A futilidade de uma associação perigosa
Rebelatto, TF & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 27(06), 2017
O carcinoma brônquico de pequenas células (CBPC) representa 15% das neoplasias malignas do pulmão e ocorre predominantemente em população tabagista. Caracteriza-se por ser uma neoplasia maligna com comportamento proliferativo alto e disseminação metastática precoce. Existe uma suscetibilidade acumulativa crescente de comprometimento do SNC, o que aponta para a indicação de irradiação profilática do crânio (IPC) especialmente em pacientes com doença limitada (DL) e com boa resposta ao tratamento combinado com quimioterapia + radioterapia. Metanálises prévias de estudos prospectivos e randomizados mostraram que pacientes com CBPC quimio-sensíveis submetidos a IPC, apresentaram menor incidência de metástases cerebrais e maior sobrevida global.
Em 2007 o EORTC (European Organization for Research and Treatment of Cancer) publicou os resultados de um estudo prospectivo e randomizado sobre o uso de IPC em 286 pacientes com CBPC – doença extensa (DE). Os resultados mostraram que o risco acumulativo em 1 ano de desenvolver metástases cerebrais em pacientes submetidos à IPC foi de 14.6%, enquanto no grupo da observação chegou a 40.4%. A sobrevida em 1 ano foi 27.1% no grupo intervenção versus 13.3% no grupo observação. O resultado positivo do estudo foi enfraquecido por falhas metodológicas.
Para melhor entender a aplicabilidade da IPC no cenário do CBPC - DE foi desenhado um estudo prospectivo de fase III, englobando 47 instituições japonesas. O estudo japonês avaliou 224 pacientes com CBPC–DE distribuídos aleatoriamente para um braço com IPC e outro submetido a observação. Ressonância Magnética do Crânio (RMC) foi realizada como parâmetro inicial em todos pacientes elegíveis para o estudo, incluindo somente aqueles sem metástases cerebrais. Após um mínimo de dois ciclos de quimioterapia baseada em platina, os pacientes com doença controlada eram distribuídos aletoriamente para IPC ou observação. Os pacientes foram avaliados com RMC a cada 3 meses no primeiro ano, bem como aos 18 e 24 meses. O desfecho primário foi a sobrevida global e os desfechos secundários foram o tempo para desenvolvimento de metástases cerebrais, sobrevida livre de progressão, efeitos adversos e avaliação cognitiva através do Mini-mental.
Os resultados do estudo japonês foram publicados no Lancet Oncology em maio de 2017 e contrapõem os resultados prévios do EORTC, pois no estudo Japonês a sobrevida global mediana foi 11.6 meses no grupo em que recebeu IPC versus 13.7 meses no grupo observacional. A sobrevida em 1 ano foi de 48% e em 2 anos foi 15% no grupo intervenção, enquanto no grupo observacional de 53% e 18%, respectivamente em 1 ano e em 2 anos (diferença não- significativa), a despeito da taxa de metástases cerebrais ser menor nos pacientes submetidos à intervenção, 48% versus 69%. Quanto aos efeitos adversos da IPC, houve aumento das taxas de anorexia, náusea e dermatite nos pacientes submetidos à intervenção. Por outro lado, o comprometimento cognitivo dos pacientes, neste estudo não mostrou diferença significativa entre os grupos, talvez pela baixa expectativa de sobrevida em pacientes com CBPC-DE.
Referência:
Takahashi, T; Hiamanaka, T; Seto, T; et al.: Prophylactic Cranial Irradiation versus observation in patients with extensive disease small cell lung cancer: a multicentre randomized open-label phase III trial, Lancet Oncology 18: 663-71, 2017
Fleck, JF; Einhorn, L; et al: Is Prophylactic Cranial Irradiation indicated in small cell lung cancer, J. Clin Oncol 8: 209 – 214, 1990
Turrise, A: (Editorial) Brain Irradiation and Systemic Chemotherapy for Small Cell Lung Cancer: Dangerous Liaisons, J. Clin Oncol 8: 196 – 199, 1990
Estudo complexo e interessante, que as pesquisas progridam para melhorar a expectativa de vida desses pacientes.
Muito legal esse estudo com (teoricamente) menores falhas metodológicas que mostrou não haver diferença estatisticamente significativa entre observar e realizar IPC no desfecho sobrevida de pessoas com CBPC-DE. Além disso, efeitos associados à irradiação foram presentes nas pessoas do grupo intervenção, mostrando que essa tentativa de evitar metástase cerebral e aumentar sobrevida não apenas não trás benefício quando avaliado aumento de sobrevida como também pode acarretar prejuízo da qualidade de vida.
O estudo japonês de 2017 coloca em contradição uma prática de certa forma já consolidada como parte do tratamento do carcinoma brônquico de pequenas células. Os resultados encontrados em ambos os estudos mostraram fortes evidências de que a IPC pode diminuir a incidência de metástases cerebrais sintomáticas, mas seu impacto na sobrevida global nos pacientes com doença extensa torna-se questionável com esse novo estudo. Dessa forma, considerar IPC como opção profilática deve limitar-se aos pacientes com doença avançada que respondam bem à quimioterapia e possuem um bom performance status. Deve-se discutir individualmente com os pacientes e suas famílias para avaliar os prós e contras dessa tomada de decisão (IPC versus somente observação e acompanhamento com RMC).
Estudo interessante e promissor. Todavia, é importante salientar que o próprio estudo relata os efeitos adversos oriundos da IPC. Dessa forma, deve-se pesar a baixa expectativa de vida do paciente aliada a piora da pouca qualidade de vida que lhes resta. Por fim, deve-se obter uma maior robustez para que se tenha desfechos mais positivos.
Faça o login para escrever seu comentário.
Se ainda não possui cadastro no Portal Conexão Anticâncer, registre-se agora.