Estudo canadense mostra que na recidiva bioquímica do câncer de próstata após radioterapia, o tratamento intermitente de supressão hormonal não é inferior ao tratamento de supressão androgênica contínua
Fleck, J.F.: Conexão Anticâncer 12(02), 2017
Em 1966, o Dr. Charles B. Huggins, então diretor do Ben May Laboratory for Cancer Research at the University of Chicago recebe o prêmio Nobel de Medicina por seu trabalho relacionando o câncer de próstata com o hormônio masculino. Desde então, a supressão hormonal tem-se constituído no principal paradigma para o tratamento do câncer metastático da próstata. Mais recentemente, o tratamento de supressão hormonal passou a ser também utilizado nos cenários neoadjuvante, adjuvante e na recidiva bioquímica. Com a introdução do PSA, em uso clínico, em 1986 foi possível identificar a falha precoce ao tratamento locoregional do câncer de próstata. Passou-se a utilizar o termo recidiva bioquímica quando, intempestivamente, ocorria a elevação do PSA sérico após tratamento definitivo do câncer de próstata com cirurgia (prostatectomia radical) ou radioterapia (RT) definitiva.
A recidiva bioquímica após RT definitiva do câncer de próstata é normalmente tratada com supressão androgênica, que pode ser contínua ou intermitente. O racional para o tratamento intermitente está fundamentado na síndrome de retirada, na qual a reexposição de células do carcinoma de próstata ao hormônio masculino, após a suspenção temporária do tratamento de castração química, estaria associada a apoptose das células tumorais e aumento posterior de sua sensibilidade a nova supressão hormonal. Adicionalmente, os efeitos adversos associados a supressão hormonal (disfunção sexual, fogachos, fadiga, anemia, decréscimo na densidade óssea e muscular, depressão, alterações cognitivas, alterações metabólicas e morbidade cardiovascular) poderiam ser mitigados com o uso de tratamento intermitente.
Em setembro de 2012, o Canadian Cancer Society Research Institute publica no New England Journal of Medicine um estudo cooperativo aleatório de fase III avaliando o uso de supressão androgênica intermitente na recidiva bioquímica do câncer de próstata após tratamento definitivo com RT. O braço controle consistiu em pacientes com recidiva bioquímica pós-RT tratados com supressão androgênica contínua. Foram incluídos 1386 pacientes com recidiva bioquímica pós-RT definitiva e aleatoriamente distribuídos na proporção de 1:1 nos dois braços de tratamento. O estudo desenhado primariamente para avaliar sobrevida, mostrou a não-inferioridade do tratamento intermitente e melhora de alguns parâmetros de qualidade de vida como fogacho, libido, sintomas urinários e fadiga. Considerando a mediana de idade dos pacientes incluídos no estudo (74.2 anos) ocorreu um percentual expressivo de mortes não-relacionadas ao câncer de próstata (59%). Houve um número maior de mortes relacionadas ao câncer de próstata no grupo de tratamento intermitente e em contrapartida um número maior de mortes por outras causas no grupo de tratamento contínuo. Todavia, quando avaliada a mortalidade específica por câncer de próstata, o tratamento intermitente manteve a condição de não-inferioridade. O timing na aplicação dos questionários de qualidade de vida incluiu muitos pacientes em fase on no grupo intermitente, o que enfraqueceu os resultados, considerando que o suposto benefício seria predominantemente detectado na fase off. Guardadas as limitações, este é um elegante estudo que visa manter desfechos em um cenário de menor iatrogenia.
Referência:
Crooke, J.M.; O’Callaghan, C.J.; Duncan, G.; et al: Intermittent Androgen Suppression for Rising PSA Level after Radiotherapy, NEJM 367: 895 – 903, 2012
A relevância do estudo reside não apenas no fato de mostrar que a supressão androgênica intermitente não foi inferior à terapia contínua em relação à sobrevida global e possivelmente retarda a progressão para câncer de próstata resistente à castração, mas também por evidenciar que importantes fatores relacionados à qualidade de vida melhoraram com a terapia intermitente.
Os efeitos fisiológicos da progressão de um câncer, bem como os efeitos colaterais causados pelas terapias aplicadas no tratamento oncológico, são sabidamente penosos à qualidade de vida do paciente. Entretanto, tais efeitos são, em algumas situações, pouco valorizados frente à possibilidade de cura, que geralmente é aliada aos mais agressivos tipos de tratamento possíveis para que não haja margem de recidiva. Esse estudo é interessante no sentido de trazer evidências de efetividade de um tratamento menos limitador da qualidade de vida dos pacientes, possibilitando uma aliança entre sobrevida e qualidade de vida. Cabe ressaltar, porém, a necessidade de novos estudos que possam fortalecer tais evidências e assim proporcionar uma nova forma de abordagem ao câncer de próstata recidivado bioquimicamente.
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