Atualização no tratamento adjuvante do câncer de pulmão não de células pequenas

Antecipando o renascimento da abordagem pré-operatória

James Fleck, MD, PhD & Tiago Elias Heinen, MD, PhD: Conexão Anticâncer 11(06), 2022


A terapia adjuvante, uma abordagem curativa pós-operatória sistêmica, tem melhorado significativamente os desfechos no tratamento do câncer de mama e colorretal. Ela foi projetada para reduzir o impacto prognóstico negativo das micrometástases na sobrevida livre de progressão e na sobrevida global. Um desenho de tratamento adjuvante mais refinado tem sido observado com a crescente introdução de terapias personalizadas. Com base em modelos de redução de risco, o benefício atual atribuído ao tratamento adjuvante no câncer de mama proporciona uma redução de 35 a 72% na taxa de mortalidade presumida. Paralelamente, os recursos de avaliação genética do câncer de mama permitiram a identificação de grupos de pacientes que não necessitam de tratamento adjuvante. O mesmo foi observado no câncer de cólon em estágio III, desde os estudos definidores de Charles Moertel no início da década de 1990. O uso pós-operatório de fluoropirimidinas moduladas levou a uma redução de 41% na taxa de recorrência do câncer de cólon e uma redução de 33% em sua taxa de mortalidade esperada. Em sequência, foi observado um benefício adicional no desfecho do câncer de cólon com a incorporação da oxaliplatina (FOLFOX ou CAPOX), quando comparado aquele observado com regime original. 

Infelizmente, o grande impacto da quimioterapia adjuvante observado no tratamento do câncer de mama e do câncer de cólon não foi estendido ao câncer de pulmão não de células pequenas (CPNPC). Apesar do CPNPC ser um tumor de alta relevância epidemiológica, sua taxa de cura persiste em uma faixa muito baixa de 15 a 20% e a quimioterapia adjuvante tem assumido um papel decepcionante na busca de melhores resultados. A Tabela 1 mostra resultados desiguais e sombrios, observados nos mais importantes estudos prospectivos aleatórios de tratamento adjuvante do CPNPC. Um estudo, realizado na população de CPNPC em estágio IB foi negativo (CALGB-9633), enquanto outros, explorando um grupo maior de pacientes (estágios IA a IIIB), mostraram um benefício limitado de sobrevida em 5 anos na faixa de apenas 4,1 % a 15%. Duas metanálises confirmam o baixo benefício (cerca de 5%) na sobrevida em 5 anos.



Progressivamente, a quimioterapia foi também transferida para o cenário pré-operatório, levando à introdução de estratégias neoadjuvantes no tratamento de tumores localmente avançados, tanto no câncer de mama como no câncer de reto. Utilizando-se o conceito neoadjuvante, esperava-se uma redução do tamanho do tumor primário, facilitando a ressecabilidade e posterior avaliação do percentual de remissão patológica completa (RPC). Além disso, os tumores sensíveis à quimioterapia antecipariam uma resposta sistêmica favorável, permitindo o controle precoce da disseminação metastática. Atualmente, a porcentagem de RPC, observada após o tratamento neoadjuvante, tem sido usada como desfecho substitutivo, antecipando um benefício na sobrevida livre de progressão (SLP) e na sobrevida global (SG). Infelizmente, estudos avaliando a abordagem neoadjuvante no CPNPC mostraram os mesmos resultados decepcionantes observados previamente no cenário adjuvante. A vantagem obtida na SLP e na SG em 5 anos, obtidas com quimioterapia neoadjuvante do CPNPC em comparação com a cirurgia exclusiva ainda persiste na faixa de apenas 5 a 6 pontos percentuais. Além disso, a RPC foi observada em uma mediana de apenas 2% a 4% dos pacientes tratados com quimioterapia neoadjuvante. Esses resultados históricos refletem a baixa eficácia da quimioterapia no cenário mais amplo do tratamento do CPNPC, em oposição ao que foi observado no câncer de mama e no câncer colorretal.

