Imunoterapia no câncer gástrico

O Apanhador nos Campos de Centeio

 

James Fleck, MD, PhD: Conexão Anticâncer 13 (02), 2022

Dados epidemiológicos globais publicados em 2020 pela Organização Mundial da Saúde apontam o câncer gástrico como o quinto tumor maligno mais diagnosticado no mundo (incidência global = 1.089.103). Infelizmente, esse número é ainda mais ameaçador ao olhar para a alta mortalidade (mortalidade global = 768.793), o que conduz a uma taxa mundial de letalidade aparente de 70,1%. A maioria dos casos é diagnosticada como doença avançada e os esforços para promover o diagnóstico precoce têm sido limitados pela relação custo-benefício das intervenções. O rastreamento do câncer gástrico parece ser custo-efetivo em populações de alto risco. A endoscopia alta realizada a cada 2 anos na população chinesa é altamente custo-efetiva, levando a um ICER/QALY de US$ 28.836,00. No entanto, nos EUA, devido à baixa incidência, o rastreamento do câncer gástrico em população assintomática revela um ICER/QALY de US$ 247.600,00, o que dificulta o ressarcimento ao sistema público de saúde. Há muitos anos, o rastreamento do câncer gástrico é realizado no Japão, dando origem a um programa de diagnóstico precoce altamente eficaz, que aliado a uma técnica cirúrgica agressiva (gastrectomia D2) + quimioterapia adjuvante tem sido responsável por uma redução significativa na taxa de letalidade aparente (33,2%). Historicamente, a maioria do carcinoma gástrico nos EUA vem sendo diagnosticada como doença localmente avançada ou metastática. Nos últimos 25 anos, essa assinatura epidemiológica não mudou significativamente, exceto por uma tendência na localização anatômica do tumor primário, passando de lesões distais para regiões mais proximais, incluindo a junção gastresofágica (JEG), a qual está associada a um pior prognóstico.

Atualmente, muito esforço tem sido direcionado para o impacto do tratamento multimodal no desfecho do câncer gástrico localmente avançado. A quimioterapia ou quimiorradioterapia adjuvante melhorou a sobrevida livre de doença e a sobrevida global em ensaios clínicos muito heterogêneos. As diferenças na assinatura epidemiológica do câncer gástrico no mundo influenciaram os resultados. Na Ásia, o uso de quimioterapia adjuvante melhorou a sobrevida. Na Europa, a quimioterapia perioperatória encontrou um lugar no tratamento combinado do câncer gástrico localmente avançado, o mesmo sendo relatado com a quimiorradioterapia adjuvante nos EUA. Em resultados preliminares, recentemente publicados, do estudo prospectivo randomizado CheckMate 577, a imunoterapia adjuvante com nivolumab parece promissora. O estudo incluiu tumores com histologia e comportamento biológico diferentes. Pacientes com carcinoma de esôfago estágio II e III (60%) e de junção gastresofágica (JGE) (40%), submetidos à ressecção Ro, que permaneceram com doença residual patológica, foram aleatoriamente distribuídos para receber nivolumab adjuvante ou placebo em uma proporção de 2:1. O uso de imunoterapia adjuvante foi associado a uma melhora na sobrevida livre de doença (HR = 0,69), bem como na sobrevida livre de metástases na população com intenção de tratar (HR = 0,74). O benefício foi mais pronunciado no câncer de esôfago (HR = 0,61) do que nos tumores da junção gastresofágica (HR = 0,87). Adicionalmente, o impacto da imunoterapia adjuvante foi maior no subgrupo de carcinoma espinocelular (HR = 0,61) do que no subgrupo adenocarcinoma (HR = 0,75). Resultados mais maduros irão contribuir para uma compreensão melhor do benefício alcançado com imunoterapia adjuvante no adenocarcinoma da JGE. Além disso, é muito importante identificar no fenótipo imunológico microambiental quais são os fatores preditivos de uma resposta favorável à imunoterapia, tanto no cenário terapêutico paliativo quanto curativo do câncer gástrico. Esse desafio foi assumido pelo estudo randomizado, aberto, de fase III CheckMate 649. Os resultados preliminares foram publicados no Lancet em 5 de junho de 2021. Apesar de incluir apenas pacientes com adenocarcinoma, a elegibilidade para o estudo ainda é composta por uma população heterogênea de tumores gástricos (70%), JEG (18%) e esôfago (12%). Os critérios preliminares excluíam pacientes Her-2 positivos, o que não foi claramente observado no relato do estudo. A expressão de PD-L1 nas células tumorais foi escolhida como fator de estratificação para CheckMate 649, mas o protocolo foi alterado para usar o escore combinado de pontuação positiva (CPS de cinco ou mais) para definir a população primária. Apesar dessas limitações, após um acompanhamento mínimo de 12,1 meses, o uso combinado de nivolumab + quimioterapia foi superior à quimioterapia isolada na população de pacientes com CPS de cinco ou mais na expressão de PD-L1. A sobrevida global mediana para o tratamento combinado foi de 14,4 meses versus 11,1 meses observados com quimioterapia exclusiva (HR = 0,71 P <0,0001). Outro fator preditivo presumido é a expressão tumoral de alta instabilidade de microssatélites, onde o uso de tratamento combinado revelou um impressionante HR = 0,33 quando comparada com a HR = 0,73 relatado para tumores com estabilidade ​​​​de microssatélites.

Os estudos são geradores de hipóteses na busca de um novo algoritmo para o tratamento do câncer gástrico, baseado em preditores moleculares microambientais. É preciso romper com a ingenuidade, entendendo melhor quais componentes são responsáveis pelo comportamento agressivo do câncer de estômago. Remete para o desafio idílico enfrentado pelo protagonista Holden Caulfield no romance de J. D. Salinger, intitulado "O Apanhador nos Campos de Centeio". Salvar crianças desatentas de cair de um penhasco, enquanto correm e se escondem em um campo de centeio.

 

 

Referências:

 

1.     Global Cancer Observatory, International Agency for Research on Cancer (IARC), World Health Organization (WHO), 2021

2.     Yeh JM, Hur C, Ward Z, Schrag D, Goldie SJ: Gastric adenocarcinoma screening and prevention in the era of new biomarker and endoscopic technologies: a cost-effectiveness analysis, Gut 65(4):563, 2016

3.     R.J. Kelly, J.A. Ajani, J. Kuzdzal, et al: Adjuvant Nivolumab in Resected Esophageal or Gastroesophageal Junction Cancer, N Engl J Med 384 (13): 1191 -1203, 2021

4.     Yelena Y Janjigian, Kohei Shitara, Markus Moehler, et al: First-line nivolumab plus chemotherapy versus chemotherapy alone for advanced gastric, gastro-esophageal junction, and esophageal adenocarcinoma (CheckMate 649): a randomised, open-label, phase 3 trial, The Lancet, June 5th, 2021

5.     The Catcher in the Rye by J. D. Salinger, Little, Brown and Company, US, 1951, 234p

6.     Photo by Anton Sulsky on Unsplash