Opções terapêuticas limitadas ao perfil de toxicidade
Fleck, JF: Conexão Anticâncer 25(06), 2019
Dados epidemiológicos de 2018 mostram que o câncer de próstata (ASR = 29.3) permanece muito próximo do câncer de pulmão (ASR = 31.5) como tumor maligno mais incidente no sexo masculino. Porém, o câncer de próstata tem comportamento biológico mais indolente, o que repercute na redução da magnitude no parâmetro mortalidade (ASR = 7.6), decrescendo para a quinta posição. Mesmo na condição de doença metastática a sobrevida mediana é de 42 meses para a doença hormônio-responsiva. O tratamento standard do carcinoma de próstata metastático hormônio-sensível (CPM-HS) é a terapia de privação androgênica (TPA) com agonista ou antagonista LHRH. Estudos prospectivos e metanálise revelam benefício em combinar a TPA com docetaxel ou com o dublet (abiraterona + prednisona), proporcionando aumento da sobrevida global, especialmente na doença de alto-risco. No entanto, a melhora prognóstica é acompanhada de aumento nos eventos adversos associados a quimioterapia com docetaxel ou ao hiperaldosteronismo resultante do bloqueio da enzima CYP17A1 pela abiraterona. Buscando opções terapêuticas e melhor adequação no perfil de toxicidade surgiram as hipóteses alternativas de uso da enzalutamida ou apalutamida associadas ao standard terapêutico em primeira linha de tratamento do CPM-HS. Ambas interagem com o receptor androgênico (RA), agindo em múltiplos etapas na cadeia de transdução de sinal na célula tumoral. A enzalutamida inibe a ligação do hormônio ao RA, inibe o ingresso do RA no núcleo, bem como sua ligação ao DNA. A apalutamida compete pela ligação ao RA, inibe sua translocação nuclear e ligação ao DNA, impedindo a transcrição mediada pelo RA. Variações na farmacodinâmica podem hipoteticamente interferir no padrão de toxicidade.
Os estudos ENZAMET e TITAN foram apresentados no recente American Society of Clinical Oncology Meeting, ocorrido em junho de 2019 em Chicago, USA. Precedendo o encontro, resultados preliminares de ambos os estudos foram publicados sequencialmente no New England Journal of Medicine. Ambos são estudos prospectivos e aleatórios, que compartilham no braço controle o uso de tratamento standard+ placebo. A tabela abaixo mostra a magnitude dos estudos, o tempo de follow-up mediano, os desfechos substitutivos e o perfil de toxicidade dominante. No estudo ENZAMET, uma versão 2 iniciada em novembro de 2014 permitiu a inclusão de docetaxel, ocorrida em aproximadamente 45% dos pacientes incluídos em ambos os braços. Foi também flexibilizado o uso de abiraterona. A casuística foi composta por pacientes com alto e baixo volume de doença em proporções igualitárias, Gleason variando predominante de 8 – 10, terapia AANE (50%) e agonista ou antagonista LHRH (70%). Embora a SG em 3 anos favoreça o braço teste, que inclui a enzalutamida (p= 0.002) a sobrevida mediana do CPM-HS, ainda não foi atingida nesta análise interina. Como esperado, a magnitude do benefício foi maior nos desfechos substitutivos de SLP para o PSA e SLP-c. A análise de subgrupos, embora não aplicável para o desfecho de SG, mostrou benefício favorável à enzalutamida na SLP de todos os subgrupos previamente definidos. O índice de descontinuidade do tratamento predominou no grupo com enzalutamida. Os principais eventos adversos relacionados a enzalutamida foram fadiga (25%), neuropatia periférica no uso concomitante de docetaxel (9%) e convulsão (1%). O estudo TITAN apresentou follow-up mediano menor (22.7 meses) restringindo suas conclusões aos desfechos de sobrevida livre de progressão radiológica (SLP-r) e SG, ambos em apenas 24 meses de acompanhamento. Ao contrário do ENZAMET, todos os pacientes no estudo TITAN tiveram suspensa a terapia AANE precedendo a randomização, mantendo apenas a TPA em ambos os braços do estudo. Na totalidade dos pacientes havia boa condição de desempenho (ECOG 0 ou 1), predominava o escore Gleason > 7 (67%), presença metástases em pelo menos 2/3 da casuística e alto volume de doença (60%). O uso de docetaxel ocorreu em apenas 10% dos casos. Houve benefício com o uso de apalutamida em ambos os desfechos substitutivos. Embora em análise precoce, o benefício do uso de apalutamida ocorreu SLP-r em todos os subgrupos, porém tangenciando ou ultrapassando a linha média do Forest Plot na doença de expressão visceral + óssea, uso prévio de docetaxel e idade avançada (≥ 75 anos). Os eventos adversos mais relevantes observados no uso de apalutamida foram rash cutâneo (27.1%), hipotireoidismo (6.5%) e cardiopatia isquêmica (4.4%). Embora os estudos sejam positivos e alentadores em análise interina, dados maduros devem ser aguardados, especialmente para uma neoplasia com tendência crescente à expressão de cronicidade.
