Mutações acionáveis e imunoterapia
James Fleck: Conexão Anticâncer 21(07), 2020
Dados epidemiológicos mundiais apontam o câncer de pulmão como a principal doença maligna, tanto em incidência quanto em mortalidade. De acordo com o IARC, quase 2,1 milhões de casos são diagnosticados anualmente, infelizmente, ainda, revelando uma alta taxa bruta de mortalidade. O câncer de pulmão não de pequenas células (CPNPC) é responsável por, aproximadamente, 85% dos casos. O grupo morfológico predominante, classificado como carcinoma de células não escamosas (adenocarcinoma + carcinoma de grandes células) corresponde a aproximadamente 70% dos casos e é seguido por carcinoma de células escamosas (30%). Os últimos anos revelaram avanços importantes no tratamento de primeira linha do CPNPC metastático, ao expressar mutações acionáveis. Pacientes com CPCNP metastático, cujos tumores expressavam deleções no exon 19 do EGFR ou mutação no exon 21 L858R, foram tratados com um TKI de terceira geração (osimertinib), alcançando uma sobrevida global mediana de 38,6 meses, incluindo casos com metástases no SNC. Pacientes com CBNPC metastático, portando redistribuição gênica de anaplastic lymphoma kinase (ALK-positivo), foram tratados inicialmente com crizotinib e alcançaram uma sobrevida global mediana muito próxima dos 7 anos, incluindo respostas objetivas persistentes em metástases no SNC. O CPNPC metastático contendo rearranjos ROS1 é altamente sensível ao entrectinib, um inibidor do receptor da tropomiosina quinase. O crizotinib também foi utilizado no tratamento de pacientes com ROS1 positivos, devido à homologia observada nos domínios ALK e ROS da tirosina quinase. Pacientes com CPNPC ROS1-positivos apresentam alta incidência de metástases cerebrais por ocasião do diagnóstico (36%), o que torna o entrectinib a melhor escolha, considerando sua efetiva penetração no SNC. Uma análise integrada dos estudos de fase I e II em andamento mostrou resultados encorajadores. O entrectinib foi associado a uma taxa de resposta duradoura de 77% (DRM = 24,5 meses). MET e RET também foram descritas como potenciais terapias de alvo biológico. O MET é o tyrosine kinase receptor for hepatocyte growth factor e o RET é o rearranged during transfection gene. Relatórios preliminares com inibidores do MET foram associados a durações de resposta que variaram de 9 a 11 meses. O selpercatinib, um inibidor da RET, mostrou uma resposta objetiva duradoura em 64% dos casos (DRM = 18 meses) em CPNPC metastático, previamente tratado com quimioterapia baseada em platina. Infelizmente, mutações acionáveis conhecidas são observadas apenas em um pequeno grupo de pacientes ocidentais. Nos EUA, aproximadamente 15% dos pacientes com CPNPC são positivos para mutação EGFR e apenas 5% expressam translocação ALK. A percentagem de CPNPC que revelam rearranjos ROS1, anormalidades MET e fusão RET é de cerca de 2%, 2% e 6%, respectivamente. Atualmente, apenas 30% dos pacientes com CPNPC metastático são potenciais candidatos à terapia de alvo biológico.
O que acontece com 70% do CPNPC metastático que não expressa mutação acionável?
