Interferência positiva com radio-neurocirurgia estereotáxica (RNE) e inibidores da tirosina quinase (TKI) – conhecendo melhor um inimigo indolente
Rebelado, T & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 21(11), 2017
O câncer de pulmão é o principal responsável pela mortalidade câncer-relacionada no mundo. Nos EUA o número absoluto de mortes por câncer de pulmão é superior ao quantitativo das mortes por câncer de mama, próstata e cólon combinadas. Embora a metastatização cerebral esteja mais relacionada ao comportamento biológico do carcinoma brônquico de pequenas células, estudos recentes tem demonstrado incidência crescente de metástases no SNC de pacientes com adenocarcinoma EGFR mutado. Esta constatação está diretamente relacionada ao aumento de sobrevida observado com a introdução dos TKI e maior acuidade diagnóstica dos métodos de imagem. Estudos de fase II tem demonstrado a eficácia do uso de erlotinib em pacientes com adenocarcinoma de pulmão EGFR mutado e com metástases cerebrais. Tem sido observado remissão das metástases no SNC em um percentual variável de 55 a 89%, com importante impacto em sobrevida livre de progressão e sobrevida global. Persistem dúvidas na literatura sobre a potencial vantagem das combinações de TKI + RNE ou TKI + Irradiação ao SNC - whole brain (WBRT).
Em janeiro de 2017 o Journal of Clinical Oncology publicou um curioso artigo retrospectivo sobre estratégicas combinadas de tratamento das metástases em SNC de pacientes com carcinoma brônquico não de pequenas células (CBNPC) EGFR mutado. O artigo contemplou o uso de TKI em associação com RNE ou WBRT questionando qual o melhor timing e tipo de combinação. Foram avaliados 351 pacientes de 6 centros universitários norte-americanos comparando três modalidades de intervenção: grupo RNE up front (RNE seguido de TKI), grupo WBRT up front (WBRT seguido de TKI) e grupo TKI up front ( TKI seguido de RNE ou WBRT na progressão). Os pacientes do grupo RNE up front e WBRT up front apresentaram sobrevida mediana significativamente maior do que os pacientes com uso de TKI up front. A sobrevida mediana foi respectivamente de 46, 30 e 25 meses. Também foi observado que os pacientes que iniciaram o tratamento com radioterapia apresentaram tendência a maior controle da doença no SNC, com sobrevida livre de progressão intracraniana de 23, 24 e 17 meses, respectivamente nos grupos RNE up front, WBRT up front e TKI up front (p = 0.025).
As conhecidas limitações de uma avaliação retrospectiva e particularmente o viés de seleção observado no estudo não invalidam sua importância como gerador de hipóteses terapêuticas. Considerando o aumento de sobrevida obtido com tratamento combinado das metástases cerebrais do CBNPC EGFR mutado, torna-se necessário um estudo prospectivo de fase III para avaliar o timing das associações, buscando o melhor desfecho com a menor toxicidade.
Referência:
Magnuson, WJ; Lester-Coll, NH; Wu, AJ; et al: Management of Brain Metastases in Tyrosine Kinase Inhibitor–Naıve Epidermal Growth Factor Receptor–Mutant Non–Small-Cell Lung Cancer: A Retrospective Multi- Institutional Analysis, J Clin Oncol 35, Jan 2017
Os exames de imagem ajudam a localizar a lesão e são extremamente úteis para determinar a extensão da doença, ou seja, o estadiamento do câncer. As tirosinas-quinases são responsáveis pela ativação de várias proteínas por transdução de sinal em cascata, as TKI inibem esse passo. Desse modo, a junção dessas duas técnicas, imagem e TKI, soma forças para ampliar a sobrevida dos pacientes. Embora haja limitações nesse estudo retrospectivo, a combinação RNE seguido de TKI apresenta uma sobrevida mediana de 46 messes, ou seja, 3,8 anos a mais de vida ao paciente. Não há dúvidas que o benefício é evidente, porém, há de se averiguar mais afundo as consequências dessas associações.
É interessante ver que o estudo demonstrou bons resultados em relação a sobrevivência geral, apesar de ser uma análise retrospectiva. Também apresentou os pacientes com mais probabilidade de sintomas e de metástases maiores de 1cm, tratados com radiocirurgia estereotáxica comparando com o EGFR-TK. Além disso, o estudo demonstra que os resultados são melhores em pacientes com melhor prognóstico de início. Penso que são necessários mais estudos, e que os resultados podem fomentar a pesquisa nessa área.
Apesar de suas limitações o estudo mostrou que o (SRS), seguido de TKI do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR), levou a uma melhor sobrevivência global em pessoas com CBNPC e mutantes de EGFR (que desenvolvem metástases cerebrais). Além de permitir que se evitem as possíveis sequelas neurocognitivas do WBRT. Os efeitos iatrogênicos da WBRT afetam as funções neurocognitivas e reduzem a qualidade de vida dos pacientes. Assim, a imunoterapia com agentes mais direcionados em associação ao SRS pode levar a um melhor controle do tumor e reduzir a possíveis danos cognitivos, tornando o SRS ainda mais impactante.
O aparecimento de mutações EGFR em carcinomas não pequenas células os quais vinham sendo tratados com inibidores de tirosina-quinase demonstra alguns pontos interessantes. O primeiro deles é que os métodos diagnósticos estão cada vez mais eficientes, o que é de grande valia. Outro ponto demonstra que a luta contra o câncer é muito difícil, pois um carcinoma não-pequenas células que vinha sendo tratado sofre mutações e adquire algumas características de carcinoma de pequenas células, como metastatizar para o SNC. Apesar disso, saber quais mutações ocorrem é muito importante para que possamos direcionar os esforços na terapêutica.
Neste estudo retrospectivo compara-se o resultado de três abordagens terapêuticas que objetivam melhores desfechos no tratamento de pacientes com câncer de pulmão de não pequenas células com mutação de EGFR e metástase cerebral. A estratégia de RNE seguida por TKI proporcionou maior sobrevida global, além de diminuir as chances de sequelas neurocognitivas do WBRT e favorece entusiastas da RNE como manejo inicial desses pacientes. Entretanto, não se pode ignorar o advento dos TKIs de terceira geração, opções que futuramente poderão estar disponíveis para esses pacientes. Soma-se a isso a necessidade de estudos prospectivos para uma melhor avaliação dessas diferentes estratégias.
A partir desses dados pode-se concluir que em metástases cerebrais provenientes de tumores não pequenas células EGFR positivos, temos mais benefício no uso de radiação ionizante estereotáxica e depois iniciar o tratamento com inibidor da Tirosina Quinase. Essa ordem de tratamento por si só pode aumentar a sobrevida mediana em até 21 meses em comparação ao esquema em que há o uso de TKI antes da radioterapia. Tal situação demonstra que dentro dos tratamentos disponíveis podemos rearranjar esquemas que melhor se adequem ao paciente balanceando aumento de sobrevida, efeitos adversos e respeitando a individualidade de cada paciente. Com diferentes maneiras de aplicar o mesmo tratamento em pacientes diferentes e o surgimento de terapias-alvo capazes de atuar em determinada mutação gênica tumoral, é possível personalizar ainda mais o tratamento.
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