A quebra de um paradigma mutilador

Tratamento de tumores de cabeça e pescoço com menor mutilação e dano funcional 

Buiar PG & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 18(04), 2017

O câncer de cabeça e pescoço engloba um grupo heterogêneo  de neoplasias do trato aero-digestivo superior. Os fatores de risco incluem tabagismo, etilismo e infecções pelo Papiloma-Vírus Humano (HPV). O  subtipo histológico predominante é o carcinoma de células escamosas e em sua totalidade corresponde a 4,8% das neoplasias malignas. Historicamente, a base do tratamento era exclusivamente cirúrgica e não-infrequentemente envolvendo grandes ressecções com algum grau de deformidade facial ou dano funcional. Com o passar do tempo surgiram opções como a preservação de órgão no carcinoma da laringe e uso de multimodalidade terapêutica em cirurgias R1 visando a manutenção de funções importantes como a mastigação, deglutição, fonação e estética facial.

Em situação localmente avançada existe alta taxa de recidiva local (30%) e sistêmica (25%). Quando no pós-operatório são encontrados dois ou mais linfonodos comprometidos, extravasamento nodal extra-capsular ou invasão microscópica de margem cirúrgica o índice de recidiva local pode chegar a níveis tão altos quanto 60%, com prejuízo na sobrevida e qualidade de vida.

Em maio de 2004 a revista New England Journal of Medicine publica um estudo clássico sustentando o uso da combinação de radioterapia e quimioterapia no tratamento pós-operatório de pacientes com carcinoma escamoso da cabeça e pescoço, classificados como apresentando alto risco de recidiva. Tratava-se de um estudo Intergroup (RTOG 9501, ECOG R9501, SWOG 9515) de fase III. Foram selecionados 459 pacientes e distribuídos aleatoriamente para um braço controle tratado com radioterapia pós-operatória isolada (60 Gy / 30 frações / 6 semanas, com ou sem boost de 6 Gy / dia / 3 dias) versus um braço teste (mesmo programa de irradiação combinado com cisplatina 100 mg/m2 nos dias 1, 22 e 43).

Aos 46 meses de acompanhamento, a recidiva local ocorreu em 30% dos pacientes do grupo tratado com radioterapia exclusiva pós-operatória versus 19% no grupo que recebeu terapia combinada (p=0,01). A estimativa de sobrevida livre de recidiva locoregional foi de 82% no grupo de tratamento combinado versus 72% no grupo controle (p=0,04). Este ganho em controle locoregional fez-se às custas de maior toxicidade, todavia viabilizando cirurgias menos mutiladoras.

 

Referência:

Jay S. Cooper, M.D., Thomas F. Pajak, Ph.D., Arlene A. Forastiere, M.D., et al: Postoperative Concurrent Radiotherapy and Chemotherapy for High-Risk Squamous-Cell Carcinoma of the Head and Neck, NEJM 350, 1937-44, 2004