Registro global, inteligência coletiva, big data e aprendizado de máquina
Fleck, JF: Conexão Anticâncer 06 (03), 2020
A incidência global de COVID-19 ainda está em ascensão. Em 7 de abril de 2020 às 3:25 PM, dados fornecidos pelo Centro de Ciência e Engenharia de Sistemas da Universidade Johns Hopkins apontaram para 1 407 123 casos e 80 759 mortes. Atualmente, a taxa de letalidade (TL) é de 5,7% na população em geral. Em pacientes com câncer e infectados por COVID-19, uma apresentação clínica mais grave combinada com uma maior TL foi descrita pela primeira vez na China e os dados preliminares publicados na revista Lancet Oncology. Eventos graves relacionados ao COVID-19 foram observados em 39% dos pacientes com câncer versus os 8% relatados em pacientes sem câncer (P = 0,0003). Um estudo retrospectivo, descrevendo as características clínicas de 28 pacientes com câncer e infectados por COVID-19, reuniu dados provenientes de três hospitais referenciados em Wuhan, China. O estudo foi recentemente aceito para publicação pelo Annals of Oncology. Eventos graves foram observados em 53,6% dos pacientes com câncer infectados por COVID19, levando a uma TL de 28,6%, correspondendo a 5 vezes a TL atual da população geral. A idade média dos pacientes com câncer infectados por COVID19 foi de 65 anos e a maioria era do sexo masculino (60,7%). A maioria dos pacientes apresentava tumores em estágio I a III e, portanto, tratados ou em tratamento com intenção curativa. O pequeno número de pacientes limitou a análise de subgrupo. Mas, curiosamente, uma análise multivariada para o risco de eventos graves apontou para o tratamento antitumoral nos últimos 14 dias (P = 0,037) e achados de consolidação na TC de admissão hospitalar (P = 0,010) como fatores preditivos para o desenvolvimento de eventos graves. No entanto, os pacientes com câncer infectados com COVID-19 corresponderam a apenas a 2,2%, o que limitou as conclusões.
Atualmente, o melhor nível de evidência inclui a revisão sistemática e a metanálise. Uma metanálise, publicada pelo Journal of Medical Virology, incluindo 50 466 pacientes infectados com SARS-CoV2, relatou 18,1% de eventos graves, 14,8% de incidência de síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) e uma taxa de letalidade correspondente a 4,3%. Uma segunda metanálise publicada no International Journal of Infectious Diseases, incluindo 46 248 pacientes infectados com COVID-19, mostrou as comorbidades (hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e doenças respiratórias anteriores) como fator de risco para eventos graves, no entanto a conclusão foi limitada por significativa heterogeneidade (índice I2 variando de 39,9 a 87,5%). A Latin American Network of Coronavirus Disease (LANCOVID-19), extraiu dados de 19 artigos para análise qualitativa e quantitativa, além de 39 relatos de casos para revisão sistemática. A metodologia foi uma metanálise de eventos aleatórios e o artigo foi aceito para publicação em 11 de março de 2020 pela Travel Medicine and Infectious Disease. Um terço dos pacientes apresentou comorbidades. Nos pacientes internados, 20,3% necessitaram de unidade de terapia intensiva, 32,8% apresentaram SARA, levando a uma TL de 13,9%. Nenhuma das publicações descreveu detalhadamente dados de pacientes com câncer infectados por COVID19.
Há uma necessidade urgente de mobilizar as Sociedades de Oncologia e os Centros Abrangentes de Tratamento do Câncer em todo o mundo, visando um registro global de pacientes com câncer infectados com COVID-19. O COVID-19 and Cancer Consortium é uma iniciativa bem recebida e já reuniu mais de 50 centros de câncer nos EUA, movendo-se rapidamente em direção a globalização. Essa iniciativa promoverá inteligência coletiva, gerando um grande volume de dados, que poderá ser analisado usando recursos de aprendizado de máquina e aprendizado profundo.
O médico sempre foi treinado para fornecer a melhor recomendação ao paciente. Eventualmente, o atraso pode ser responsável por sentimentos contraditórios e dilemas éticos. A lacuna pode ser resolvida com a adequada interação entre medicina e tecnologia. Nos cuidados de saúde, o homem e a máquina não são competitivos ou mutuamente exclusivos. É necessário cooperar, explorando habilidades complementares. Atualmente, a IoT já faz mapeamento comportamental no mercado de consumo, antecipando tendências individuais. A estratégia poderá ser útil na área da saúde, especialmente em momentos em que conceitos antigos precisam ser revistos.
