Mensuração de benefício sustentada em desfechos substitutivos
Fleck, JF: Anticancerweb 14(07), 2019
Dados epidemiológicos internacionais, atualizados em 2018, mostram que o câncer de próstata (ASR = 29.3) se encontra muito próximo do câncer de pulmão (ASR = 33.1) na liderança da incidência em neoplasias malignas. No entanto, no critério mortalidade, o câncer de próstata encontra-se na quinta posição (ASR = 7.6) devido a um comportamento biológico menos agressivo e alta probabilidade de resposta ao tratamento hormonal. Cerca de 85% dos pacientes com câncer de próstata que progridem após o tratamento primário irão responder a terapia de privação androgênica (TPA). Todavia, a TPA não é definitiva e a quase totalidade dos pacientes torna-se refratária a ela em um período variável e heterogêneo de tempo. Esta situação é descrita como câncer de próstata resistente à castração (CPRC). Quando o CPRC se manifesta, exclusivamente, por recidiva bioquímica, a sobrevida mediana pode superar 36 meses com o uso de drogas capazes de vencer mecanismos de resistência à manipulação hormonal. A seleção de pacientes para manipulação hormonal secundária baseia-se no risco de metastatização, sustentada no tempo de duplicação do PSA. A enzalutamida é um antiandrogênico não-esteróide que atua em pelo menos três níveis: bloqueando a ligação do hormônio ao receptor androgênico, impedindo sua translocação e posterior ligação ao DNA na célula tumoral. Infelizmente, um terço das células apresentam resistência primária a enzalutamida, enquanto outras irão progressivamente desenvolve-la. Um interessante mecanismo de resistência consiste no surgimento de variantes estruturais de receptores androgênicos. Uma das mais investigadas é a AR-V7 (receptor isoform splice variant-7) que apesar de não expressar o domínio de ligação ao hormônio, mantem a habilidade de ligação ao DNA tumoral e a indesejável ativação da transcrição. Mesmo sem excluir pacientes com resistência primária, a enzalutamida têm se mostrado eficiente em estudos de fase II, prolongando o período livre de progressão por imagem. Em dois estudos de fase III envolvendo pacientes metastáticos e com CPRC, a enzalutamida proporcionou ganho em sobrevida global.
Em junho de 2018, o New England Journal of Medicine publicou o estudo PROSPER, incluindo pacientes com CPRC e considerados de alto risco para progressão metastática, sustentada por um tempo de duplicação do PSA ≤ 10 meses. Tratava-se de um estudo prospectivo e aleatório que distribuiu 1401 com CPRC com tempo mediano de duplicação do PSA = 3.7 meses. O desfecho primário foi sobrevida livre de metástases (SLM). Os pacientes foram mantidos em TPA e distribuídos na proporção de 2:1 para um braço teste (TPA + enzalutamida) versus um braço controle (TPA + placebo). Dados demográficos revelaram uma população com idade mediana entre 73 e 74 anos, predominantemente assintomáticos (ECOG 0 em mais de 80% dos casos) e com tempo de duplicação do PSA < 6 meses (77% da população). A mediana da SLM foi de 36.6 meses no grupo teste e de 14.7 meses no grupo controle (HR = 0.29 P < 0.001). Paralelamente, o tempo para progressão do PSA foi significativamente aumentado pelo uso da enzalutamida, correspondendo a 37.2 meses no braço teste versus 3.9 meses no braço controle (HR = 0.07 P < 0.001). A análise interina não permitiu conclusões com relação ao impacto na sobrevida global, limitada pelo tempo mediano de acompanhamento insuficiente. Não houve modificações na qualidade de vida, baseado no escore de degradação FACT-P (Functional Assessment of Cancer Therapy – Prostate), embora um maior número de pacientes tenha sofrido quedas e fraturas não-patológicas no grupo da enzalutamida. O benefício alcançado com o uso de enzalutamida ocorreu às custas de um aumento em eventos adversos de grau ≥ 3, sendo de maior relevância a hipertensão, eventos cardiovasculares e alterações mentais (amnésia, distúrbios de atenção, perda cognitiva, demência e Alzheimer). Três pacientes apresentaram convulsão nos primeiros 180 dias de uso da enzalutamida. Foram também relatados três casos de delírio, um caso com encefalopatia e um caso com leucoencefalopatia no grupo teste. Dados maduros, a serem obtidos com maior tempo de seguimento mediano permitirão julgar o beneficio em sobrevida global e sustentar decisões quanto ao timing no uso de enzalutamida.