Felizmente, surgiu o conceito de ponto de checagem imunológico. Os fenótipos selvagens do CPNPC metastático são imunogênicos, o que o torna potencialmente sensível à imunoterapia. Tumores malignos habitualmente encontram-se em um estado crônico de apresentação de antígenos. Vinte anos atrás, a cytotoxic T-lymphocyte-associated protein 4 (CTLA-4) foi identificada como um feed-back negativo do sistema imunológico, atuando como uma interrupção fisiológica na ativação das células T CD8+. Células tumorais promovem supraexpressão de CTLA-4 visando burlar o sistema imunológico. Consequentemente, o desenvolvimento de um anticorpo monoclonal (AcMo) anti-CTLA-4 foi considerado um racional interessante para restaurar a imunocompetência do hospedeiro. Outro mecanismo, posteriormente descrito, é o da protein cell-death 1 (PD1), uma proteína transmembrana expressa em células T. Curiosamente, muitas células tumorais têm supraexpressão de PD1-ligand (PD-L1). A interação PD1 + PD-L1 promove a exaustão de células T efetoras periféricas e a inibição da apoptose de células tumorais. Anticorpos monoclonais desenvolvidos contra PD1 ou PD-L1 surgiram como opções eficazes no tratamento do câncer. A combinação de nivolumab (AcMo anti-PD1) + ipilimumab (AcMo anti-CTLA-4) foi recentemente aprovada pelo FDA para o CPNPC selvagem metastático com expressão PD-L1 ≥ 1%. Os melhores resultados foram obtidos em pacientes que expressaram PD-L1 ≥ 50%, atingindo uma sobrevida global mediana de 21 meses, o que foi significativamente melhor do que a sobrevida global mediana de 14 meses alcançada com quimioterapia. Em pacientes com CPNPC selvagem metastático, cuja doença não se mostra rapidamente progressiva e com expressão de PD-L1 superior a 50%, a monoterapia com pembrolizumab (AcMo anti-PD1) foi associada a uma sobrevida global mediana de 30 meses. Pacientes com doença rapidamente progressiva e baixa expressão de PD-L1 são tratados mais adequadamente com combinação de quimioterapia + imunoterapia. Sob essa circunstância, o fenótipo morfológico deve orientar a tomada de decisão terapêutica. A histologia não escamosa favorece a combinação de pembrolizumab com o dublet pemetrexede + carboplatina, enquanto que na histologia escamosa o pembrolizumab é melhor combinado com o dublet carboplatina + paclitaxel / nab-paclitaxel. Essas opções terapêuticas cobrem a recomendação de tratamento para CPNPC selvagem metastático não-candidato à terapia de alvo biológico. Os resultados animadores observados no tratamento de CPNPC metastático levarão a uma possível cronificação da doença. A transferência do conhecimento para estádios menos avançados, associada a ensaios clínicos bem projetados será responsável pela esperada redução na taxa bruta de mortalidade do câncer de pulmão.
IARC = International Agency for Research on Cancer, SNC = Sistema nervoso central, DRM = Duração de resposta mediana, EGFR = Epidermal Growth Factor Receptor, TKI = Tyrosine Kinase Inhibitor, FDA = Food & Drug Administration
Referências:
1. International Agency for Research on Cancer, World Health Organization, 2018
2. Soria JC, Ohe Y, Vansteenkiste J, et al: Osimertinib in Untreated EGFR-Mutated Advanced Non-Small-Cell Lung Cancer, N Engl J Med 378(2): 113, 2018
3. Anita Midha, Simon Dearden and Rose McCormack: EGFR mutation incidence in non-small-cell lung cancer of adenocarcinoma histology: a systematic review and global map by ethnicity (mutMapII), Am J Cancer Res 5(9):2892-2911, 2015
4. Jose M. Pacheco, Dexiang Gao, Derek Smith, et al: Natural History and Factors Associated with Overall Survival in Stage IV ALK-Rearranged Non–Small Cell Lung Cancer, J Thor Oncol 14: 691 – 700, 2019
5. Drilon A, Siena S, Dziadziuszko R, et al: Entrectinib in ROS1 fusion-positive non-small-cell lung cancer: integrated analysis of three phase 1-2 trials, Lancet Oncol 21(2):261, 2019
6. Koichi Goto, Geoffrey Oxnard, Daniel Shao-Weng Tan, et al: Selpercatinib (LOXO-292) in patients with RET-fusion+ non-small cell lung cancer, J Clin Oncol 38 (15): 3584, 2020
7. Lucy S. K. Walker & David M. Sansom: The emerging role of CTLA4 as a cell-extrinsic regulator of T cell responses, Nat Rev Immunol 11: 852 – 863, 2011
8. Suzanne L. Topalian, Charles G. Drake and Drew M. Pardoll: Targeting the PD-1/B7-H1(PD-L1) pathway to activate anti-tumor immunity, Curr Opin Immunol 24(2): 207 – 212, 2012
9. Hellmann MD, Paz-Ares L, Bernabe Caro R: Nivolumab plus Ipilimumab in Advanced Non-Small-Cell Lung Cancer, N Engl J Med 381:2020-203, 2019
10. Tony S K Mok, Yi-Long Wu, Iveta Kudaba, et al: Pembrolizumab versus chemotherapy for previously untreated, PD-L1-expressing, locally advanced or metastatic non-small-cell lung cancer (KEYNOTE-042): a randomised, open-label, controlled, phase 3 trial, Lancet 393: 1819–30, 2019
O câncer de pulmão está relacionado a uma alta taxa de mortalidade. Portanto, buscam-se alternativas terapêuticas a fim de mudar esse cenário dramático. Para os CPNPC metastáticos, há a possibilidade de terapia de alvo biológico naqueles em que existem mutações acionáveis, gerando um aumento considerável na sobrevida. Infelizmente, esses pacientes representam apenas 30% dos casos de CPNPC metastático. Nos demais, utilizam-se anticorpos monoclonais anti-CTLA-4 e anti-PD1, que apresentam melhores resultados quando PD-L1 ≥50%. Esses avanços na área médica trazem a possibilidade de um trajeto melhor para os pacientes que lutam com essa doença tão devastadora, diminuindo, assim, a sua monstruosidade.