Em 2014, o Lung Cancer Mutation Consortium reuniu 20 instituições nos EUA e identificou mutações driver em 62% dos adenocarcinomas de pulmão. Progressivamente, a identificação de uma mutação driver tornou-se um parâmetro de qualidade no tratamento do CPNPC. Atualmente, várias mutações driver têm sido descritas em adenocarcinoma de pulmão, criando padrões genômicos altamente sensíveis à terapia-alvo personalizada. Em paralelo, os inibidores de checkpoints imunológicos (anti-PD1 e anti-PDL-1) surgiram como um tratamento eficaz para o CPNPC, restaurando a função das células T antitumorais. O impacto das novas drogas foi observado pela primeira vez no tratamento do CPNPC avançado, levando a uma tendência à cronificação da doença, especialmente nos adenocarcinomas que expressavam mutação de EGFR ou translocação ALK, bem como em tumores de pulmão com alta expressão de PD-L1. Esses avanços foram rapidamente traduzidos para o cenário adjuvante. O estudo prospectivo randomizado de fase III ADAURA reuniu 682 CPNPC com mutação positiva do EGFR estágio II-IIIA ressecados para receber osimertinib adjuvante ou placebo. Aos 24 meses, 90% dos pacientes no braço do osimertinib versus 44% no braço do placebo estavam vivos e livres de doença (HR=0,17, P<0,001). Embora os dados ainda sejam imaturos para avaliar a sobrevida global, a diferença significativa observada na SLP pode antecipar um grande benefício derivado do uso de osimertinib adjuvante nesta população específica de CPNPC com mutação EGFR positiva. Os resultados preliminares do Impower010, um estudo randomizado, multicêntrico e aberto de fase III, mostraram após um acompanhamento mediano de 32,2 meses da população com intensão de tratar, uma melhora da SLP favorecendo o uso adjuvante de atezolizumab versus cuidados ideais de suporte clínico, em pacientes com CPNPC estágios II a IIIA ressecados (HR=0,67, p=0,04). Um benefício mais pronunciado na SLP, favorecendo atezolizumab adjuvante foi observado no subgrupo PD-L1 ≥ 1% (HR=0,66, p=0,0039). Em 11 de abril de 2022, o New England Journal of Medicine publicou o CheckMate 816, um estudo aberto de fase III, distribuindo aleatoriamente pacientes com CPNPC ressecável estágio IB-IIIA para nivolumab neoadjuvante + quimioterapia à base de platina ou apenas à quimioterapia à base de platina. A SLP mediana foi de 31,6 meses para a estratégia neoadjuvante combinada versus 20,8 meses para quimioterapia neoadjuvante isolada (HR=0,63, p=0,005). Um impressionante índice de RPC foi observado com o uso combinado de nivolumab + quimioterapia neoadjuvantes (24%) versus quimioterapia neoadjuvante isolada (2,2%). Resultados mais maduros serão necessários para confirmar os desfechos substitutos, mas a magnitude das diferenças antecipa uma nova era no tratamento curativo do CPNPC ressecável.


Referências:

1.     Erin V Newton & John V Kiluk: Adjuvant Therapy for Breast Cancer, Medscape March 23rd, 2022

2.     Moertel CG, Fleming TR, Macdonald JS, Haller DG, Laurie JA, Goodman PJ, et al. Levamisole and fluorouracil for adjuvant therapy of resected colon carcinoma. N Engl J Med 322(6):352–8, 1990

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4.     Winton T, et al. Vinorelbine plus cisplatin vs. observation in resected non-small-cell lung cancer. N Engl J Med, 352(25):2589-97, 2005

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6.     Strauss GM, et al. Adjuvant paclitaxel plus carboplatin compared with observation in stage IB non-small-cell lung cancer: CALGB 9633 with the Cancer and Leukemia Group B, Radiation Therapy Oncology Group, and North Central Cancer Treatment Group Study Groups. J Clin Oncol, 26(31):5043-51, 2008 

7.     Pignon JP, et al. Lung adjuvant cisplatin evaluation: a pooled analysis by the LACE Collaborative Group. J Clin Oncol, 26(21):3552-9, 2008

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9.     Wu YL, et al. Osimertinib in resected-EGFR-Mutated Non-Small-Cell Lung Cancer. N Engl J Med, 383(18):1711-1723, 2020

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11.   P.M. Forde, J. Spicer, S. Lu, M. Provencio: Neoadjuvant Nivolumab plus Chemotherapy in Resectable Lung Cancer, N Engl J Med April 11th, 2022