Câncer & COVID-19: Como lidar com a dupla nefasta?
James Fleck: Conexão Anticâncer 20(10), 2020
Dados de uma análise nacional conduzida na China e publicada no Lancet Oncology em fevereiro de 2020 revelaram que 39% dos pacientes com câncer e COVID19-positivos tiveram eventos graves. Estes eventos foram definidos como um desfecho composto, incluindo admissão em unidade de terapia intensiva, necessidade de ventilação invasiva ou morte. Este relatório preliminar incluiu apenas 18 pacientes com morbidade dupla (câncer + COVID-19). Quando comparados com pacientes COVID19-positivos e sem câncer, eles eram mais velhos, mais propensos a ter história de tabagismo, tinham mais dispneia e manifestações tomográficas graves. Uma análise de coorte retrospectiva, conduzida em três hospitais em Wuhan, confirmou a maior incidência de eventos graves na associação COVID19 + câncer. Entre 13 de janeiro de 2020 e 26 de fevereiro de 2020, um total de 1.276 pacientes COVID-19 positivos foram admitidos nos três hospitais, sendo diagnosticado câncer em 28 destes pacientes (2,2%). A maioria era do sexo masculino (60,7%), a mediana de idade foi de 65 anos e o tipo de tumor mais frequente foi o câncer de pulmão (25%). Eventos graves foram relatados em 53,6% dos pacientes com câncer + COVID19-positivos, levando a uma taxa de mortalidade de 28,6%. Pouco tempo depois, a COVID-19 foi declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde. Desde então, esforços mundiais têm sido feitos para entender melhor as consequências da dupla nefasta (COVID19 + Câncer).
O primeiro relatório do prognóstico de pacientes com câncer e COVID-19 positivos nos EUA foi conduzido no Mont Sinai Health Systemem Nova York. Um total de 334 pacientes com câncer foram descritos após a revisão de 5688 registros médicos eletrônicos de pacientes positivos para COVID-19, no período compreendido entre 1º de março de 2020 a 6 de abril de 2020. Sem ajustes para idade, os pacientes com câncer e positividade para COVID-19 foram, significativamente, mais intubados (RR = 1,89), mas a taxa de mortalidade não foi significativamente diferente. No entanto, pacientes com menos de 50 anos de idade tiveram uma taxa de mortalidade significativamente maior (RR = 5,01). Quase que contemporaneamente, Cancer Consortium Database (CCC19) revisou 1.035 registros de pacientes com câncer + COVID19-positivos. As neoplasias malignas mais prevalentes foram câncer de mama (21%) e câncer de próstata (16%), sendo que 39% dos pacientes estavam em tratamento antineoplásico ativo. Os resultados foram publicados no Lancet em 20 de junho de 2020 e revelaram uma taxa de mortalidade geral de 13% após um acompanhamento mediano de 21 dias. Na análise de regressão logística, os fatores independentes associados ao aumento da mortalidade foram idade avançada (OR = 1,84), sexo masculino (OR = 1,63), tabagismo (OR = 1,60), duas comorbidades (OR = 4,5), PS ECOG 2 (OR = 3,89), câncer em progressão (OR = 5,20) e tratamento com azitromicina + hidroxicloroquina (OR = 2,93). Em um estudo de coorte mais recente, publicado em julho de 2020 no Cancer Discovery, o Montefiore Medical Center relatou o resultado de 218 pacientes com câncer + COVID-19 e mostrou uma taxa de letalidade (TL) mais elevada entre as doenças malignas hematológicas (37%), quando comparada com a TL observado em tumores sólidos (25%). Mais impressionante foi a TL de 55% observada nos 11 pacientes com câncer de pulmão. Gradualmente, dados mais robustos começaram a aparecer, sustentados por um estudo de coorte pareado e uma revisão sistemática. Um estudo de coorte observacional retrospectivo pareado foi conduzido por dois hospitais presbiterianos de Nova York (Weill Cornell Medicine e Lower Manhattan Hospital) e publicado no Journal of Clinical Oncology em 28 de setembro de 2020. Pacientes com câncer + COVID-19 (Braço A: C + C +) foram pareados (1: 4) com pacientes COVID19-positivos sem câncer (Braço B: C + C-). Quase 45% dos pacientes do braço A estavam recebendo tratamento citotóxico ou imunossupressor dentro dos 90 dias da admissão. Curiosamente, não houve diferença significativa na morbidade e mortalidade entre os dois braços. A taxa de mortalidade para pacientes C + C + (Braço A) foi de 24,8% em comparação com 21,4% para pacientes C + C- (Braço B) (P = 0,894). Apesar da limitação de um estudo pareado não prospectivo, os dois braços estavam bem balanceados para alguns fatores prognósticos importantes (história de tabagismo, obesidade e comorbidades). Não houve diferença nos resultados compostos em malignidades hematológicas e sólidas, bem como, em pacientes C + C + submetidos à terapia citotóxica dentro dos 90 dias da admissão (P = 0,446). Os resultados sugerem que o diagnóstico de câncer ativo isoladamente e a terapia citotóxica recente não antecipam um pior resultado para a COVID-19. Por fim, a ScienceDirect publicou uma revisão sistemática internacional e análise conjunta de 52 estudos, mostrando uma probabilidade de morte de 25,5% em pacientes com câncer + COVID-19, porém com uma heterogeneidade de I2 = 48,9%. Embora os dados pareçam um pouco contraditórios, temos que admitir que a dupla nefasta (COVID-19 + Câncer) é uma ligação perigosa, expressando alta incidência de morbimortalidade. Medidas preventivas agressivas devem ser implementadas para proteger os pacientes com câncer contra a infecção por COVID-19 e as recomendações para limitar a terapia direcionada ao câncer devem ser cotejadas, cuidadosamente, em relação ao risco específico de morte por câncer e outros desfechos substitutos.
