A ciranda virtuosa
James Fleck: Conexão Anticâncer 10 (08), 2020
O exercÃcio da medicina presume uma forte conexão com o paciente. A empatia, que sustenta a relação médico-paciente é um processo cognitivo. Ela é a resultante de um exercÃcio profissional vocacionado, no qual o médico aprende a identificar e compreender os sentimentos do paciente. A empatia depende do exercÃcio da sensibilidade, mas vai além, pois envolve a aquisição de habilidades e competências. A interferência cognitiva é parte essencial da assistência multidimensional ao paciente, conduzindo a um sinergismo de potencialização das inteligências de ambos, médico e paciente. Cria-se o conceito de inteligência coletiva aplicada à Medicina. Estudos têm demonstrado que a inteligência coletiva costuma ser maior que o simples somatório das inteligências individuais (fator c). No entanto, médico e paciente precisam aproximar a linguagem, uma condição primordial para gerar inteligência coletiva. Este é o primeiro passo para romper barreiras e atingir sintonia de comunicação. O ganho é bilateral. O paciente entende melhor a doença e modula seu comportamento para facilitar a solução do problema. O médico obtém maior efetividade em suas intervenções, na medida que apreende com o paciente a melhor forma de lidar com sua subjetividade. Cria-se uma ciranda virtuosa.
A essência da ciranda virtuosa é subliminar. Ela é sustentada por valores imateriais. Estes valores não devem ser confundidos com necessidades humanas essenciais como sobrevivência, segurança, pertencimento, autoestima e realização pessoal. Estas necessidades são básicas e explÃcitas. A falta ou deficiência de qualquer uma delas pressupõe graus variáveis de infelicidade e desajuste social. Sempre que necessário, suprir esta deficiência deveria ser, rotineiramente, a primeira intervenção médica. Utilizando os recursos disponÃveis em um sistema de saúde estruturado, o médico irá buscar na assistência multiprofissional a melhor forma de prover as necessidades humanas essenciais do paciente, mesmo que temporariamente. Trata-se de um esforço de mobilização profissional e familiar para restaurar a dignidade do paciente. Somente a partir deste momento é possÃvel trabalhar valores imateriais. Estes são individuais, especÃficos e muitas vezes estão ocultos. Exercendo a empatia, o médico terá que despertar no paciente o desejo de revelar e compartilhar sua escala de valores imateriais. Normalmente, é possÃvel identificar um valor predominante, que eu passei a denominar de valor âncora. Ele é a chave de partida para desencadear a ciranda virtuosa. Uma vez identificado o valor âncora, o médico irá utilizá-lo como recurso interativo, fortalecendo a relação médico-paciente. O valor âncora facilita a agregação de outros valores imateriais, criando a ciranda virtuosa, promovendo inteligência coletiva e melhorando o custo-efetividade das intervenções propostas. Em outubro de 2019 apresentei no ASCO Breakthrough: A Global Summit for Oncology Innovators, ocorrido em Bangkok, os resultados preliminares obtidos com o uso de inteligência coletiva na assistência a pacientes com câncer.Veja, na figura abaixo, uma representação da ciranda virtuosa e o papel central do valor âncora na mobilização de outros valores imateriais.
A inteligência coletiva pode ser exercitada através de simulações clÃnicas. Na tabela abaixo, estão indicadas treze simulações clÃnicas. Em cada simulação clÃnica você encontrará a indicação do tumor primário diagnosticado no paciente fictÃcio e o respectivo valor âncora que está sendo utilizado para despertar inteligência coletiva e gerar a ciranda virtuosa.
Você poderá compreender melhor como o valor âncora gera inteligência coletiva e desencadeia a ciranda virtuosa acionando o link abaixo, o qual lhe dará acesso integral à s treze simulações clÃnicas publicadas sequencialmente sob a aba livros presente no menu principal do site Conexão Anticâncer:
https://conexaoanticancer.com.br/livros
Referências:
1. James Fleck: Conexão Anticâncer: As múltiplas faces do inimigo interno, Editora Movimento, 320p, Porto Alegre, 2013
2. Anita Williams Woolley, Christopher F. Chabris, Alexander Pentland, Nada Hashmi, Thomas W. Malone: Evidence for a Collective Intelligence Factor in the Performance of Human Groups, Science Express: September 31st, 2010 DOI: 10.1126/science.1193147
3. James Freitas Fleck, Ricardo Preger, Luis Fernando Venegas, Henrique Träsel: Multidimensional Integrative Medicine applied to Outpatient Cancer Treatment in Southern Brazil: Preliminary Cost-Effectiveness Analysis, ASCO Breakthrough: A Global Summit for Oncology Innovators, Bangkok, Thailand, October 2019
Achei interessante o entendimento e uso do termo inteligência coletiva na relação médico-paciente, em detrimento da noção usual do conhecimento multidisciplinar. Não é somente a partir do técnico que a medicina se desenvolve, mas também a partir da interação humana. Aprendemos com o que conhecemos, e a compreensão dos valores humanos, da melhor forma de estimulá-los e de como com eles lidar é essencial ao exercÃcio da medicina. O paciente não é um ente passivo, ou não deve ser, e cabe também ao médico estimular a proatividade do paciente no enfrentamento e compreensão de sua condição.
Boa analogia feita entre uma ciranda e a relação entre valores imateriais. O objetivo dessa ciranda virtuosa é, primariamente, estabelecer uma boa relação médico-paciente, que é a base da medicina - porém, o benefÃcio se torna bilateral. Outro aspecto interessante é o fato de que o "valor âncora", valor que será a base para o estabelecimento da ciranda virtuosa, é especÃfico para cada paciente, ou seja, abrange aspectos subjetivos e inerentes de cada paciente. Cabe ao médico entender e localizar esse valor âncora para estabelecer uma boa relação com os pacientes, conseguindo, dessa forma, cumprir os objetivos da prática médica.
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