Terapia neoadjuvante total para câncer de reto localmente avançado

Foco simultâneo em controle local e sistêmico

James Fleck, MD, PhD & Emily Tonin da Costa, MD: Conexão Anticâncer 16 (04), 2022 


Atualmente, dados da International Agency for Research on Cancer (IARC) apontam o câncer colorretal como o terceiro tumor maligno mais incidente (ASR = 19,5), assumindo a segunda posição em mortalidade por câncer (ASR = 9,0) no mundo. Um número global estimado de 1.931.590 neoplasias malignas colorretais foi relatado em 2020, sendo que mais de um terço encontrava-se localizado anatomicamente no reto (n = 732.210). Embora os dados epidemiológicos sejam frequentemente analisados ​​em conjunto, tratam-se de duas doenças completamente diferentes. A maioria dos casos de câncer retal são diagnosticados como doença localmente avançada e a abordagem de tratamento combinado com intenção curativa concentra-se simultaneamente no controle local e sistêmico. Downstaging foi observado com quimiorradioterapia pré-operatória, levando a algumas respostas patológicas completas e um alto índice de ressecabilidade com a excisão total do mesorreto. O benefício da quimioterapia adjuvante foi mais claramente estabelecido no estágio III do câncer de cólon. Na neoplasia de cólon, a quimioterapia adjuvante à base de fluoropirimidina está historicamente associada a pelo menos 30% de redução no risco de recorrência da doença. Um benefício ainda maior é obtido com a adição de oxaliplatina. A lógica não é a mesma para o câncer retal. O controle local é melhor alcançado com quimiorradioterapia pré-operatória, o que conduz a uma adesão subótima na quimioterapia adjuvante posterior, potencialmente aumentando o risco de doença metastática progressiva. O duplo desafio imposto pelo controle local e sistêmico do câncer de reto avançado impulsionou a criatividade no desenho de uma estratégia terapêutica denominada terapia neoadjuvante total. Ensaios clínicos anteriores identificaram que a excisão total do mesorreto podia ser adiada. O uso de um curso curto de radioterapia criou uma janela de oportunidade para administrar todo o programa de quimioterapia no pré-operatório. Idealmente, essa estratégia diminuiria o risco de progressão da doença metastática sem aumentar o risco de falha locorregional, o que, em última análise, melhoraria a sobrevida global. A abordagem demonstrou ser viável no pequeno estudo Dutch-M1, revelando alta adesão à quimioterapia neoadjuvante (84%) e boa taxa de redução do tumor primário (47%), associada a 26% de resposta patológica completa.

 Em janeiro de 2021, a revista Lancet Oncology publicou os resultados do RAPIDO Trial, um estudo prospectivo e aleatório de fase III comparando duas abordagens diferentes de tratamento para câncer retal avançado. A figura abaixo representa os dois braços de tratamento. No braço de tratamento padrão, um curso tradicional de radioterapia combinado com capecitabina oral é administrado no pré-operatório. A cirurgia com intenção curativa é a excisão total do mesorreto, seguida de quimioterapia adjuvante. No braço experimental, um curso curto de radioterapia é sequencialmente combinado à quimioterapia neoadjuvante e a excisão total do mesorreto é adiada até a conclusão de todo o programa combinado de quimiorradioterapia. A escolha de CAPOX ou FOLFOX foi de livre escolha pelo médico ou indicada conforme a programação institucional.


 O desfecho primário foi a falha no tratamento em 3 anos se seguimento, definida como progressão locorregional, desenvolvimento de metástase à distância, novo câncer colorretal primário ou morte relacionada ao tratamento, todos avaliados na população com intenção de tratar. Após acompanhamento médio de 4,6 anos, a probabilidade cumulativa de falha de tratamento foi de 23,7% no grupo experimental versus 30,4% no grupo de tratamento padrão (HR = 0,75, p = 0,019). A probabilidade cumulativa em 3 anos de metástases à distância foi de 20% no grupo experimental versus 26,8% no grupo de tratamento padrão (HR = 0,69, p = 0,0048). Apesar do curto curso de radioterapia administrado no grupo experimental, não houve diferença significativa na probabilidade cumulativa de falha locorregional em três anos nas duas abordagens de tratamento utilizadas (HR = 1,42, p = 0,12). De fato, a probabilidade de resposta patológica completa (pCR) alcançada após a quimiorradioterapia proposta no grupo experimental (28%) foi significativamente maior do que a porcentagem de pCR observada no grupo de tratamento padrão (14%). Diferença na sobrevida global ainda não foi reportada. Uma análise de acompanhamento mais longa será necessária para abordar esse desfecho duro. No entanto, a falha de tratamento relacionada à doença de 3 anos é um forte parâmetro substitutivo, tornando a terapia neoadjuvante total a melhor estratégia atual no tratamento do câncer retal avançado.

 

Referências:

 

1.     Van Dijk TH, Tamas K, Beukema JC, et al: Evaluation of short course radiotherapy followed by neoadjuvant bevacizumab, capecitabine and oxaliplatin, and subsequent radical surgical treatment in primary stage IV rectal cancer, Ann Oncol 24: 1762 – 1769, 2013

2.     Braendengen M, Tveit KM, Berglund A, et al: Randomized phase III study comparing preoperative radiotherapy with chemoradiotherapy in non resectable rectal cancer, J Clin Oncol 26: 3687 – 3694, 2008

3.     Renu Bahadoer, Esmée Dijkstra, Boudewijn van Etten, et al: Short-course radiotherapy followed by chemotherapy before total mesorectal excision (TME) versus preoperative chemoradiotherapy, TME, and optional adjuvant chemotherapy in locally advanced rectal cancer (RAPIDO): a randomised, open-label, phase 3 trial, Lancet Oncol 22: 29 – 42, 2021