Referências:
1. Liang W, Guan W, Chen R, et al: Cancer patients in SARS-CoV-2 infection: a nationwide analysis in China, Lancet Oncol, Feb 14th, 2020
2. Zhang L, Zhu F, Xie L, et al: Clinical characteristics of COVID-19-infected cancer patients: a retrospective case study in three hospitals within Wuhan, China, Ann Oncol 31(7): 894-901, 2020
3. Miyashita H, Mikami T, Chopra T, et al: Do Patients with Cancer have a Poorer Prognosis of Covid-19: An Experience at New York, Annals of Oncology, April 2020
4. Kunderer N, Choueiri T, Shah D, et al: Clinical Impact of Covid-19 in Patients with Cancer (CCC19): A Cohort Study, Lancet 395: 1907 – 18, 2020
5. Mehta V, Goel S, Kabarriti R, et al: Case Fatality Rate of Cancer Patients with COVID-19 in a New York Hospital System, Cancer Discovery July, 2020
6. Brar G, Pinheiro L, Shusterman M, et al: COVID-19 Severity and Outcomes in Patients with Cancer: A Matched Cohort Study, J Clin Oncol, Sep 28th, 2020
7. Saini K, Tagliamento M, Lambertini M, et al: Mortality in Patients with Cancer and Coronavirus Disease 2019: A Systematic Review and Pooled Analysis of 52 Studies, I European Journal of Cancer 139:43-50, 2020
Nessa perspectiva de pandemia por COVID-19, é interessante ressaltar que ainda existem opiniões divergentes sobre a estratégia de testagem a ser empregada em pacientes assintomáticos portadores de câncer. Algumas instituições, por exemplo, preferem testá-los sistematicamente para a infecção por SARS-CoV-2 antes de iniciar terapias imunosupressoras, apesar de tal prática não ser recomendada por algumas sociedades médicas importantes como a “American Cancer Society” e a “American Society of Clinical Oncology”. Outras entidades, por sua vez, optam por realizar os testes apenas em casos de neoplasias hematológicas ou pulmonares, pelas elevadas taxas de letalidade associadas a essas comorbidades, devidamente salientadas no artigo.
Sabe-se que pacientes sob tratamento oncológico são grupo de risco para complicações, o que pode culminar em desfechos negativos, como morte, o que ficou confirmado pela análise contida nesse artigo. Todavia, o paciente não deve parar seu por causa do COVID-19. Assim, a prevenção é a arma para evitar desfechos e isso é um desafio na atualidade em que cada vez mais as medidas de isolamento são flexibilizadas. Ademais, cabe às equipes oncológicas ajustar o risco do tratamento ao de infecção levando em conta testagem e manejo de forma individualizada de acordo com a equipe, paciente e tipo de neoplasia.
As divergências entres os estudos clínicos atentam para a perspectiva de buscar novos horizontes para esse desfecho Covid/ Câncer. A lógica da presença de imunossupressão devido ao tratamento de pacientes oncológicos, aliado a um possível pior prognóstico clínico da SARS-CoV-2 , nos leva a acreditar em maior associação com alta mortalidade, morbidade e incidência. No entanto, a alta heterogeneidade dos estudos que corroboram com essa tese e a existência do estudo de dois hospitais presbiterianos de Nova York (Weill Cornell Medicine e Lower Manhattan Hospital) alertam para a necessidade de mais pesquisa nessa área. Ainda sim, os cuidados com prevenção, higiene e saúde devem ser preconizados, independentemente de qualquer relação Covid/câncer.
