, a International Agency for Research on Cancer (IARC) divulga uma incidência de 572034 casos (ASR = 6.3) e uma mortalidade de 508585 casos (ASR = 6.7), ambas crescentes. Em contrapartida, esforços internacionais têm buscado um melhor resgate curativo da doença localizada com associações de quimioterapia (QT), radioterapia (RT) e cirurgia (C). Historicamente, a cirurgia exclusiva encontrou limitações na avaliação prévia de ressecabilidade. Estudos que incluíram a cirurgia exclusiva no braço controle, apontaram para 25% de margens comprometidas (R1) e consequente deterioração prognóstica. Avanços nos recursos de estadiamento com melhora da discriminação por imagem e especialmente com o uso de ultrassonografia endoscópica têm evitado o downstaging pré-operatório, melhor uniformizando a elegibilidade de pacientes para estudos aleatórios e prospectivos. Todavia, o câncer de esôfago continua sendo uma doença de expressão biológica heterogênea na dependência do tipo histológico (adenocarcinoma x carcinoma epidermóide) e localização do tumor primário (esôfago alto, médio e baixo), acrescido da inclusão de tumores da junção esofagogástrica (JEG) dividindo o mesmo critério de elegibilidade para estudos clínicos. Estas diferenças são minimizadas pela especificidade do estadiamento proporcionado pela 8ª edição do AJCC (American Joint Committee for Cancer Staging) combinada ao pareamento obtido nos estudos prospectivos e aleatórios, porém mantendo limitações metodológicas na análise de subgrupos. 

A despeito das limitações, já existe consenso internacional sobre o benefício associado ao tratamento combinado (QT + RT + C) do carcinoma de esôfago localizado. Metanálises apontam para um HR= 0.78 favorável ao tratamento combinado comparado à cirurgia exclusiva, proporcionando um aumento de 8.7% na sobrevida absoluta em 2 anos de acompanhamento, com um consequente NNT = 11. A landmark para este novo standard foi o CROSS Trial publicado no New England Journal of Medicine em maio de 2012. Pacientes com câncer de esôfago e JEG T1N1 ou T2-3N0-1 foram distribuídos aleatoriamente para o braço teste composto por QT+RT seguido de C ou para um braço controle com C exclusiva. A dose total de RT foi de 41.4 Gy em 23 frações de 1.8 Gy cinco vezes/semana. A QT consistiu em doses semanais de carboplatina AUC 2 + paclitaxel 50 mg/m2. A técnica cirúrgica variou conforme a localização do tumor primário. A ressecção R0 ocorreu em 92% dos pacientes incluídos no braço teste versus apenas 69% no braço com C exclusiva (P<0.001). Remissões histopatológicas completas foram observadas em 29% dos pacientes submetidos ao tratamento combinado. O follow-up mediano foi de 45.4 meses. Na população ITT a sobrevida global mediana foi de 49.4 meses para o tratamento combinado versus 24 meses para a C exclusiva (P=0.003 HR=0.66). O benefício estendeu-se a todos os subgrupos, inclusive tumores da JEG que compunham 22% da casuística. O tratamento combinado não aumentou a mortalidade perioperatória e não foi impeditivo de resseção cirúrgica (99% dos pacientes do braço controle foram submetidos a cirurgia). O estudo é muito consistente e trata-se de um belo exercício de esforço e benefício multidisciplinar.

ASR = Age Standardized Rate

ITT = Intention-to-treat

 

Referências:

P. van Hagen, M.C.C.M. Hulshof, J.J.B. van Lanschot, et al: Preoperative Chemoradiotherapy for Esophageal or Junctional Cancer, N Engl J Med 366:2074-84, 2012

Chan KKW, Saluja R, Delos Santos K, et al: Neoadjuvant treatments for locally advanced, resectable esophageal cancer: A network meta-analysis, Int J Cancer,143 (2): 430, 2018

Pasquali S, Yim G, Vohra RS, et al: Survival After Neoadjuvant and Adjuvant Treatments Compared to Surgery Alone for Resectable Esophageal Carcinoma: A Network Meta-analysis, Ann Surg, 265 (3): 481, 2017

Global Cancer Observatory 2018