Integridade anatômica e funcional avaliada com dois pesos e duas medidas
Fleck, JF & Goulart, I: Conexão Anticâncer 08(04), 2019
No câncer de reto localmente avançado (CRLA), quando a ressecção anterior por via abdominal não é mais factível, particularmente nos segmentos anatômicos do reto médio e inferior, o tratamento standard costuma incluir quimioterapia + radioterapia (QRT) pré-operatória, seguida de ressecção total do mesorreto (RTM), colostomia definitiva e quimioterapia adjuvante. A agressividade e o comprometimento na qualidade de vida, induzidos pelo tratamento triplo e focado no controle locorregional, infelizmente ainda convivem com um terço de progressão metastática. A preservação de órgão é uma alternativa desejável em qualquer neoplasia. No câncer do reto médio e inferior (estádios II e III), o tratamento neoadjuvante tem conduzido a 30% de remissões clínicas completas (RCC), fortalecendo a hipótese alternativa de tratamento conservador neste subgrupo específico de pacientes. Todavia, há dificuldades no recrutamento de pacientes para desenvolvimento de um modelo experimental de distribuição aleatória, comparando o tratamento cirúrgico com o tratamento de preservação do reto.
Em 2015, o Rectal Cancer Consortium liderado pelo Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC) publica no BMC Cancer o desenho de um estudo de fase II aleatório em que pacientes com câncer de reto classificados por RNM nos estádios II e III são distribuídos para dois braços de tratamento considerados de neoadjuvância total (NAT): No braço 1 denominado de indução, os pacientes são tratados com quimioterapia seguida de QRT, enquanto que no braço 2 denominado de consolidação, os pacientes são tratados primeiro com QRT e em sequência recebem quimioterapia. Estudos anteriores apontaram para uma potencial vantagem da estratégia de consolidação sobre a de indução no desenho terapêutico da NAT. Em ambos os braços do estudo são utilizados os esquemas FOLFOX/CAPEOX de quimioterapia. Em ambos os braços, após a NAT, os pacientes são reavaliados com toque digital, endoscopia e RNM. Pacientes que atingem RCC são submetidos a acompanhamento clínico e os que expressavam doença residual são tratados com RTM. Foi escolhido como desfecho primário a sobrevida livre de progressão em 3 anos de acompanhamento (SLP3). No entanto, o estudo compara a SLP3 em dois subgrupos especiais de CRLA: Pacientes em RCC após NAT versus pacientes submetidos à RTM após NAT destituída de RCC. A desigualdade na composição dos braços do estudo ilustra a dificuldade metodológica para avaliar o tratamento conservador do reto.
Em 2019, o MSKCC publica no JAMA Oncology, um estudo retrospectivo comparando os desfechos de dois subgrupos de pacientes com CRLA: Um subgrupo composto por pacientes que atingiram RCC após tratamento neoadjuvante e concordaram com a estratégia Watch & Wait (WW) e outro composto por pacientes que evidenciaram remissão patológica completa (RPC) após RTM. A ausência de pareamento é explicada pela avaliação retrospectiva, que revelou no subgrupo WW pacientes mais idosos (p<0.001) e com tumores mais próximos da margem anal (p=0.003), evidenciando viés de seleção. Adicionalmente, houve expressiva diferença no tratamento neoadjuvante, predominando a QRT em pacientes submetidos a RTM (p<0.01). Os desfechos avaliados após seguimento mediano de 43 meses são vistos na tabela. Cerca de 21% dos pacientes em WW apresentaram recidiva local, sendo 91% tratados com cirurgia de salvação. A preservação do órgão foi possível em 82% da população submetida a WW. Guardadas as limitações metodológicas e a consequente desigualdade em pesos e medidas, a preservação do reto foi acompanhada de piora na sobrevida, especialmente devido a maior taxa de metastatização em pacientes que apresentaram recidiva local.
Desfecho / Subgrupo | WW (RCC) | RTM (RPC) |
SG | 73 % | 94 % |
SLP | 75 % | 92 % |
SDE | 90 % | 98 % |
Desfecho / Subgrupo | WW (com RL) | WW (sem RL) |
Disseminação metastática | 36 % | 1 % |
SG = Sobrevida Global, SLP = Sobrevida Livre de Progressão, SDE = Sobrevida Doença Específica, WW = Watch & Wait, RTM = Ressecção Total do Mesorreto, RCC = Remissão Clínica Completa, RPC = Remissão Patológica Completa, RL = Recidiva Local
Os vieses de seleção não permitem conclusões definitivas. Na população do estudo retrospectivo liderado pelo MSKCC predominam em ambos os subgrupos avaliados (WW e RTM) pacientes com CRLA, cuja expectativa de sobrevida global em 5 anos segundo dados atualizados em 2017 pelo Surveillance, Epidemiology and End Results (SEER) norte-americano é de 71% e, portanto, não diferindo dos 73% obtidos com o tratamento conservador. Na RTM ocorreu a seleção do subgrupo de melhor prognóstico, ou seja, com RPC, o que possivelmente justifica a SG obtida de 94%.
