Expressão de resistência aos TKIs
Fleck, JF: Conexão Anticâncer 24(09), 2019
O epidermal growth factor receptor (EGFR) é encontrado como monômero na membrana de células normais. Sua dimerização e ativação da cadeia de transdução de sinal mediada por tirosina quinase promove regulação fina na expressão fenotípica celular do epitélio brônquico. Na célula tumoral, a mutação sensibilizante de EGFR interfere no microambiente celular, desregulando processos proliferativos, angiogênese e apoptose. Na América, aproximadamente 15% dos pacientes diagnosticados com adenocarcinoma brônquico expressam uma mutação somática para EGFR (deleção no EXON 19 - mutação puntiforme L858R no EXON 21), preditiva de resposta ao tratamento sistêmico com inibidores da tirosina-quinase (TKIs). No cenário metastático, o tratamento em primeira linha do adenocarcinoma brônquico EGFR-mutado com um inibidor de TKI aumentou a sobrevida livre de progressão (SLP) ao ser comparado com doublets de quimioterapia baseados em platina. O uso habitual de crossover em segunda e terceira linhas limita conclusões sobre seu impacto em sobrevida global (SG). Análise interina do estudo FLAURA, publicado no New England Journal of Medicine em janeiro de 2018, favorece o uso upfront de um TKI de terceira geração denominado osimertinib capaz de sobrepor-se à resistência expressa pela mutação T790M. O tratamento do adenocarcinoma brônquico EGFR-mutado em primeira linha paliativa com osimertinib revelou aumento de SLP (18.9 meses) ao ser comparado com aquela obtida com o uso upfront de gefitinib ou erlotinib (10.2 meses). Este benefício ocorreu independente da presença de metástases cerebrais e foi acompanhado de menor toxicidade. Adicionalmente, houve uma tendência de aumento na SG (HR 0.63 – dado imaturo com apenas 25% dos eventos) favorável ao uso upfront de osimertinib.
A despeito do progressivo aumento em SLP obtido com o uso de TKIs no tratamento paliativo do adenocarcinoma brônquico EGFR-mutado, a emergência de resistência celular costuma ocorrer. Surge a hipótese alternativa de um potencial benefício obtido com o uso de TKIs combinados à quimioterapia. Estudos pré-clínicos indicaram um potencial sinergismo na associação de TKIs com derivados de platina (cisplatina ou carboplatina), possivelmente relacionado a um efeito antiangiogênico mediado por c-MYC, fator regulador de transcrição HIF-2 alfa e vascular endothelial growth factor (VEGF). No entanto, uma metanálise incluindo 191 estudos de fase II não demonstrou benefício em SLP e SG com a combinação de TKIs, carboplatina e paclitaxel, adicionalmente marcada por aumento de toxicidade. A falha no benefício tem sido explicada por antagonismo farmacocinético no qual gefitinib interferiria negativamente com volume de distribuição intracelular de cisplatina. Por outro lado, estudos indicam um potencial sinergismo no uso de pemetrexede com TKIs, eventualmente este sobrepondo-se a emergência de resistência celular no adenocarcinoma brônquico EGFR-mutado.
Em agosto de 2019, o Journal of Clinical Oncology publica um estudo prospectivo aleatório de fase III comparando o uso de gefitinib isolado com a combinação de gefitinib + quimioterapia (4 ciclos de pemetrexede + carboplatina e manutenção com pemetrexede) para tratamento em primeira linha paliativa de pacientes com carcinoma de pulmão EGFR-mutados. No braço de tratamento combinado a SLP foi de 16 meses, comparando-se favoravelmente com os 8 meses de SLP obtida no braço constituído por gefitinib isolado (HR = 0.51 P < 0.001). O benefício parece estender-se ao desfecho secundário de SG, correspondente a 17 meses no braço controle (gefitinib) e não tendo sido atingido no braço combinado (HR = 0.45 P<0.001). Este último desfecho é prematuro, mostrando-se fragilizado pelo curto seguimento mediano alcançado por ocasião da publicação (17 meses). O benefício obtido com o tratamento combinado ocorreu às custas de uma duplicação no percentual de toxicidade clinicamente relevante, atingindo 50.6% no braço gefitinib + quimioterapia versus 25.3% observado com o uso exclusivo de gefitinib (P<0.001). A toxicidade poderia ser minorada com a exclusão de carboplatina no braço combinado com gefitinib, considerando o antagonismo farmacocinético previamente descrito. A despeito da distribuição aleatória, o braço com uso exclusivo de gefitinib incluiu maior percentual de metástases cerebrais exclusivas (7% com TKI isolado versus 1% com tratamento combinado) e comorbidades (20% com TKI isolado versus 13% com tratamento combinado) o que pode eventualmente ter contribuído para uma redução na SLP esperada no uso upfront de gefitinib. O estudo não avalia custo-efetividade e embora tenha coletado dados relativos a avaliação de qualidade de vida (QOL), não os analisou e/ou disponibilizou. Os desfechos atualmente obtidos com osimertinib no tratamento do adenocarcinoma brônquico metastático EGFR-mutado tornam este estudo clinicamente obsoleto, eventualmente podendo ser considerado como gerador de hipóteses na dependência de melhor sustentação em pesquisa básica.