IoT = Internet-of-things
Referências:
1. Center for Systems Science and Engineering at Johns Hopkins University
(link: https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6)
2. Wenhua Liang, Weijie Guan, Ruchong Chen, et al: Cancer patients in SARS-CoV-2 infection: a nationwide analysis in China, Lancet Oncol, Feb 14th, 2020
3. L.Zhang ,F.Zhu ,L.Xie ,et al: Clinical characteristics of COVID-19-infected cancer patients: A retrospective case study in three hospitals within Wuhan, China, Ann. Oncol 2020 Mar 26 EPub Ahead of Print
4. Pengfei Sun, Shuyan Qie, Zongjian Liu, et al: Clinical characteristics of hospitalized patients with SARS CoV‐2 infection: A single arm meta‐analysis, Journal of Medical Virology, Feb 28th, 2020
5. Yang J, Zheng Y, Gou X, Pu K, Chen Z, Guo Q, Ji R, Wang H, Wang Y, Zhou Y, Prevalence of comorbidities in the novel Wuhan coronavirus (COVID-19) infection: a systematic review and meta-analysis, International Journal of Infectious Diseases, DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.017
6. Alfonso J. Rodriguez-Morales, Jaime A. Cardona-Ospina, Estefanía Gutiérrez-Ocampo, et al: Clinical, laboratory and imaging features of COVID-19: A systematic review and meta-analysis, Travel Medicine and Infectious Disease, Received 29 February 2020; Received in revised form 11 March 2020; Accepted 11 March 2020 DOI: https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2020.101623
7. COVID-19 and Cancer Consortium (Link: https://ccc19.org)
A covid-19 em si é uma doença com baixa taxa de mortalidade. Entretanto, associada a um quadro sistêmico, como o câncer, por exemplo, essa taxa pode subir muito, como visto de acordo com um estudo chinês que comparou o número de eventos graves em pacientes com covid-19 com câncer e sem câncer. Durante uma pandemia como a que estamos vivendo, onde o medo está sempre presente, devemos tratar com cuidado dobrado o paciente oncológico, tendo em vista que o câncer já é uma doença muito estigmatizada, a qual muitas pessoas consideram falsamente como sinônimo de sentença de morte.
Pacientes oncológicos parecem apresentar formas graves da doença causada pelo novo coronavírus. Vários estudos tem mostrado que a taxa de mortalidade nesse grupo foi maior, comparado com a população geral. Isso pode estar relacionado ao desbalanço que ocorre no sistema inume dos pacientes oncológicos, tanto pelo curso natural da doença, como pelos tratamentos para as neoplasias. Além disso, acredito que esse grupo esteja mais exposto ao vírus, já que precisam ir regularmente aos serviços de saúde, nos quais o contágio é ainda maior. Por isso, acredito que esses pacientes precisam ser expostos minimamente, almejando assim uma otimização no tratamento.
Um dos grandes prejuízos no quadro clínico do paciente com câncer é a diminuição dos mecanismos de defesa do organismo pelo sistema imunológico. Diante do cenário atual, sabemos que o COVID-19, como qualquer outro vírus, se beneficia de forma oportuna de um paciente imunocomprometido, visando maior facilidade na contaminação e instalação da doença neste paciente. Com o estudo acima, confirmamos que os pacientes imunocomprometidos precisam de uma atenção maior nos métodos de prevenção e tratamento para que a taxa de letalidade não aumente ainda mais, principalmente em pacientes que apresentam sintomas graves de insuficiência respiratória. Visto que os pacientes necessitam de recursos hospitalares para o tratamento oncológico, seria interessante implementar medidas eficazes, de modo que os pacientes com câncer tenham o mínimo de contato possível com demais pacientes do hospital, e também otimizar no controle dos profissionais da saúde que participam dessa equipe, aumentando o número de exames regulares para observar o contágio e os riscos de cada um deles, diminuindo desse modo o risco dos pacientes.
Há quase um ano convivendo com o novo coronavirus, muito se pode aprender sobre o comportamento do vírus, os órgãos afetados, sintomas diversos, tratamento, pessoas de risco sequelas deixadas, etc. Em nenhum momento da história se produziu tantos estudos em tamanha velocidade. Em relação ao câncer e o comportamento concomitante ao COVID-19, não foi diferente. Dezenas de estudos e diretrizes de tratamento, manejo e cuidados especializados ao paciente oncológico foram criados neste ano de 2020, e a utilização dos recursos de machine learning e big data são extremamente necessários já que desta forma é possível encontrar as nuances e especificidades de como o vírus atua nas células cancerígenas e no organismo como um todo. A medicina está criando novos capítulos e as novas tecnologias são imprescindíveis nesse momento.
A pandemia trouxe muitas mudanças em diversos contextos no mundo, não sendo diferente no manejo do câncer. Pacientes oncológicos requerem cuidados especiais e individualizados, especialmente nesse cenário. O desconhecimento acerca das reais repercussões com relação a infecção pelo SARS-CoV-2 tem sido uma questão importante no tratamento e acompanhamento de pacientes oncológicos.
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