Nem em tudo são flores
Brondani, GS & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 25(06), 2018
O câncer de rim corresponde a 3% ou 5% de todas as neoplasias malignas, respectivamente no homem e na mulher. Infelizmente, 15% dos casos abrem o diagnóstico já em fase de doença metastática. A variante epitelial melhor conhecida em sua patogênese é o carcinoma renal de células claras (CRCC), correspondendo a 75% dos casos. No CRCC metastático, a nefrectomia citorredutora vem sendo considerada um tratamento standard há mais de vinte anos, baseado em estudos retrospectivos e prospectivos históricos. Mais recentemente, observou-se que quase 80% dos pacientes com CRCC esporádico apresentam alterações genômicas semelhantes as observadas na síndrome Von Hippel-Lindau (VHL), conduzindo a superexpressão do Fator de Crescimento Vascular Endotelial (Vascular Endothelial Growth Factor – VEGF). A compreensão e o bloqueio da cadeia de transdução de sinal mediada por VEGF tem permitido o desenvolvimento de novas drogas que conduzem a inibição da angiogênese e proliferação celular aberrante no CRCC.
Em junho de 2018, o New England Journal of Medicine publica os resultados do CARMENA TRIAL, recentemente apresentado no ASCO Meeting, em Chicago, USA. Neste estudo prospectivo de fase III, pacientes com CRCC de risco prognóstico Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC) intermediário ou pobre são aleatoriamente distribuídos na proporção de 1:1 para o braço standard, composto por nefrectomia + sunitinib versus sunitinib exclusivo, no braço experimental. No período de setembro de 2009 a setembro de 2017, um total de 450 pacientes foram incluídos. Na análise interina, com mediana de follow-up de 50,9 meses, os resultados obtidos com o uso exclusivo de sunetinib não foram inferiores ao grupo tratado adicionalmente com nefrectomia (HR 0.89, IC 0.71–1.10 com limite superior do IC 95% para não inferioridade ≤ 1.20). A mediana de sobrevida global foi de 18.4 meses para o grupo sunitinib e 13.9 meses para o grupo sunitinib+ nefrectomia.
No entanto, nem tudo são flores. A maior limitação do CARMENA TRIAL consiste na velocidade de aquisição do conhecimento. Embora sunitinib ainda seja uma droga de escolha no tratamento do CRCC com risco prognóstico MSKCC intermediário a bom, seu papel terapêutico no CRCC com risco prognóstico MSKCC intermediário a pobre, já foi ultrapassado pelo inibidor c-MET cabozantinib, bem como por inibidores de check-points imunológicos (nivolumab+ ipilimumab). Neste novo cenário terapêutico a não inclusão da nefrectomia passa a ser uma decisão relacionada a extrapolação do raciocínio.
Referência:
A. Méjean, A. Ravaud, S. Thezenas, S. Colas, et al: Sunitinib Alone or after Nephrectomy in Metastatic Renal-Cell Carcinoma, New Engl J Med, Jun 2018
No contexto da terapia dirigida sunitinibe, as recentes aprovações do cabozantinib (Cabometyx) para pacientes virgens de tratamento e a combinação de nivolumabe (Opdivo) e ipilimumabe (Yervoy) como tratamento de primeira linha para pacientes com doença de risco intermediário e de baixo risco podem eventualmente tornar o sunitinibe obsoleto.Nesse contexto, não parece necessariamente haver necessidade de remover o rim em pacientes com doença avançada e metastática.Dessas terapias mais recentes, podemos potencialmente ter que reavaliar a relevância da remoção do tumor primário.
Achei muito relevante o objetivo desse CARMENA TRIAL III, pois urgia a necessidade clínica de consolidar ou desconstruir a nefrectomia associada como um ponto-chave do tratamento, afinal, ela vinha sendo considerada como standard, embasada em estudos históricos. A pauta é: agora, com o advento da compreensão genética do VEGF e a identificação dele em cada paciente, é possível que o tratamento mude, possibilitando maior qualidade de vida ao paciente, que é o que realmente interessa. Inclusive, pelo que consta no artigo, o grupo tratado só com sunitinib obteve uma sobrevida global de aproximadamente 5 meses a mais do que o grupo tratado com sunitinib + nefrectomia.
Apesar do título "Nem em tudo são flores" fico fascinado de como os imunobiológicos vem revolucionando o tratamento do câncer. Pois na minha visão de estudante de medicina, parece muito interessante um tratamento comprovadamente não inferior (só sunitinib) quando comparado ao atual tratamento "standart" (nefrectomia) e que provavelmente proporciona maior qualidade de vida para o paciente (pela não necessidade da nefrectomia).
O CARMENA TRIAL cumpre um papel importante ao mostrar que a intervenção menos invasiva (apenas o uso de sunitinib) é não apenas não inferior ao tratamento standard, mas também representa um aumento razoável de 4 meses na sobrevida global dos pacientes. Mais estudos são necessários para avaliar como a nefrectomia se encaixa nas terapias preconizadas para o CRCC de risco prognóstico intermediário a ruim, mas isso não tira o mérito do conhecimento já consolidado pelo CARMENA em relação aos tumores de melhor prognóstico.
