Evoluindo no tratamento hormonal da doença metastática ou localmente avançada
Franzoi, MA; Fleck, JF: Conexão Anticâncer 08(08), 2017
Na segunda metade do século XIX, Thomas Beatson, graduado pela Universidade de Edinburgh, correlaciona, pela primeira vez, a melhora clínica do cancer de mama com a retirada dos ovários. Esta constatação, apesar de preceder em várias décadas a identificação do estrógeno (Edward Doisy, 1930), representou a fundamentação teórica para a hormonioterapia no câncer de mama. Primariamente consistia em métodos puramente ablativos como ooforectomia, adrenalectomia e até mesmo hipofisectomia. Estes procedimentos foram substituídos pelo tamoxifeno e mais recentemente pelos inibidores da aromatase de terceira geração (anastrozol, letrozol e exemestane). Estes agentes, demonstraram superioridade em atividade antitumoral, quando comparados ao tamoxifeno, representando o novo standard para terapia hormonal do cancer de mama metastático ou localmente avançado, diagnosticado em mulheres com expressão de receptores hormonais na pós-menopausa. Em 2002 surge o fulvestranto, um antagonista seletivo do receptor de estrogênio, que conduz a mudança conformacional seguida de degradação do receptor. Veio como uma opção terapêutica de segunda linha para o tratamento de mulheres com câncer de mama metastático-hormônio positivo em status pós-menopausal. Os estudos iniciais com fulvestranto na dose de 250mg demonstraram atividade antitumoral modesta, mas estudos subsequentes com uma dose mais alta (500mg) estabeleceram a superioridade desta medicação quando comparada ao anastrozol ( estudo CONFIRM).
O recente estudo FALCON, publicado na revista Lancet em novembro de 2016, duplo cego e de fase III, reuniu 462 pacientes com cancer de mama metastático ou localmente avançado receptor hormonal positivo não submetidas a hormonioterapia prévia. Estas pacientes foram randomizadas para receber fulvestranto 500 mg IM mensal ou anastrozol 1mg VO diariamente. Os braços de tratamento do estudo foram cegados através de placebo. O desfecho primário foi sobrevida livre de progressão (SLP) através de análise intention to treat. A mediana de sobrevida livre de progressão foi 16,6 meses no grupo com fulvestranto versus 13.8 meses no grupo anastrazol (p=0,04). O maior impacto em sobrevida livre de progressão com o uso de fulvestranto foi nas mulheres com doença metastática não visceral (óssea e linfonodal) apresentando uma média de SLP de 22,3 meses versus 13,8 meses com o uso de anastrozol (HR = 0,59). Os autores concluíram, através deste estudo, que o fulvestranto apresenta eficácia superior ao anastrozol e deveria ser considerado como o tratamento hormonal de primeira linha para mulheres com câncer de mama metastático hormônio positivo e não expostas previamente a hormonioterapia. Em paralelo a este estudo, surgiram os dados do estudo PALOMA-2 que comparou o uso de letrozol versus letrozol e palbociclib (uma medicação da classe do inibidores da ciclina CDK4-6, agindo no ciclo celular) no tratamento de primeira linha da doença metastática hormônio positiva, obtendo uma média de SLP de 24 meses para o grupo experimental mesmo na presença de doença visceral.
Ergue-se então a pergunta de qual o melhor tratamento de primeira linha para mulheres com câncer de mama metastático hormônio positivo? No momento, uma opção razoável seria monoterapia com fulvestranto para as pacientes com doença exclusiva óssea (chegando a uma SLP de quase 2 anos), reservando a combinação de letrozol + palbociclib para as mulheres com maior volume de doença. A publicação dos resultados de sobrevida global dos estudos FALCON e PALOMA-2 deverá esclarecer esta importante questão.
Referência:
Robertson, JF; Bondarenko, IM; Trishkina, E; et al: Fulvestrant 500 mg versus anastrozole 1 mg for hormone receptor-positive advanced breast cancer (FALCON): an international, randomised, double-blind, phase 3 trial, L, The Lancet, Nov 28th, 2016
O declínio da incidência e mortalidade por câncer de mama reflete a detecção precoce por mamografia de rastreamento e uso disseminado de terapia sistêmica adjuvante, bem como redução no uso da terapia de reposição hormonal. Existem fatores de risco como histórico familiar, mutações em genes BRCA 1/2 (50 a 85% de chance de desenvolver esse câncer) e causas hormonais: menarca precoce, menopausa tardia, nuliparidade e primeira gestação tardia. Utiliza-se tamoxifeno na terapia adjuvante endócrina em mulheres de todas as idades e há estudos com agonistas de LHRH, como meio supressor ovariano temporário, e inibidores da aromatase para mulheres em pós-menopausa.
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