Tratamento do câncer de endométrio em estádios avançados (IIIA e IV)

Tendência em priorizar o controle sistêmico

Fleck, JF: Conexão Anticâncer 29(07), 2019

O câncer de endométrio é uma doença heterogênea, fortemente associada ao sobrepeso e à obesidade. Consequentemente, há grande variação em sua distribuição epidemiológica nos diferentes países. A estatística global dos tumores malignos, publicados em 2018 pela International Agency for Research on Cancer (IARC) mostra que o câncer do corpo uterino ocupa a sexta posição em incidência entre as mulheres (ASR = 7.0) e não figura entre as dez principais causas de mortalidade por câncer no sexto feminino (ASR = 1.8). Esta discrepância está possivelmente associada a um comportamento biológico indolente. Dados da American Cancer Society, publicados em 2019 revelam nos Estados Unidos um perfil epidemiológico distinto, no qual o câncer do corpo uterino contribui para 7% da incidência (quarta posição) e 4% da mortalidade (sexta posição) entre os tumores malignos diagnosticados na mulher. Este dado torna-se mais relevante ao constar-se que 67% dos casos são diagnosticados como doença localizada, onde a expectativa mediana de sobrevida em 5 anos é de 96%. Consequentemente, a melhor oportunidade de interferência terapêutica complementar à cirurgia está no população de pacientes com doença localmente avançada (FIGO III e IVA) que apesar de representar somente 20% dos casos diagnosticados, tem um pior prognóstico com uma sobrevida esperada caindo para 70% em 5 anos de acompanhamento. Fatores prognósticos adicionais como subtipo histológico, extensão pélvica e abdominal do tumor primário, resseção incompleta e comprometimento linfonodal são determinantes na avalição do risco para recidiva local e metastatização. Historicamente a irradiação pélvica e abdominal foi o tratamento recomendado no pós-operatório de pacientes com câncer de endométrio consideradas de alto risco para recorrência. Porém esta conduta não reduzia o risco de recidiva sistêmica. Um estudo clínico prospectivo e aleatório conduzido pelo Gynecologic Oncology Group (GOG 122) mostrou superioridade da quimioterapia (QT) sobre a radioterapia (RT) pós-operatória em pacientes com câncer de endométrio localmente avançado. No entanto, o braço com quimioterapia exclusiva mostrou um inaceitável índice de 20% na recidiva local. Naturalmente, surge a hipótese alternativa de associar os dois métodos de tratamento (RT + QT) no pós-operatório de pacientes com doença localmente avançada.

Em junho de 2019, o New England Journal of Medicine publica os resultados do estudo GOG 258. Trata-se de um estudo prospectivo de fase III, no qual 736 pacientes com câncer de endométrio e alto-risco foram considerados elegíveis. As pacientes foram distribuídas aleatoriamente para dois braços de intervenção:  Tratamento combinado (RT + QT) versus tratamento com QT exclusiva:



Os grupos foram adequadamente pareados, incluindo mulheres com idade mediana de 60 anos, predominando a raça branca (77%), estádios IIIC1 e IIIC2 (70% a 75%), histologia endometrioide (70%), com sobrepeso ou obesidade (80%) e sem doença residual grosseira no pós-operatório (98%). O desfecho primário escolhido foi a sobrevida livre de progressão (SLP). Confirmou-se a hipótese da nulidade, pois a SLP aos 5 anos foi de 59% com tratamento combinado e 58% com QT exclusiva (HR = 0.90). Os dados ainda estão imaturos para avaliação de sobrevida global, considerando o curto follow-up mediano de 47 meses. Houve um maior índice de recidiva pélvica e para-aórtica no grupo com QT exclusiva (20% versus 11%), aparentemente compensada por um menor índice de recidiva à distância (21% versus 27%). Eventos adversos incluindo fadiga, toxicidade gastrintestinal e geniturinária predominaram no grupo com tratamento combinado (P < 0.001). A confirmação da hipótese nula, explicita o controle sistêmico obtido com QT exclusiva. 

 

Referências:

Randall ME, Filiaci VL, Muss H, et al. Randomized phase III trial of whole­ abdominal irradiation versus doxorubicin and cisplatin chemotherapy in advanced endometrial carcinoma: A Gynecologic Oncology Group study. J Clin Oncol 24:36­44, 2006

Daniela Matei, Virginia Filiaci, Marcus E. Randall, et all: Adjuvant Chemotherapy plus Radiation for Locally Advanced Endometrial Cancer, N Engl J Med 380:2317-26, 2019