A maturação dos resultados na SLP3 a serem obtidos no Rectal Cancer Consortium poderá melhorar a identificação de pacientes candidatos ao tratamento conservador do órgão. Em um futuro próximo, marcadores moleculares poderão ser preditivos de RPC, podendo ser utilizados na seleção de pacientes para o desejável tratamento de preservação do reto. Muito além do CEA, estudos preliminares com mutação K-RAS isolada ou combinação KRAS/TP53, positividade-EGFR, ctDNA, assinaturas de micro-RNA (miRNA) e avaliação de células tumorais circulantes já apontam para critérios promissores.
Reference:
J. Joshua Smith, Oliver S. Chow, Marc J. Gollub, et al: Organ Preservation in Rectal Adenocarcinoma: a phase II randomized controlled trial evaluating 3-year disease-free survival in patients with locally advanced rectal cancer treated with chemoradiation plus induction or consolidation chemotherapy, and total mesorectal excision or nonoperative management, BMC Cancer 15:767, 2015
J. Joshua Smith, Paul Strombom, Oliver S. Chow, et al: Assessment of a Watch-and-Wait Strategy for Rectal Cancer in Patients with a Complete Response After Neoadjuvant Therapy, JAMA Oncol, Jan 10, 2019
Mehmet Akce and Bassel F. El-Rayes: Nonsurgical Management of Rectal Cancer, J Oncol Pract 15:123-131, 2019
Dados do INCA revelam que o câncer colorretal é o terceiro mais frequente entre os homens, logo após o câncer de próstata e de pulmão, e nas mulheres, superado apenas pelo câncer de mama e de colo de útero. Além da grande prevalência da doença, o impacto que esta causa na qualidade de vida do paciente faz-se necessário a busca por alternativas ao tratamento atual. No paciente ostomizado, distúrbios da ansiedade e depressão são reações esperadas. Perda da autoestima, da libido, restrição da vida social e de sua capacidade produtiva causam um enorme impacto psicológico que leva a uma importante diminuição na qualidade de vida do paciente. Diante desse cenário, esperamos que novas tecnologias e novos estudos deem seguimento na busca por tratamentos que tornem a vida após a doença menos sofrível.
O tratamento triplo instituído atualmente no câncer de reto é altamente agressivo e traz junto consigo uma piora na qualidade de vida, além do que, muitas vezes, não cumpre totalmente seu papel, demonstrado pelas altas taxas de metástases (1/3 ). A estratégia watch and wait, publicado no Jama oncology , também não obteve êxito, uma vez que piorou a sobrevida dos pacientes. Nesse quadro atual entramos em um impasse. No entanto, o futuro promete melhorar essa situação, o uso de marcadores preditivos de RPC que selecionam pacientes que se encaixem nos critérios estabelecidos e tenham realmente um benefício com o tratamento conservador parece ser uma aposta promissora no futuro do tratamento do câncer de reto. Vamos aguardar que isso se desenvolva logo para benefício dos pacientes.
No câncer retal, apesar da agressividade do tratamento triplo, incluindo ressecção total do mesorreto, há uma elevada taxa de metástases: 1/3. Critérios promissores mostram que marcadores moleculares no futuro poderão predizer quem deve ser, de fato, selecionado, para a remoção do órgão. Entretanto, no cenário real, sabemos serem os pólipos adenomatosos as lesões precursoras de grande parte das neoplasias colorretais (entre as mais comuns e mais letais no mundo), passiveis, portanto, de um rastreamento amplo. Além de que, a evolução natural da lesão de uma mucosa displásica para uma doença invasiva leva de 10 a 20 anos, proporcionando um tempo adequado para detecção, antes mesmo da sua incurabilidade. Por isso, reforçar sobre a enorme importância do rastreamento após os 50 anos de idade pode evitar uma lamentável situação a ser avaliada “com dois pesos e duas medidas.”
O tratamento triplo utilizado no câncer de reto localmente avançado é a alternativa mais utilizada atualmente. No entanto, além de ter uma elevada taxa de metástases (33%), há um grande impacto na qualidade da vida dos pacientes. Os pacientes ostomizados podem desenvolver distúrbios psicológicos, tais quais depressão e ansiedade. Além de poder apresentar diminuição do libido, perda de auto estima, restrição da vida social; tudo impactando fortemente no psicológico do paciente. Diante disso torna-se importante o uso de marcadores para selecionar os paciente que devem ser selecionados para a colectomia. Outro ponto importante é criar estratégias para o screening pós 40-50 anos abranger o maior número de pessoas, afim de se evitar a possível progressão da doença.
