Modelagem de Inteligência Coletiva em Saúde

Resultados obtidos após dez anos de desenvolvimento continuado

James Fleck, MD, PhD: Conexão Anticâncer 24(01), 2022

A inteligência coletiva é uma conquista social que resulta da colaboração e se revela na tomada de decisão consensual. Assemelha-se ao padrão fractal observado na natureza. Ela se expressa na forma de uma propriedade emergente, pois uma nova entidade surge como consequência da integração das partes, criando um todo distinto e magnificado. Como um fractal, ela é ilimitada em seu potencial de crescimento, ordenando os componentes em uma iteração natural, bela e bem orquestrada. Na medicina, a inteligência coletiva se expressa na prática cotidiana, pois a eficácia na proposição de uma intervenção clínica é resultante de uma interação bem-sucedida entre médico, paciente e família. O mesmo acontece na educação médica, pois a relação entre os grupos docente e discente potencializa o desfecho das intervenções pedagógicas. O resultado é fascinante e imprevisível, retroalimentando o crescimento e produzindo um alto nível de satisfação pessoal e social. O processo de crescimento é tão surpreendente que, ao olhar para trás, os participantes não reconhecem uma rota pré-estabelecida. Quando a mente humana segue as leis da natureza, não há necessidade de orientação externa, dispensando desenhos matemáticos ou estatísticos complexos. A metodologia tem vida própria e sempre nos surpreende com sua eficiência abrangente.

Quando iniciei este projeto, há dez anos, tive a sensação de que a maior parte do que aprendi na medicina veio do relacionamento com os pacientes. Como professor de medicina, nesse período, também percebi que estava aprendendo com meus alunos. Consequentemente, a inteligência coletiva tornou-se um estilo natural de vida em minha dupla carreira profissional. Mais tarde, percebi a presença inesperada de um novo protagonista, o ciberespaço. Essa quantidade excessiva de dados refletia as infinitas conexões observadas no cérebro humano. A Internet tornou-se parte integrante da vida diária das pessoas, moldando o comportamento humano, habilidades e competências. Gradualmente, fui aprimorando minhas ideias, aproximando-me de empresas e profissionais de TI altamente qualificados que colaboraram no desenvolvimento e implementação de novas ferramentas digitais para serem utilizadas na prática e no ensino da medicina. Como trabalho com pacientes com câncer e ensino oncologia clínica no meu hospital universitário, iniciei este projeto criando um site educacional que falaria a linguagem universal da epidemiologia, diagnóstico e tratamento do câncer.

Muito cedo, comecei a aprender com o feedback dos leitores. Surpreendentemente, a aparente complexidade semântica da medicina não era incompreensível pelos pacientes, desde que sustentada por uma abordagem racional e prática. Ao lidar com questões médicas, a simplificação excessiva é um erro mortal, pois distorce a essência do conhecimento. Esse revés foi superado, por meio de linguagem precisa e uso criterioso de frases explicativas. Progressivamente, percebi que estava usando a mesma semântica para pacientes e estudantes de medicina. Ambos responderam bem, mas com motivações diferentes. Os pacientes queriam ser curados e os alunos queriam aprender. Ninguém foi discriminado. Na verdade, estávamos praticando um método amplo e aberto de tradução inclusiva do conhecimento. Mais tarde, vários especialistas clínicos e cirúrgicos também apareceram entre os leitores, o que ampliou ainda mais o escopo. A estrutura do texto foi gradualmente refinada. A tarefa foi realizada por meio de pequenos editoriais, cada um exigindo uma leitura máxima de cinco minutos. O editorial sempre incluiu uma informação principal, uma explicação fundamentada, o contexto técnico-científico em que os dados estavam localizados e o impacto na tradução do conhecimento. Felizmente, o software era responsivo, auxiliando a maioria dos leitores, que usavam o celular, e o tempo gasto no deslocamento para acessar os textos. Muitos dos editoriais envolviam a assinatura molecular no diagnóstico e tratamento do câncer, abrindo uma nova janela para a compreensão da biologia tumoral e suas implicações para a prática clínica. Pacientes e médicos aprenderam sobre a plasticidade fenotípica dos tumores e entenderam a via de sinalização a jusante que regula a morfologia e função celulares. Esse universo molecular foi integrado a simulações clínicas, que levaram o leitor ao cenário cotidiano da assistência à saúde. Simulações clínicas foram escritas para explicar os tumores malignos mais prevalentes. Cada simulação clínica foi dividida em elementos do enredo. Em cada elemento do enredo, a relação médico-paciente gerou emoções que orientaram a conduta do médico. As ações eram responsáveis ​​por fluxos emocionais únicos, onde as inflexões mais profundas representavam os pontos de virada (turning points) do paciente. Um navegador de termos indexados foi desenvolvido e usado pelos leitores para selecionar um tumor específico ou a simulação clínica que gostariam de ler. Assim, o leitor assumiu um papel protagonista, personalizando ainda mais a aquisição de conhecimento. Nesse momento, foi criado um banco de dados usado para um diálogo técnico entre estudantes e profissionais e apoiando os pacientes no compartilhamento da tomada de decisões.

Hoje, todo o projeto inclui dois sites, uma produção de vídeo semanal e um curso online interativo. Os números chegaram a 500 publicações, mais de 1M de acessos e 5K interações. Essas informações foram coletadas e analisadas, resultando em um índice de satisfação de 98,5%. Inteligência artificial e metodologia de deep-learning estão sendo combinadas na busca exploratória de uma ontologia padrão. Atualmente já existe um banco de dados com expansão ilimitada que orienta o diagnóstico e o tratamento do câncer. A inteligência coletiva poderá categorizar e sistematizar melhor o processo de tomada de decisão em oncologia. Atingido esse objetivo, o modelo poderá ser utilizado em qualquer especialidade médica.

 

Referências:

 

1.     www.anticancerweb.com

2.     www.conexaoanticancer.com.br

3.     Fleck, J: Cancer molecular, clinical and social signature: Massive Open Online Course (MOOC) in Clinical Oncology Version 8.0

4.     Photo by Aaron Burden on Unsplash