ASR = Age-standardized rate
Referências
Global Cancer Observatory - International Agency for Research on Cancer (IARC), 2018
Kristine M. Wadoskyand Shahriar Koochekpour: Androgen receptor splice variants and prostate cancer: From bench to bedside, Oncotarget 8: 18550 -76, 2017
Maha Hussain, Karim Fizazi, Fred Saad, et al: Enzalutamide in Men with Nonmetastatic, Castration-Resistant Prostate Cancer, N Engl J Med 378: 2465-74, 2018
Levando em consideração que dois terços dos pacientes que morrem por câncer de próstata são homens acima de 75 anos, os dados sobre os efeitos enzalutamida parecem ser promissores, tendo em vista que esse fármaco se mostra um tratamento menos invasivo do que as alternativas atualmente disponíveis para pacientes de alto risco. Ainda sim, é necessário uma maior avaliação dos efeitos adversos para mensurar melhor o custo-benefício da enzalutamida .
Homens com câncer de próstata não-metastático, resistente à castração e um nível de antígeno específico da próstata (PSA) que aumenta rapidamente estão em alto risco de metástase. O uso de enzalutamida em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração prolonga a sobrevida, nesse sentido, o estudo PROSPER buscou avaliar se o uso de enzalutamida em pacientes com câncer de próstata não-metastático resistente à castração aumentaria a sobrevida livre de metástases. O tratamento com enzalutamida foi associado a um risco 71% menor de metástase ou morte do que o placebo. Contudo, o tempo de acompanhamento foi insuficiente, não permitindo conclusões em relação ao impacto na sobrevida global. Além disso, eventos adversos de grau ≥ 3 foram relatados em uma taxa mais alta entre os pacientes do grupo enzalutamida. Novos estudos, com tempo de seguimento maior, permitirão avaliar o benefício do uso de enzalutamida em relação à sobrevida global neste grupo de pacientes.
O câncer de próstata é o câncer mais diagnosticado no Brasil em homens, com cerca de 68 mil casos novos e 16 mil mortes por ano, segundo o INCA. A terapia de privação de andrógenos é um componente muito importante no tratamento de câncer de próstata avançado. Porém, como consta no artigo, invariavelmente a doença irá evoluir para um quadro de resistência. A mortalidade de câncer de próstata se deve basicamente a resistência à castração, evoluindo para metástases, e estima-se que a expectativa de vida nesses casos tem sido menos de 2 anos. Diante dos resultados obtidos no estudo PROSPER, fica claro que pacientes com câncer de próstata não metastático resistente à castração com rápido aumento de PSA possuem o risco aumentado de metastatização e, portanto, se beneficiariam do uso de terapia com a enzalutamida. No entanto, cabe ressaltar que nesse estudo o benefício na sobrevida global ainda é limitado e controverso. Além disso, o estudo se limitou somente ao tempo de duplicação de PSA menor ou igual a 10 meses, sendo assim, fundamental a avaliação de pacientes com tempo maior de duplicação de PSA.
Visto que quase a totalidade dos pacientes com câncer de próstata que responderam à terapia de privação endrogênica irá, eventualmente, tornar-se refratária a ela, novas alternativas devem ser buscadas de forma a prolongar o tempo de sobrevida livre de metástases, principal desfecho buscado por ensaios clínicos randomizados. Além dos benefícios aqui destacados sobre tal desfecho, novas publicações têm revelado efeitos positivos também em qualidade de vida relacionados à saúde, funcionalidade, dor, convívio familiar e muitos outras medidas "patient-related". Fica a expectativa dos resultados de desfechos de morbimortalidade no longo prazo, com especial preocupação para efeitos cardiovasculares e alterações neurocognitivas.