Apesar do Sunitinib, medicamento de estudo do CARMENA TRIAl, ter sido superadpo por medicamentos como o inibidor c-MET cabozantinib e os inibidores de check-points imunológicos (nivolumab+ ipilimumab) no tratamento de CRCC com prognóstico intermediário ou pobre, neste estudo ele não só consegui atingir a não-inferioridade à nefrectomia como também atingiu um aumento de sobrevida global de 4 meses. Tal estudo demonstra que medidas não-invasivas podem ser superiores à cirurgias no tratamento oncológico, e caso elas tenham poucos efeitos adversos elas proporcionarão maior conforto e menos sofrimento durante o tratamento, o que é extremamente desejável visto que esta doença não só causa sintomas físicos como também sintomas emocionais devido ao estigma cultura atribuído a ela (de doença terminal incurável).
O estudo CARMENA TRIAL traz uma nova luz ao tratamento de CRCC. Há mais de 20 anos, a nefrectomia é o tratamento standard, com todos seus efeitos adversos imbuídos, como, por exemplo, a sobrecarga do rim remanescente e posterior perda de função renal, além de os riscos cirúrgicos. No estudo em questão, quando em comparação com o uso somente de Sunitinib, também apresentou uma sobrevida média inferior de 4 meses. Ainda que seu uso em pacientes com prognóstico intermediário ou pobre já tenha sido superado pelo c-MET cabozantinib e pelos inibidores de check-points imunológicos (nivolumab+ ipilimumab), é interessante notar que o uso de imunobiológicos prospera como um alento e uma esperança aos pacientes nessa situação - e já o são em inúmeras outras condições médicas, inclusive oncológicas.
O CARMENA TRIAL III levantou questões interessantíssimas! A ideia de se poder tratar um carcinoma que chega a ser 5% de todas as neoplasias malignas sem ter que fazer a retirada de seu sítio primário (nesse caso, o rim) com certeza seria algo de grandíssimo impacto na qualidade de vida pós-tratamento de todos aqueles que obtivessem sucesso. Porém, como citado pelo artigo, sabendo-se que para pacientes com prognóstico intermediário a pobre o sunetinib já teria sido superado em efetividade por medicamentos como c-MET cabozantinib e nivolumab + ipilimumab, acredito haver a necessidade de se avaliar a necessidade de nefrectomia em associação com estas últimas medicações.
A importância do presente trabalho se dá frente ao grande número de casos de CRCC (3% ou 5% das neoplasias malignas) e que com o resultado evita submeter os pacientes a tratamentos invasivos desnecessários que só aumentariam as comorbidades dos indivíduos acometidos pela neoplasia. E é interessante notar como algo histórico, como o visto há 20 anos atrás com tratamento de nefrectomia mais interferon, se manteve como conduta a ser seguida mesmo com o surgimento dos imunobiológicos (o sunitinibe em 2005) de combiná-los com a nefrectomia, e que teve apoio também em estudos retrospectivos, análises de bases de dados e metanálises que viam o tratamento cirúrgico combinado ainda a melhor opção de tratamento, ao passo que vimos a importância de termos uma medicina baseada em evidências que caminhe para mudar condutas que pareciam corretas no nosso atendimento médico.
O CRCC, como apontado pelo texto, é a malignidade renal mais prevalente. O diagnóstico tardio é um limitante importante de prognóstico devido à pouca efetividade no tratamento utilizado. O tratamento padrão para o CRCC metastático é, há mais de 20 anos e baseado em evidência, a nefrectomia citorredutora. O CARMEN TRIAL, divulgado em 2018, começa a trilhar um outro caminho de tratamento que envolve apenas a quimioterapia adjuvante através de um estudo de não inferioridade comparando nefrctomia + snitinib com o tratamento apenas com sunitinib. É importante salientar as limitações do trial. Novos tratamentos surgiram desde o início do trial que talvez superem o sunitinib em eficácia, como o c-MET cabozantinib e o nivolumab+ipilimumab. Contudo, a maior importância do CARMEN trial, ao meu ver, é a busca por alternativas de tratamento para malignidades prevalentes que sejam menos debilitantes e de eficácia igual ou maior do que os tratamentos já disponíveis.
Apesar da obsolescência dos resultados com o sunitinib, o qual já foi ultrapassado por outros imunobiológicos, o estudo CARMENA TRIAL traz à luz informações de extrema importância para a terapêutica do carcinoma renal de células claras. A possibilidade de o tratamento envolver apenas o braço farmacológico e não necessitar de uma intervenção cirúrgica, que pode trazer riscos de complicações para o paciente, é uma estratégia menos debilitante, menos arriscada e com prognóstico semelhante à terapia com sunitinib. Esse resultado, portanto, demonstra a importância da realização de novos estudos para comparar a mesma estratégia com os imunobiológicos mais recentes e comprovadamente superiores ao sunitinib.
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