Heterogeneidade tumoral na progressão e obsolescência nos estudos clínicos
Buiar, P & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 25(01), 2018
Recentes avanços obtidos no tratamento paliativo do adenocarcinoma brônquico (AB) são devidos a classificação molecular. A mutação EGFR e translocação ALK traduzem a heterogeneidade na expressão fenotípica tumoral do AB. A classificação morfológica da World Health Organization (WHO) passou a ser complementada por testes moleculares voltados a uma decisão terapêutica customizada com comprovada repercussão prognóstica. Pacientes EGFR mutados tratados com inibidores da tirosina quinase (TKIs) em primeira linha de doença metastática superaram com vantagem marcas históricas de sobrevida global. Adicionalmente, foi observado que os critérios de mensuração de resposta ao tratamento (RECIST) amplamente utilizados em oncologia clínica precisavam ser redefinidos a luz da característica evolutiva das células tumorais. A progressão do AB passou a ser documentada não apenas pelo aumento nas dimensões da lesão índice, mas também por sua reprogramação molecular. Um exemplo é a mutação T790M constatada no exon 20, identificando um clono tumoral distinto de outras variáveis moleculares (amplificação MET e mutação PI3K). A heterogeneidade passou a ser melhor compreendida no cenário evolutivo do tumor com rápidas e constantes adaptações visando burlar o sistema imunológico e paralelamente expressar resistência celular as novas drogas inteligentes. Este mecanismo dinâmico elucidado por marcadores moleculares vem redesenhando estudos clínicos no cenário paliativo de tratamento do AB, tanto em primeira linha como em segunda linha. Desfechos substitutivos como sobrevida livre de progressão permitem antecipar resultados evitando que venham a ser obsoletos por ocasião da publicação.
Um exemplo de defasagem observada entre a classificação molecular e o desenho de estudo clínico em AB avançado pode ser observado no estudo IMPRESS publicado na revista Lancet Oncology em julho de 2015. Trata-se de um estudo prospectivo aleatório de fase III comparando o tratamento de segunda linha do AB EGFR mutado com manutenção de gefitinib + quimioterapia versus quimioterapia exclusiva. O estudo foi negativo, com desfechos desfavorecendo a manutenção de gefitinib. Todavia, durante o período de inclusão de pacientes no estudo IMPRESS já estavam surgindo evidências sobre a mutação T790M como mecanismo de resistência ao gefitinib. Em 2014, o estudo AURA3 já iniciava o recrutamento de pacientes para tratamento do AB EGFR mutado em segunda linha com osimertinib, um EGFR-TKI seletivo para mutação T790M. Neste cenário, a superioridade do osimertinib sobre a quimioterapia exclusiva acabou conduzindo a uma aprovação acelerada da nova droga pelo FDA. Dados recentes publicados pelo estudo FLAURA, expandem o uso de osimertinib para a primeira linha terapêutica paliativa do AB EGFR mutado, mostrando vantagem em desfechos substitutivos sobre os EGFR-TKIs de primeira geração. A atual velocidade na aquisição do conhecimento é possivelmente o principal fator gerador da defasagem identificada no desenho do estudo IMPRESS. O uso de big data no futuro poderá eventualmente reduzir a obsolescência de novos estudos.
Referência:
Soria, J; Wu, Y; Nakagawa, K; et al: Gefitinib plus chemotherapy versus placebo plus chemotherapy in EGFR mutation-positive non-small-cell lung cancer after progression on first-line gefitinib (IMPRESS): a phase 3 randomised trial, The Lancet Oncology 16:990-998, 2015
Estudar o câncer a partir de uma perspectiva genética é muito promissor, porém muito desafiador. Isso porque enquanto os estudos nos modelos tradicionais buscam novas drogas que ataquem uma proteína ou receptor mutados, por exemplo, o câncer dos pacientes em pesquisa se responsabiliza por gerar novas mutações que podem falsear resultados. É por isso que precisamos pensar cada vez mais em medicina personalizada e menos em medicina generalizadora.
A medicina personalizada foi um avanço muito importante, principalmente na área da oncologia, que passou a tratar o câncer como doença crônica, graças a descoberta de terapias alvo moleculares. Essas terapias são eficientes no prognóstico e sobrevida de cânceres que antigamente eram fatais. E o mais interessante é que essas terapias moleculares podem servir para vários tipos de cânceres, já que eles apresentam mutações em comum.
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