Os insucessos no câncer retal representam a perplexidade no tratamento deste tipo de neoplasia. As estratégias terapêuticas para pacientes com recorrências tendem a ser bastante individualizadas, dependendo do sítio da recorrência local, bem como do tipo da terapia anteriormente recebida. Em pacientes com um perfomance status deficiente pode-se recorrer à terapia combinada paliativa isolada. A quimioterapia, e mais especificamente o 5-Fluorouracil, foi incorporado à radioterapia em um esforço de aumentar a resposta desta; entretanto, a eficácia da quimiorradiação em relação à radiação isolada nesta situação ou em pacientes com outros sítios de recorrência, é discutível. Um estudo prospectivo randomizado realizado pelo Radiation Therapy Oncology Group em 1985 já não encontrou nenhum benefício significante com a combinação do 5FU e radiação, em relação à radiação isolada em pacientes com câncer retal inoperável, residual ou recorrente. Isso corrobora com o fato de que muitas evidências produzidas são heterogêneas, sendo difícil compará-las. Desta forma, destaca-se também a importância do desenvolvimento tanto de metanálises e estudos randomizados maiores quanto de novas ferramentas de avaliação e diagnósticas, tal como os biomarcadores. Estes podem servir tanto como preditivos de algumas situações quanto como definidores de conduta. Além disso, diferentemente de biópsia e alguns exames radiológicos, representam uma forma menos invasiva e mais segura de obter-se uma avaliação mais fidedigna da situação do paciente. Assim, pode-se optar pela melhor conduta disponível de forma individualizada não dependendo apenas de dados generalizados de estudos incipientes.
O câncer colorretal é a terceira neoplasia maligna maligna mais prevalente, tanto em homens quanto em mulheres. Mediante os grandes esforços em se criar uma alternativa terapêutica efetiva para essa condição que afeta uma parcela tão significativa da população, atualmente o tratamento triplo é o mais utilizado em casos de câncer de reto localmente avançado; no entanto, ainda há uma grande taxa de eventos metastáticos (33% dos casos) e um importante impacto negativo na vida psicossocial do indivíduo. Nesse sentido, é fundamental orientarmos a população no sentido da realização de exame de rastreamento/"screening" (colonoscopia) após os 50 anos de idade, para, dessa forma, alterarmos a história natural da doença, detectando, precocemente, qualquer alteração maligna que possa se repercutir de maneira mais prejudicial para o paciente a médio e longo prazo.
Infelizmente, o estudo MSKCC confirma o benefício em ostomizar pacientes, tendo maior desempenho em desfechos duros, como sobrevida geral, em relação ao grupo WW. Apesar de a neoplasia de cólon ser a terceira mais prevalente, pouco é falado sobre a qualidade de vida do paciente que se submete à cirurgia invasiva, que tanto impacta a saúde mental do paciente. A conscientização dessa circunstância ainda é pequena e provavelmente ajudaria os pacientes nesta situação a se sentirem representados e com menos peso por parte da terapêutica. Por outro lado, também faltam esforços para divulgarmos a importância do exame de colonoscopia para a população geral. É triste vermos pacientes passarem por cirurgias tão invasivas, quando frequentemente o desenvolvimento da neoplasia é lento e potencialmente tratável quando feito o rastreamento.
A qualidade de vida dos pacientes submetidos a terapia tripla para o tratamento do CRLA é altamente prejudicada. Ademais, apesar dessa agressiva conduta 1/3 dos pacientes evoluem com prognóstico não-favorável (apresentando metástases, por exemplo). Contudo, é notário o interesse na exploração de novas abordagens. A busca por novos marcadores molecurares surge como uma esperança para o aperfeiçoamento do tratamento do CRLA. Atualmente o rastreamento de câncer colorretal ainda é a melhor ação frente ao combate da neoplasia, visto que seu desenvolvimento é lentamente progressivo. Acredito que diante desse necessário é fundamental o incetivo aos médicos para solicitarem colonoscopia para seus pacientes que encaixam-se nos critérios estabelecidos para o rastreamento.
A qualidade de vida dos pacientes submetidos a terapia tripla para o tratamento do CRLA é altamente prejudicada. Ademais, apesar dessa agressiva conduta 1/3 dos pacientes evoluem com prognóstico não-favorável (apresentando metástases, por exemplo). Contudo, é notório o interesse na exploração de novas abordagens. A busca por novos marcadores moleculares surge como uma esperança para o aperfeiçoamento do tratamento do CRLA. Atualmente o rastreamento de câncer colorretal ainda é a melhor ação frente ao combate da neoplasia, visto que seu desenvolvimento é lentamente progressivo. Acredito que diante desse cenário é fundamental o incentivo aos médicos para solicitarem colonoscopia para seus pacientes que encaixam-se nos critérios estabelecidos para o rastreamento.
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