O câncer de próstata, embora incidente, é pouco agressivo e tem baixa mortalidade, devido a sua alta responsividade ao tratamento hormonal inicial. Entretanto, há alguns casos que se tornam resistentes a castração, principalmente naqueles com recidiva da doença, devido ao mecanismo de surgimento de variantes estruturais de receptores androgênicos. Nesses casos, usa-se o enzalutamida, um antiandrogênico não-esteróide como forma de manipulação hormonal secundária. De acordo com os resultados do estudo PROSPER publicado no NEJM em 2018, houve diminuição do risco de metástases com o uso de enzalutamida, embora isso tenha ocorrido às custas de um aumento em eventos adversos de grau ≥ 3. Dessa forma, levanta-se o questionamento sobre benefício-malefício dessa terapia, uma vez que não houve aumento comprovado da sobrevida global.
O tratamento do câncer de próstata teve um avanço significativo nos últimos anos, contribuindo para a diminuição da mortalidade dessa neoplasia. Em parte, isso se deve a drogas inibitórias da estimulação androgênica – como a enzalutamida -, utilizadas, em combinação com a TPA, no câncer de próstata resistente à castração (CPRC). A enzalutamida aumenta a sobrevida livre de metástases em pacientes com CPRC de alto risco para progressão metastática, assim como aumenta a sobrevida global em pacientes com CPRC metastático - de acordo, respectivamente, com os estudos PROSPER e ENZAMET, publicados no NEJM. Embora seja promissor, contudo, é necessário atentar-se aos efeitos adversos que esse medicamento pode causar, além dos efeitos a longo prazo – como problemas cardíacos e depressão - de uma terapia intensa de privação de androgênio.
Para pacientes nos quais o câncer de próstata progride após o tratamento hormonal primário, o tratamento subsequente (TPA) é eficaz por tempo limitado. Considerando esses casos, o estudo PROSPER fornece informações relevantes quanto a prevenção de metástases para pacientes com risco elevado para tais. O estudo indica que o tratamento proporcionou uma mediana de Sobrevida Livre de Metástases quase dois anos maior que o placebo, perspectiva animadora. Porém, o tratamento promoveu aumento de eventos adversos, e o estudo ainda não consegue provar aumento da sobrevida global. Considerando isso, os próximos dados permitirão análises mais acuradas quanto ao custo-benefício de tal terapia.
Os dados trazidos sobre enzalutamida nesse artigo são bastante promissores. Primeiramente, porque apesar de nos estudos de fase II não terem sido excluídos os pacientes com resistência primária ao fármaco e, em segundo, também por ela aumentar de forma bastante significativa o tempo de sobrevida sem metástases, alavanca-se uma boa hipótese de que algo semelhante seja visto no que diz respeito à avaliação do tempo de sobrevida total, isso porque é muito comum que pacientes com câncer de próstata não morram em função da doença localizada, mas sim pelo fato de acometimento de outros tecidos e órgãos, ou até de outras doenças.
Medicamentos que diminuem efeito androgênico fazem com que o estímulo ao crescimento tumoral seja diminuído. Contudo, ao longo do tempo, quase que a totalidade dos pacientes se tornam refratários ao tratamento com alto risco de progressão metastática da doença. Aí entra o estudo PROSPER para avaliar o uso da enzalutamida em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração. Apesar do benefício causado pela enzalutamida nesses pacientes que seria 71% menor de metástase ou morte do que o placebo, houveram o surgimento de efeitos colaterais significativos como hipertensão, amnésia, distúrbios de atenção, perda cognitiva, demência, Alzheimer, convulsões. Ou seja, não houve melhora na qualidade de vida.
Outro estudo que fortalece as evidencias quanto aos beneficios do uso da Enlazutamida em pacientes com CPRC é o AFFIRM (Um estudo avaliando a eficácia e a segurança do medicamento experimental MDV3100 [Enzalutamida] em homens com câncer de próstata resistente à castração que foram previamente tratados com quimioterapia à base de docetaxel). Este foi um ensaio clínico de Fase III randomizado, duplo-cego e controlado por placebo que envolveu 1.199 pacientes com CPRC que haviam recebido anteriormente quimioterapia à base de docetaxel. Os resultados do estudo foram publicados no New England Journal of Medicine em 2012. Os pacientes que receberam enzalutamida tiveram uma sobrevida global mediana de 35 meses, em comparação com 30 meses para aqueles que receberam placebo. A enzalutamida também demonstrou retardar a progressão da doença, bem como melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
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