Erro no alvo ou erro no timing?
Franzoi, MA & Fleck, JF: Conexão Anticâncer 12(09), 2017
Anualmente, mais de um milhão de pacientes são diagnosticados com câncer colorretal evoluindo para uma incidência acumulativa de 40 a 50% como doença metastática. O fígado é o sítio mais frequente de metastatização. Em metástases hepáticas isoladas e ressecáveis, a cirurgia é o método de melhor impacto prognóstico, promovendo 35 a 40% de sobrevida em 5 anos. Infelizmente, somente 20% dos pacientes são elegíveis para a metastasectomia hepática. Outros métodos de controle local tem sido introduzidos como a ablação por radiofrequência e a irradiação interna seletiva obtida pela administração intra-arterial hepática de microesferas contendo o emissor beta yttrium-90 (90Y-IIS). Estes métodos tem sido usados, predominantemente em terceira linha, com relativo benefício clínico.
Em agosto de 2017 a revista Lancet Oncology publica uma análise combinada de três estudos aleatórios e prospectivos comparando quimioterapia de primeira linha (QPL) com a associação de 90Y-IIS + QPL. A análise incluiu os estudos de fase III FOXFIRE, SIRFLOX e FOXFIRE-Global, realizados em centros oncológicos especializados distribuídos em quatorze países. O conjunto dos três ensaios clínicos totalizou uma coorte de 1103 pacientes, sendo 549 pacientes para o grupo da QPL e 554 para o grupo 90Y-IIS + QPL. Foram selecionados pacientes elegíveis para QPL, com neoplasia colorretal metastática exclusivamente ou predominantemente hepática e com performance status 0-1. Todos os estudos envolviam quimioterapia baseada em oxaliplatina. No grupo de tratamento combinado a 90Y-IIS era administrada concomitante aos dias 3 ou 4 do primeiro ou segundo ciclo de quimioterapia. A distribuição aleatória entre os dois grupos foi favorecida pela minimização de quatro potenciais fatores de interferência (presença de metástases extra-hepáticas, grau de envolvimento hepático, uso de imuno-biológicos e o centro de investigação). O desfecho primário do estudo foi sobrevida global após um follow-up de 2 anos, através de uma análise intention-to-treat. A sobrevida mediana no grupo tratado com 90Y-IIS + QPL foi de 22.6 meses comparada com 23.3 meses no grupo com QPL exclusiva (HR 1.04 p=0.61). Nos desfechos secundários observou-se uma sobrevida livre de progressão mediana de 11 meses no grupo 90Y-IIS + QPL versus 10.3 meses no grupo QPL exclusiva (HR 0.90 p=0.11). A incidência acumulativa de progressão hepática nos primeiros 12 meses de acompanhamento foi de 22% no grupo 90Y-IIS + QPL e de 39% no grupo QPL exclusiva. Em contrapartida a progressão extra-hepática no mesmo período foi menor no grupo QPL exclusiva (19%) do que no grupo 90Y-IIS + QPL (33%). Conforme antecipado, a intensidade de dose foi maior no grupo QPL exclusiva. A toxicidade foi significativamente maior no grupo 90Y-IIS + QPL do que no grupo submetido a QPL exclusiva (OR 1.42 p=0.0089).
Trata-se de um estudo negativo, que além de não impactar no desfecho principal, ainda acrescentou morbidade. Todavia, a análise de subgrupos aponta para um potencial benefício do tratamento combinado (90Y-IIS + QPL) em pacientes com tumores primários no cólon direito. Além da lateralidade, fatores prognósticos e preditivos como mutação RAS, BRAF e mismatch repair não fizeram parte do escopo do estudo.
Referência:
Wasan, HS; Gibbs, P; Sharma, NK; et al: First-line selective internal radiotherapy plus chemotherapy versus chemotherapy alone in patients with liver metastases from colorectal cancer (FOXFIRE, SIRFLOX, and FOXFIRE-Global): a combined analysis of three multicentre, randomised, phase 3 trials, Lancet Oncol 18: 1159-1171, 2017
O câncer colorretal é um dos tumores mais prevalentes em ambos os sexos e o responsável pelo terceiro lugar em mortalidade por câncer. Considerando isso, pesquisas que busquem alternativas de tratamento que melhorem a qualidade e a sobrevida dessas pacientes são necessárias. Entretanto, sem sempre resultados positivos serão encontrados, como foi o caso deste estudo que avaliou a associação à quimioterapia de primeira linha com irradiação interna seletiva pela administração intra-arterial hepática de microesferas contendo o emissor beta yttrium-90 (90Y-IIS). Apesar do desfecho negativo para o desfecho principal, temos que ter em mente que muitas variáveis podem ser consideradas no impacto desse desfecho, como algumas mutações. Além disso, em subanálises houve um resultado potencialmente favorável para tumores de cólon direito, o que indica um caminho de pesquisa para avaliação dessa terapia combinada nesses tipos específicos de tumor.
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