Buscando o ponto de equilíbrio e dando os primeiros passos na tomada de decisão
James Fleck: Conexão Anticâncer 28 (04), 2020
Dificuldades na organização dos recursos de saúde durante uma pandemia são esperadas e os problemas podem ser mitigados com uma abordagem racional. A estratégia de distanciamento social tem sido historicamente promovida como uma alternativa eficaz de intervenção precoce durante o surto de doenças infectocontagiosas de evolução rápida. Oportunamente, o lead time é usado para melhor equipar o sistema de saúde, fornecendo condições mais favoráveis para suportar a demanda crescente. Neste momento, o painel COVID-19 Dashboard by the Center for Systems Science and Engineering at Johns Hopkins está mostrando que no mundo existem mais de 3 milhões de casos confirmados, levando a 212.221 mortes. O sistema de saúde em alguns países europeus e em alguns estados nos EUA e no Brasil já enfrentou ou está antecipando riscos com provável sobrecarga assistencial. Pacientes com comorbidades têm maior risco de síndrome respiratória aguda grave e precisam de apoio em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Dados relatados pela primeira vez na China revelaram que 39% dos pacientes com câncer e confirmados com COVID-19 necessitaram de cuidados em UTI. Esse achado, embora preliminar, tem gerado incertezas nas recomendações de diagnóstico, tratamento e acompanhamento do câncer. Este é um momento de excepcionalidade, em que as diretrizes adotadas de recomendações nos cuidados de pacientes com câncer precisam ser temporariamente reavaliadas. Embora seja impossível usar um modelo único, recomendações gerais contribuem para um sistema melhor organizado. Além disso, nosso conhecimento atual em biologia tumoral e seu comportamento clínico mostra que alguns tumores não exigem intervenção imediata.
Recentemente publicado no Annals of Internal Medicine, o artigo A War on two Fronts sugere critérios a serem adotados no tratamento de câncer, durante a pandemia por COVID-19. Um grupo qualificado de médicos do Fox Chase Cancer Center, Filadélfia, Pensilvânia, EUA, propôs recomendações gerais a serem adotadas, enquanto o cenário de pandemia persistir (veja o quadro abaixo). As sugestões foram feitas visando a proteção do paciente. A estratégia enfatiza o conceito de mitigação. A redução de casos graves no sistema de saúde reduz o risco de sobrecarga, impedindo um aumento inaceitável na taxa de mortalidade. A vulnerabilidade natural dos pacientes com câncer, ironicamente combinada com eventos adversos relacionados à cirurgia, quimioterapia ou radioterapia, requer uma atitude equilibrada na tomada de decisão. Nesse período incaracterístico, alguns procedimentos diagnósticos e terapêuticos podem ser adiados com relativa segurança, baseado no comportamento biológico indolente de alguns tumores. Por outro lado, tumores agressivos devem ser tratados imediatamente. Olhando para os dois lados no atual cenário da pandemia, o rastreamento do câncer deve ser adiado e a futilidade, mais do que nunca, evitada em pacientes terminais. Nos ensaios clínicos, a integridade dos estudos em andamento deve ser preservada, com atenção especial à segurança do paciente. A telemedicina deve ser implementada, fornecendo serviços de boa qualidade, evitando traslado desnecessário de pessoas para os estabelecimentos de saúde. Como a história já mostrou, a pandemia vai passar, mas uma lição de flexibilidade adaptativa será aprendida.
Referências:
1. Alexander Kutikov, David S. Weinberg, Martin J. Edelman, Eric M. Horwitz, Robert G. Uzzo, and Richard I. Fisher: A War on Two Fronts: Cancer Care in the Time of COVID-19, Annals of Internal Medicine, March 27th, 2020.
2. Wenhua Liang, Weijie Guan, Ruchong Chen, et al: Cancer patients in SARS-CoV-2 infection: a nationwide analysis in China, Lancet Oncol, Feb 14th, 2020
O presente momento estabelecido pela pandemia proporcionada pelo vírus SARS-CoV-2, faz-nos enfrentar diversos desafios com relação ao tratamento dos pacientes com as mais diversas patologias numa conjuntura de sobrecarga crescente dos sistemas de saúde. Assim sendo, considerando as doenças que mais estão suscetíveis a COVID-19 está o câncer, sobretudo, pela necessidade aumentada de leitos de UTI. Nesse sentido, estratégias para o tratamento, prevenção e rastreio da doença são imperativas. O guideline exposto acima torna-se fundamental para que esses pacientes continuem obtendo o tratamento e atenção adequados ainda que num período de exceção como este atual.
Nesse momento excepcional, sistemas de saúde, profissionais e pacientes estão em constante adaptação. Nesse sentido, há desafios: como manter a qualidade no atendimento aos pacientes com câncer? Em quais casos utilizar telemedicina como meio de preservar distanciamento? Quais cirurgias priorizar? São escolhas difíceis que se mostram necessárias devido à sobrecarga do sistema e à necessidade de proteger pacientes de câncer de exposições evitáveis, visto sua vulnerabilidade a formas graves de COVID-19. É imperativo, portanto, que nos mantenhamos atualizados quanto a novos dados, artigos e recomendações providos por fontes confiáveis, como as desse editorial, para guiarmos nossa conduta baseada em evidências.
A estratégia de tomada de decisão faz parte de um ramo de conhecimento médico de ímpar importância para a formação de novos profissionais. O conhecimento sobre o câncer (biologia e comportamento tumoral), por exemplo, não vem apenas para nortear o esquema terapêutico, mas também para indicar quando devemos tratar o paciente. Essa questão reforça a relevância da medicina personalizada, centrada no paciente, capaz de analisar caso a caso conforme sua individualidade, especificidade e singularidade. É por meio desta que conseguimos aumentar os benefícios e reduzir as iatrogenias no cuidado do paciente oncológico. Finalmente, no contexto da COVID-19, essa tomada de decisão colabora para uma melhor gestão de recursos da saúde que termina por reduzir o risco de sobrecarga de leitos hospitalares.
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