ASR = Age-standardized rate, RA = Receptor androgênico
N = Número de pacientes, FU-m = Follow-up mediano, TPA = Tratamento de privação androgênica, SG = Sobrevida global, DE = Dados estatísticos, SLP-c = Sobrevida livre de progressão clínica, EA = Eventos adversos, AANE = Tratamento com antiandrogênicos não-esteróides
Referências:
Kim N. Chi, Neeraj Agarwal, Anders Bjartell, et al: Apalutamide for Metastatic, Castration-Sensitive Prostate Cancer, N Engl J Med May 31st, 2019 DOI: 10.1056
I.D. Davis, A.J. Martin, M.R. Stockler, et al: Enzalutamide with Standard First-Line Therapy in Metastatic Prostate Cancer, N Engl J Med Jun 2nd, 2019 DOI:10.1056
Apesar de ser um dos três cânceres mais prevalentes no sexo masculino, o câncer de próstata possui uma mortalidade relativamente baixa e uma taxa de cura e sobrevida em 5 anos altas, mesmo quando tratamos da doença metastática. Como um dos maiores desafios da oncologia continua sendo o manejo e cura de doenças em estágios mais avançados, principalmente metastáticos, as terapias direcionadas (focadas nos receptores hormonais, por exemplo) para o câncer de próstata podem não somente servir para o tratamento dessa doença específica, mas também como exemplo na busca por terapias mais eficazes para outras neoplasias metastáticas de manejo mais difícil. Além disso , o artigo nos mostra estudos cujo foco está na redução dos efeitos adversos do tratamento quimioterápico e sua importância no aumento da sobrevida dos pacientes, um ponto de vista cada vez mais relevante no contexto da oncologia, com o desenvolvimento de drogas mais eficazes, com mecanismos de ação complexos, mas que também geram efeitos indesejados graves.
Está entre os mais prevalentes tipos de câncer no sexo masculino, com gênese e progressão lenta, crônica, causando taxa de mortalidade relativamente baixa, com taxa de cura e sobrevida em 5 anos altas. O artigo indiretamente ilustra a complexidade no tratamento de câncer em geral, mesmo aquele com baixa mortalidade. Ainda que com benefício em ambos desfechos substitutivos, há aspectos delicados que influenciam inclusive e sobretudo no follow up dos pesquisados, com graves efeitos adversos do tratamento pelo uso de apalutamida importantes, como hipotireoidismo, cardiopatia isquêmica e rash cutâneo.
O câncer de próstata com > 1,2 milhão casos/ano no mundo, conforme GLOBOCAN 2018, é preocupação constante de saúde pública. A preocupação é ainda maior em países subdesenvolvidos, onde prevalece mais o preconceito em relação ao exame preventivo de toque retal e maiores taxas de diagnóstico de doenças em estágios mais avançados, culminando em maiores mortalidades, segundo IARC. Isso gera uma grande necessidade de tratamento de metástases. Ademais aos artigos comentados, o estudo ACHES, também comprova menor progressão e morte do tratamento com Enzalutamina + TPA em relação a somente TPA (Risco relativo 0.39; 95% CI, 0.30-0.50; P<.001).
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