O câncer de pulmão ainda é o câncer com maior incidência e taxa de mortalidade no mundo, o que justifica o número de estudos e pesquisas sobre essa doença no âmbito de novas opções terapêuticas, testes genéticos e tratamentos individualizados para cada paciente. É fundamental que não só médicos oncologistas e pneumologistas tenham o conhecimento de que a maior parte dos cânceres de pulmão são classificados como CPNPC e que destes uma considerável parcela é diagnosticada já em estágio metastático, mas que isso não significa que mais nada possa ser feito pelo paciente. Esse editorial evidencia exatamente isso, a importância de se buscar uma terapia individualizada, baseada nos marcadores genéticos do tumor de cada paciente, para oferecer a eles novas opções de tratamento que lhes darão uma maior sobrevida e melhor qualidade de vida (se a cura já não for mais possível), reduzindo o sofrimento no combate ao câncer de pulmão.
Os novos tratamentos oncológicos estão modificando o estigma de diversos tipos de câncer. A terapia-alvo e a imunoterapia ocupam um papel central neste processo. Utilizando anticorpos monoclonais, esses métodos possibilitam o aumento da sobrevida de pacientes com câncer que teriam um prognóstico extremamente desfavorável. Os avanços no tratamento do CPNPC metastático abordados no artigo ilustram o caminho do câncer de pulmão, antes visto como uma doença incurável, para o seu processo de cronificação e de redução de mortalidade.
O câncer de pulmão segue sendo uma doença de altíssima mortalidade devido a maior parte dos pacientes só o descobrirem em fases mais tardias. Esse artigo mostra que em um futuro próximo essa alta mortalidade poderá ser revertida com novas terapêuticas como a imunoterapia e a terapia-alvo. Nesse contexto, o tratamento com entrectinib para o CPNPC é uma vertente de uma nova classe de fármacos que visam reverter o péssimo prognósticos e aumentar a expectativa de vida desses pacientes. Todavia, cabe ressaltar o alto custo desses novos fármacos e a viabilidade de implementação dos mesmos em um sistema de saúde público ou privado.
É muito interessante a forma como as novas terapias-alvo para o tratamento do câncer têm feito, aos poucos, avanços consistentes que vêm aumentando a sobrevida mesmo dos cânceres mais difíceis de tratar (como câncer de pulmão metastático ou melanoma metastático, por exemplo). Alguns desses fármacos estão entre os avanços mais bonitos da medicina, tendo mudado drasticamente a evolução de algumas doenças, como o trastuzumabe para câncer de mama HER2-positivo e o imatinibe para leucemia mieloide crônica Ph+ (cromossomo-Philadelphia-positivo). Apesar de nem todos os avanços nessa área de estudo serem de tamanha magnitude, é instigante ver como o conhecimento profundo sobre mecanismos imunológicos tão específicos abre tantas possibilidades de exploração científica para seguir quebrando essas barreiras e poder proporcionar aos pacientes tratamentos cada vez melhores, mesmo nos casos mais desesperançosos (até que o desenvolvimento desses fármacos os alcance, tornando-os cada vez menos imbatíveis).
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