A pandemia relacionada à COVID-19 tornou-se um problema de saúde pública e principalmente preocupante para alguns grupos de risco, como os pacientes oncológicos, uma vez que eles estão mais suscetíveis a infecções, em virtude da coexistência de doenças crônicas e da imunossupressão causada pela neoplasia e pelos regimes de tratamento. Como consequência e, com base nos estudos que estão disponíveis na literatura científica, os pacientes oncológicos portadores do SARS-CoV-2 podem ter evolução e prognóstico piores quando comparados a outras populações. Desse modo, é essencial que as medidas de prevenção continuem sendo tomadas, além da necessidade de novos estudos clínicos para melhor compreensão sobre os impactos da doença nesses pacientes.
O artigo acima nos mostra a importância de fazer ações profiláticas para evitar a contaminação de COVID-19, em especial pacientes com câncer, pois os dados mostram uma piora no quadro do paciente. Apesar da heterogeneidade em métodos e N variados, ele reforça a fragilidade desses pacientes,com o aumento das intubações, maior mortalidade em diferentes tipos de câncer. E para não expor pacientes com tantas morbidade devido ao tratamento do câncer é necessário insistir em ações para frear a taxa de contaminação por COVID-19.
Os pacientes oncológicos apresentam risco aumentado para o desenvolvimento de infecções severas e maior necessidade de internação em UTI e utilização de ventilação mecânica quando comparados com populações de pacientes sem o diagnóstico de câncer. A pandemia de COVID-19 trouxe maior risco para esses pacientes, pois são mais suscetíveis as complicações geradas por essa doença. Além das complicações causadas pelo coronavírus, a falta de acesso aos serviços de saúde, devido a superlotação provocada pela pandemia, surge como mais um fator complicador para esse público. Desta forma, os cuidados de prevenção se fazem extremamente necessários até obter a vacinação de todos os pacientes com câncer.
A alta morbimortalidade em pacientes que têm a 'dupla nefasta' nos demonstra a enorme necessidade de cuidados de prevenção para os pacientes oncológicos. Assim, deve ser prioridade, tanto das políticas públicas de saúde, quanto da sociedade, em geral, prezar pela sua proteção frente a essa pandemia. Tal proteção abrange cuidados preventivos, incluindo vacinação, e também abrange a garantia do acesso a serviços de saúde, para aumentar a chance de uma intervenção precoce, quando seus benefícios ultrapassam os malefícios de colocar esses pacientes em tratamento imunossupressor.
Devido ao fato de o câncer poder apresentar um risco aumentado para desfecho grave de COVID-19, é importante que haja um consenso de quando testar pacientes com câncer. Sabe-se que se deve testar pacientes com sintomas de COVID-19 ou com exposição a alguém com teste positivo para COVID-19. No entanto, ainda não há consenso em relação ao teste de pacientes sem sintomas de COVID-19 antes de começar terapias imunossupressoras, independentemente de uma exposição conhecida ao COVID-19. Sendo assim, acredito que a falta de unanimidade em relação a política de testagem seja prejudicial ao paciente, alertando a necessidade de mais pesquisas acerca deste assunto.
Desde início de 2020 o mundo vive sua maior - e pior - epidemia desde a chamada "gripe espanhola". O vírus SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, vem se mostrando extremamente agressivo. A COVID-19 ao acometer pacientes oncológicos, como aponta o artigo acima, se torna importante agravante de desfecho negativo, sobretudo no grupo de pacientes já mais susceptíveis aos desfechos não favoráveis, cito pacientes com obesidade, diabetes, hipertensos e tabagistas. Porém, quando testar estes pacientes para novo coronavírus? Iniciar um tratamento imunossupressor em pacientes assintomáticos acometidos pela COVID-19 é seguro? Carece-se de mais e melhores evidências, até este momento.
É de conhecimento de quase toda a população o impacto que a pandemia da COVID-19 trouxe as mais diversas áreas médicas, sendo elas diretamente ligadas a doenças respiratórias ou especialidades como a oncologia que apresenta pacientes mais vulneráveis e que necessitam de maior prevenção para que desfechos mais graves sejam evitados. A partir dos estudos apresentados nos artigos a gente compreende o risco que os pacientes oncológicos estão expostos em caso de contaminação pelo SARS-CoV-2, por isso a ampla testagem dos pacientes, principalmente nos grupos de maior risco apresentados em um dos artigos (idade avançada, pacientes do sexo masculino, tabagistas, que apresentam duas comorbidades, PS ECOG 2, câncer em progressão e pacientes que realizam tratamento com azitromicina + hidroxicloroquina) é tão importante. Apesar de estarmos tentando voltar a vida normal, num ilusório de pós-pandemia, as variantes ainda estão surgindo e tendem a ser cada vez mais adaptadas e violentas, visto que a vacinação começa a atingir um platô, o que pode levar a cepas resistentes, inclusive, as vacinas já disponíveis atualmente.
It's impressive how covid-19 is related to several diseases. But today, these relationships with some cancers may even be related to the weaknesses of the patients rather than the pathogenesis itself.
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