Tecnologia promissora operador-dependente e com baixa disponibilidade
Peixoto, J & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 04(06), 2018
A progressão do câncer de ovário frequentemente ocorre por disseminação celômica, caracterizada exclusivamente por ascite e implantes peritoneais, configurando o estádio III. Seu tratamento standard consiste em quimioterapia sistêmica + cirurgia citorredutora. Há muitos anos vem sendo postulado o acréscimo de quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (hyperthermic intraperitoneal chemotherapy - HIPEC)) pós-operatória para pacientes quimossensíveis. A baixa disponibilidade do método e o baixo nível de evidência de estudos anteriores não permitiam introduzir a mudança na estratégia de tratamento. Recentemente, um estudo holandês aleatório, prospectivo e de fase III promoveu aumento de sobrevida no câncer de ovário estádio III com a inclusão da HIPEC. O estudo foi publicado no New England Journal of Medicine em janeiro de 2018. Um total de 245 pacientes com carcinoma epitelial de ovário – estádio III e com doença pelo menos estável após três ciclos de quimioterapia (carboplatina + paclitaxel) foram submetidos a cirurgia citorredutora de intervalo. Pacientes com citorredução completa ou ótima (doença residual ≤ 10 mm) foram distribuídos aleatoriamente para dois braços com (+) ou sem (-) HIPEC. Três ciclos adicionais de carboplatina e paclitaxel foram administrados no pós-operatório em ambos os braços. Na análise intention-to-treat, a mediana de sobrevida livre de recidiva foi de 10,7 meses no braço cirurgia (-) HIPEC e 14,2 meses no braço cirurgia (+) HIPEC. Em um acompanhamento mediano de 4,7 anos, a mortalidade foi de 62% nas pacientes do braço cirurgia (-) HIPEC e 50% nas pacientes do braço cirurgia (+) HIPEC (HR 0,67, IC=95%, P=0,02). A mediana de sobrevida global foi de 33,9 meses no braço cirurgia (-) HIPEC e de 45,7 meses no braço cirurgia (+) HIPEC. A porcentagem de pacientes que tiveram eventos adversos de grau 3 ou 4 foi semelhante nos dois grupos de pacientes.
Os resultados do estudo certamente são encorajadores, mas ainda restam dúvidas sobre a melhor forma de aplicar essa técnica na rotina assistencial de pacientes com carcinoma epitelial de ovário – estádio III. A experiência clínica é um importante direcionador de resultados no caso de procedimentos técnicos operador-dependentes. Adicionalmente, há questões como o aumento do tempo cirúrgico e o maior tempo de hospitalização, o que irá requerer uma acurada avaliação de custo-efetividade.
Referência:
Willemien J. van Driel, Simone N. Koole, et al: Hyperthermic Intraperitoneal Chemotherapy in Ovarian Cancer, N Engl J Med 378:230-240, 2018
Pacientes oncológicos vivem uma luta constante contra o tempo, na maioria das vezes apenas para prolongar sua sobrevida. No entanto, ainda há diversas possibilidades de estudos com chance de modificar este triste cenário. Um estudo holandês, publicado em janeiro de 2018 no New England Jounal of Medicine, que analisou 245 pacientes com câncer epitelial de ovário estabilizado após 3 ciclos de quimioterapia associada à cirurgia citorredutora de intervalo, conseguiu demonstrar um aumento na sobrevida média, livre de recidiva, aumento na sobrevida global e diminuição na taxa de mortalidade no grupo de pacientes que realizaram HIPEC. Com certeza é um resultado positivo, apesar da necessidade de maior experiência clínica para criação de protocolos para o uso da HIPEC.
