O dilema no uso de medicações de alto custo
Rebelatto T & Fleck JF: Conexão Anticâncer 30(05),2017
O melanoma ocupa o quinto lugar em incidência entre as neoplasias malignas nos EUA. Trata-se de um tumor agressivo cuja sobrevida relativa em 5 anos passa de 98% em estádios iniciais para 17% na doença metastática. O cenário de prognóstico desfavorável na doença metastática vem conduzindo a uma busca de melhor compreensão do microambiente celular, subcategorização molecular do melanoma e consequente surgimento de novas drogas com maior impacto em sobrevida. Cerca de 50% dos melanomas apresentam mutação BRAF, predominando uma alteração no códon 600, caracterizada como BRAFV600E. Nesta circunstância, a ativação BRAF ganha autonomia, não respondendo mais a fatores reguladores e promovendo uma multiplicação celular excessiva, o que resulta na progressão do melanoma. O vemurafenib é uma droga que bloqueia e expressão de BRAF mutado, interrompendo a cascata de transdução de sinal para multiplicação celular e melhorando a sobrevida de pacientes com melanoma metastático com fenótipo BRAF mutado.
Outro cenário é o do melanoma metastático BRAF não-mutado (BRAF wild type) em que a opção terapêutica atual recai sobre os inibidores de check points imunológicos anti-CTLA4 (ipilimumab=IPI) e anti-PD1 (pembrolizumab=PEMBRO e nivolumab=NIVO) que restauram o reconhecimento imunológico sobre as células tumorais. Embora representem opções terapêuticas promissoras são drogas que aliadas a efeitos adversos agregam alto custo no contexto de um tratamento com intenção paliativa. Por esta razão, o Journal of Clinical Oncology publica em abril de 2017, um artigo avaliando custo-efetividade no uso de inibidores de check points imunológicos em melanoma avançado BRAF wild-type. Foi utilizado um modelo abrangente de Markov, avaliado a efetividade dos novos tratamentos sob a luz do custo, qualidade e quantidade do ganho obtido em sobrevida. O modelo foi construído sobre uma coorte hipotética composta por seis braços de estudos clínicos prévios prospectivos e aleatórios de fase III. O melhor índice em custo-efetividade em melanoma avançado BRAF wild-type foi observado com dois esquemas sequenciais: Esquema I ( PEMBRO a cada três semanas em primeira linha, seguido de IPI em segunda linha) e Esquema II ( NIVO em primeira linha, seguido de IPI em segunda-linha). Embora a metodologia possa ser questionada, este trabalho representa um avanço na racionalização para uso de medicações de alto custo e seu consequente suporte financeiro em sistemas de saúde pública e privada.
Referência:
Kohn CG; Zeichner SB; Chen Q: Cost-Effectiveness of Immune Checkpoint Inhibition in BRAF wild-type Advanced Melanoma, J Clin Oncol 35: 1194 – 1202, 2017
A radiação UVB pode ser fortemente associada à malignidade, sendo responsável pelo desenvolvimento do 5º tumor maligno mais comum: o melanoma. Sabemos que, associado a esse diagnóstico, uma luta também se inicia. Para o tratamento de melanoma em estágio final com BRAF mutado foi desenvolvido o vemurafenibe. O tratamento para melanoma com BRAF wild type/não mutado com dacarbazine vem sendo susbstituído pelo uso de inibidores de check point imunológicos, que demonstraram um aumento da sobrevida. Contudo, esses inibidores também estão associados a efeitos adversos e um custo significativo - o FDA não leva em conta custo-efetividade ao tomar decisões sobre a aprovação de drogas.
O custo de novas intervenções terapêuticas, sobretudo na perspectiva de gestão de saúde pública, está constantemente rodeado de dilemas éticos. Quando um tratamento tem intenção terapêutica, raras são as vezes em que seu uso, ainda que extremamente caro, é questionado. Entretanto, ao entrar nas áreas cinzentas dos tratamentos paliativos, buscando aumento da qualidade de vida e alguma mudança talvez não tão significativa na sobrevida (o que é questionável, visto que para uma pessoa, até mesmo um mês a mais de vida com a família é indispensável) temos muitas dúvidas: a ética aqui, e especificamente em um sistema de saúde pública como o SUS, transcende o indivíduo e aborda a gestão de recursos eficiente e que trará o máximo de benefícios em sua totalidade. Nessa discussão, é imperativo evitar falácias argumentativas como as comparações entre distribuir à população uma quantidade de vacinas, por exemplo, proporcional ao custo do tratamento por um mês com imunobiológico. Ademais, estudos como esse, por mais que talvez operacionalmente questionáveis, são imprescindíveis. Dessa maneira, é possível escalar a medicina baseada em evidências para algo como uma gestão baseada em evidências.
Os tratamentos com medicamentos do porte dos citados no artigo (ipilimumab, pembrolizumab e nivolumab), isto é, os imunobiológicos, possuem os mesmo dilemas abordados pelo artigo para outras doenças para quais são utilizados (DII, por exemplo, e outros cânceres além do melanoma), valorizando, então, a importância de utilizar a medicina baseada em evidências não apenas para selecionar quais os que funcionam, mas também fazer estudos de custo-efetividade, como citado acima, pois não podemos deixar de tratar os pacientes que necessitam do medicamento e que possivelmente viverão mais ou melhor ao utilizá-los pois isto seria anti-ético, contra os princípios de Hipócrates, por isso devemos fazê-lo de modo consciente.
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