Medicina de Precisão versus Saúde Pública
Fleck, J.F.: Conexão Anticâncer,15(12): 2015
Um grande esforço vem sendo realizado para identificar o perfil genômico e molecular de expressão nos tumores malignos. Três organizações lideram esta intervenção no mundo. Duas são norte-americanas e uma europeia. Os objetivos são similares, procurando identificar alvos moleculares para o tratamento farmacológico do câncer. A Caris Life Science foi fundada em 1996 trabalhando com imuno-histoquímica (IHQ). Mais recentemente, evoluiu para uma plataforma abrangente incluindo sequenciamento gênico e expressão proteica na identificação de alvos moleculares para tratamento do câncer. A Foundation One foi criada em 2010 com uma visão focada no perfil genômico tumoral, utilizando uma plataforma recentemente ampliada para avaliação de 315 genes. A OncoDNA, situada na Bélgica, aposta em uma visão multidimensional integrando informações de sequenciamento gênico com perfil proteico, IHQ, testes de metilação do DNA e expressão clínica da doença.
A questão crítica enfrentada por todas estas organizações consiste em correlacionar as alterações moleculares identificados na análise do tumor com uma medicação já existente e adequadamente testada para uso clínico. A literatura inglesa utiliza apropriadamente o termo actionable mutation, para identificar uma mutação gênica tumoral que efetivamente represente alvo molecular para um tratamento clinicamente disponível. Infelizmente, a Medicina de Precisão ou Medicina Personalizada ainda se depara com esta lacuna, que eventualmente conduz a frustação das expectativas vivenciadas pelo paciente e seus familiares.
Adicionalmente, há a questão do custo-efetividade. São técnicas de investigação e tratamentos excessivamente caros para benefícios incertos. Uma recente publicação no New England Journal of Medicine em agosto de 2015 faz uma crítica severa a Medicina de Precisão ou Medicina Personalizada sob a ótica da Saúde Pública. Neste artigo, o Dr. Ronald Bayer, diretor do Centro de História e Ética em Saúde Pública da Columbia University nos Estados Unidos, alerta que este avanço tecnológico não produziu mudança na mortalidade e que mais recursos deveriam ser destinados para a educação e combate a inequidade socioeconômica. Trata-se da conhecida rivalidade entre a Medicina Assistencial Individualizada e a Medicina Comunitária, que continua sendo motivo de reflexão.
Referência:
Bayer, R. & Galea, S.: Public Health and Precision Medicine Era, NEJM 374: 499 – 501, 2015
Parece ser muito entusiasmante a ideia de ser conhecer o perfil genômico e molecular de expressão dos tumores malignos. Mas em termos de saúde pública, apesar dos avanças na Medicina Personalizada que vem ocorrendo nos últimos anos, ainda é questionável sua aplicabilidade; os tratamentos possuem altos custos e benefícios nem sempre certos. Embora haja muito que se expandir nessa área, é preciso analisar as prioridades em saúde pública, em questões que muitas vezes não recebem a atenção devida, como, por exemplo, a melhoria das condições de vida da população e a diminuição da desigualdade de recursos.
Pensar na possibilidade da genética determinar tratamentos é entusiasmante e, de fato, drogas que atuam sobre mutações gênicas tumorais já estão no mercado. No entanto, para a maioria das mutações relacionadas ao câncer já descobertas, poucas são alvos efetivos de tratamento clinico. Somados a isso, o alto custo para pesquisas, assim como dos medicamentos, fazem com que, atualmente, a medicina personalizada gere mais gastos que beneficios e entre em conflito com princípios da saúde pública.
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