No mundo oriental , o câncer de ovário tem a maior taxa de mortalidade dentre as neoplasias ginecológicas. Na atualidade, o tratamento de escolha para esse câncer em estágio avançado é a combinação de cirurgia citorredutora mais quimioterapia intravenosa. A introdução da quimioterapia intraperitoneal ao tratamento de escolha ( cirurgia citorredutora mais quimioterapia intravenosa) demonstrou um aumento na sobrevida global de pacientes com câncer de ovário em estádio III, contudo diversos problemas relacionados a aplicação do método intraperitoneal e os efeitos adversos , dificultam o uso desta estratégia de tratamento . E diante do quadro , acima exposto, foi realizado um estudo multicêntrico de fase III , onde foram randomizados 245 pacientes que apresentavam doença estável após três ciclos de quimioterapia intravenosa com carboplatina e paclitaxel e estavam no intervalos entre as cirurgias de citorredução. No braço intervenção foi administrado , por técnica de HIPEC, 100mg de Cisplatina mais cirurgia de citorredução e no braço controle somente cirurgia . O estudo demonstrou bons resultados perante o desfecho primário , aumento da sobrevida pós tratamento , onde demonstrou um aumento considerável na sobrevida do grupo intervenção em relação ao grupo controle. Os resultados , porém não obtiveram significância estatistica (p=0,02), desta forma é necessário um maior número de estudos sobre a técnica , bem como a formatação de protocolos para o seu uso.
Já é consolidado o conhecimento de que o CA de ovário tem grande mortalidade e é diagnosticado, na maioria das vezes, tardiamente. Consequentemente, quando o trabalho apontou um aumento de sobrevida para as pacientes que fizessem uso do novo tratamento, a expectativa inflou-se. Todavia, apesar desse CA ser desafiador em vários aspectos, é preciso que mais estudos sejam realizados, mais dúvidas sejam sanadas, antes de comemorarmos. Procedimentos técnicos operador-dependentes, por exemplo, é um aspecto que nos leva a pensar que mais estudos necessitam ser feitos, e mais profissionais possam ser treinados para o procedimento, já que treinar um profissional, adicionalmente aos fatores tempo de hospitalização e aumento do tempo cirúrgico, pode demandar muitos custos e não tornar-se custo efetivo.
Os avanços em termos de mediana livre de recidiva, mediana de sobrevida global e mortalidade que a Quimioterapia Hipertérmica Intraperitoneal parece oferecer, segundo descreve o estudo, são de magnitude considerável, e, se fossem trazidos por droga ou novo protocolo, principalmente em casos de sítios neoplásicos de prognóstico mais reservado, seriam extremamente comemorados. Embora a análise de custoefetividade seja fundamental no que se refere ao início de um tratamento que requer muito treinamento técnico e recursos materiais, principalmente em sistemas de saúde públicos, como o SUS, não parece que existam motivos para não começar a pensar em empreender o início do treinamento da técnica de HIPEC na realidade do combate a implantes peritoneais no câncer de ovário, mesmo que inicialmente em âmbito privado. A necessidade de maior experiência e maior conhecimento sobre técnica é mister, e isso é claro, mas aplicação da técnica inicialmente poderia ter caráter experimental, até para que sejam produzidos dados que de fato estejam adaptados à realidade brasileira. Quem sabe evolução da técnica não possa trazer benefícios de sobrevida progressivamente maiores às pacientes, fazendo das implantações peritoneais desafios oncológicos cada vez menores?
O principal tratamento do câncer de ovário ainda é a cirurgia, mas técnicas complementares têm sido testadas visando aumentar a sobrevida dos pacientes e diminuir efeitos adversos, como é o caso do estudo citado no artigo. Uma dessas técnicas é o emprego da quimioterapia intraperitoneal hipertérmica, que é utilizada em mulheres nos estágios mais avançados da doença (câncer de ovário em estádio III). Nessa fase, já existe comprometimento de outras estruturas abdominais e necessidade de incisão cirúrgica tradicional na região mediana do abdômen, o que pode tornar a técnica cirúrgica bastante invasiva. Além da retirada dos ovários, das tubas e do útero, pode ser necessário retirar os linfonodos comprometidos, parte do peritônio e, às vezes, fragmentos de intestino. Por outro lado, aliar o tratamento cirúrgico com essa modalidade de quimioterapia, que aumenta o contato do quimioterápico com a superfície peritoneal, possibilita as seguintes vantagens no tratamento clínico: remoção de células tumorais flutuantes; aumento no desprendimento de células aderidas à superfície; efeito citotóxico direto pela hipertermia sobre a região pretendida; aumento da permeabilidade das células tumorais aos quimioterápicos e potencialização do efeito de alguns deles. Com certeza o maior direcionador trazido por esse estudo foi o aumento da sobrevida do grupo de pacientes submetidos à técnica, fato que certamente fomentará novos estudos para direcionar melhor tanto a técnica em si, como as rotinas assistenciais envolvidas nesse tipo de tratamento.
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