Referências:
Tsai CM, Chen JT, Stewart DJ, et al.: Antagonism between gefitinib and cisplatin in non-small cell lung cancer cells: why randomized trials failed?, J Thorac Oncol 6(3): 559-568, 2011
Jean-Charles Soria, Yuichiro Ohe, Johan Vansteenkiste, et al: Osimertinib in Untreated EGFR-Mutated Advanced Non–Small-Cell Lung Cancer, N Engl J Med378:113-125, 2018
Vanita Noronha, Vijay Maruti Patil, Amit Joshi, et al:Gefitinib Versus Gefitinib Plus Pemetrexed and Carboplatin Chemotherapy in EGFR-Mutated Lung Cancer, J Clin Oncol, Aug 14th, 2019
O câncer que afeta o trato respiratório, estando incluindo como importante componente o adenoacarcinoma brônquico, é, segundo dados do INCA, uma das neoplasias mais incidentes e que em números totais causa mais mortes no Brasil, tanto entre homens quanto em mulheres. Além disso, recentes e animadores avanços da biologia molecular são refinados no sentido de produzir terapias-alvo direcionadas a mutações específicas do tumor. Some-se a isso a escalada do câncer como uma das principais causas de morte na última década e o conceito que tratamento paliativo pode ter como resultado taxas de sobrevida acima de 5 anos para alguns tipos de tumor. Está montado o cenário que explica a importância de pesquisa com drogas inovadoras, que atuem com tecnologia de terapia-alvo e com vistas a prolongar - e com qualidade de vida - o tempo de sobrevida de pacientes com diagnóstico de adenocarcinoma brônquico. Embora os resultados com uso de osimertinib, como descrito acima, ainda não sejam os esperados, esse é um marco de aprendizado na busca da compreensão da ciência por trás de tratamentos melhores para uma doença prevalente.
Vamo lá: Do estudo da Vanita Noronha: esse desbalanço nos grupos controle e intervenção, no que diz respeito a metástases e tal, é um tipo de viés conservador, que favorece a força do estudo... BUT, amiga, sem colocar a qualidade de vida no estudo não rola né, já que trata-se de novas abordagens em terapias de suporte. Claro, a sobrevida aumentar já um achado a ser comemorado, mas como estamos falando desse grupo restrito na ponta da situação de acompanhamento, crucial termos dados pra debater as implicações desse tipo. Do estudo do Soria: ótimos benefícios, com bom ganho de SLP. N grande também. Boa qualidade de estudo. GRADE: alto nivel de evidencia. Das terapias alvo: é lindo ver os avanços dessa área. Novas drogas para grupos tão restritos de pacientes, que ajudam a ganhar tempo na terra, auxiliando no suporte a vida, com tamanha especificidade fisiopatologia em sua ação, agregando conhecimentos de mapeamento genético, biologia molecular, engenharia molecular, estatística aplicada, clínica médica; trazendo a tona discussões como o suporte á vida... uou, é simplesmente lindo estar acompanhando isso.
Atualmente, o câncer de pulmão é a principal causa de morte por câncer no mundo. Sua incidência na Argentina também aumentou progressivamente, o que, juntamente com a alta taxa de fumantes em nosso país, o torna um sério problema de saúde pública. Apesar da letalidade dessa neoplasia e do aumento de sua incidência em todo o mundo, os avanços descritos neste artigo permitem vislumbrar um futuro melhor para pacientes com câncer de pulmão.
Como o artigo nos apresenta, o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) é uma proteína encontrada na superfície das células, que normalmente as ajuda a crescer e se dividir. Porém, devido a algumas variações genéticas, alguns indivíduos apresentam uma maior expressão dessas moléculas em células de adenocarcinoma pulmonar, produzindo-as em excesso, aumentando a velocidade e intensidade de crescimento. O inibidores de EGFR têm sido usados nos tratamentos desse cânceres, fazendo parte das mais novas tecnologias de tratamento biomolecular, atingindo as células com mutações nesse receptor. A prevalência dos casos de adenocarcinoma brônquico que possuem essa mutação no gene do EGFR é razoavelmente alta, e por isso, devemos buscar o avanço e melhoras desses tratamentos individualizados de ponta. Esses pacientes apresentam uma melhor resposta ao tratamento com os inibidores, aumentando a sobrevida livre de progressão em comparação a outros quimioterápicos em pacientes metastáticos. Ele pode ser usado em primeira linha, apresentando também um aumento da sobrevida desses pacientes e menor toxicidade, ou como terapia adjuvante.
O receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) relaciona-se com o crescimento e a divisão celular, por isso usa-se inibidores de EGFR como meio de evitar a proliferação exacerbada das células tumorais, quando o receptor se encontra mutado. Quatro ensaios clínicos de fase III adicionando inibidores da tirosina cinase do EGFR ao tratamento quimioterápico padrão em pacientes com câncer não-pequenas células do pulmão falharam em apresentar benefício, por mecanismo de antagonismo com cisplatina, diminuindo o volume de distribuição intracelular desta. O Osimertinib mostrou eficácia superior aos EGFR-TKIs como primeira linha no tratamento de cancer de pulmão com mutação no receptor, com perfil de segurança similar e menor taxa de efeitos adversos.
A guerra contra o câncer envolve campos de batalha moleculares cujo terreno estamos a cada dia mapeando, bem como novas armas adaptadas ao ataque e ao contra-ataque. Utilizando a alegoria da guerra, o câncer de pulmão, em especial o adenocarcinoma brônquico, consiste no conflito que mais gera vítimas fatais no Brasil. Vencer a guerra talvez seja a busca por dignidade humana. Dentro da saga que envolve o desenvolvimento de TKIs, fármacos quimioterápicos e estratégias bélicas para cada situação de guerra, devemos nos sentir vitoriosos a cada ponto em SG, SLP e qualidade de vida, não esquecendo jamais dessa última.
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